O fantástico mundo do Sítio
Que me desculpem as últimas gerações que tiveram e têm influências de programas de TV infantis nos moldes dos apresentados por Xuxa, Angélica, Eliana e clones, mas a geração que assistiu ao Sítio do Pica-Pau Amarelo continua na frente em termos de qualidade. Deixando o saudosismo de lado, que confesso me invadir todas as vezes que vejo imagens daquela produção, não é difícil encontrar os parâmetros que me levam a fazer comparações entre o antes e o agora.
Eu tinha 8 anos quando o Sítio foi ao ar pela primeira vez, em 1977, levando para a telinha não somente o universo e os personagens de Monteiro Lobato, mas também verdadeiras aulas de história, ciências, ecologia, ficção científica – sem falar que tudo isso estava inserido num clima bucólico de fazenda, onde toda criança sonha em passar as férias. Dona Benta (a maravilhosa e inesquecível Zilka Salabery) era mais do que um modelo de avó que existe no imaginário de qualquer criança. Era a avó sábia, que lia estórias, que conhecia a história da humanidade, as lendas brasileiras, que sabia filosofia, e que, principalmente, embarcava nas aventuras mais extravagantes daquela turma.
Pedrinho (vivido inicialmente pelo ex-ator Júlio César) é o personagem que carrega o espírito livre de todo menino. Com seu inseparável estilingue (badoque, atiradeira) pendurado no pescoço, ele chega ao Sítio do Pica-Pau Amarelo para passar suas longas férias escolares, deixando para trás os deveres e cuidados da cidade grande, e mergulhando numa espécie de outro planeta. Nele, toda fantasia se torna realidade e assim é vivida como só as crianças são capazes: viajar à Grécia antiga para ajudar Teseu a lutar contra o Minotauro; mergulhar num rio e descobrir o Reino das Águas Claras; ir à lua; lutar contra a Cuca; ter um Saci como amigo; encontrar a Mula-sem-cabeça e o Curupira; receber um anjo caído do céu... Além de Pedrinho, é impossível esquecer a beleza cândida de Narizinho (eternizada no rosto da atriz Rosana Garcia), as artimanhas da genial boneca de pano Emília (sempre gostei da mais carrancuda, encarnada pela atriz Dirce Migliaccio) e o estilo cientista-louco do “sábio sabugo” Visconde (o insubstituível André Valli) – que ganham vida graças aos recursos da magia. Aliás, tudo no Sítio parece permeado de magia: aparecer e desaparecer com um simples “Pirlimpimpim” (quantas vezes tentei fazer o mesmo sozinho no quintal de casa!), mudar a realidade com a força do “Faz-de-conta”, receber a visita de personagens de livros para comer as guloseimas de Tia Nastácia (a saudosa Jacira Sampaio)...
Foram sete anos ininterruptos que o programa ocupou o horário do finzinho de tarde, enriquecendo consideravelmente a minha infância e a de outras tantas crianças, que hoje se encaminham para a casa dos quarenta e vivem cercadas, muitas delas, de filhos, sobrinhos e afilhados – massacrados por programas que mais os incentivam ao consumo de futilidades do que os educam. Não que estes sejam desprovidos de méritos – até porque são amparados por uma variada indústria do entretenimento, que não poupa esforços para seduzir a criançada pelo visual, mas estão longe de abranger a grandiosidade que é a infância. Isto é difícil de contestar!
Só para comparar um pouco mais, lembro aqui da trilha sonora do Sítio (ainda não relançada em CD e tida como raridade em vinil), que acompanhou o programa por toda a sua existência e ainda hoje consegue arrancar lágrimas e sorrisos de quem tem o privilégio de possui-la (guardo-a em fita-cassete). Nomes como Dorival Caymmi, Gilberto Gil, João Bosco, MPB 4, Jards Macalé, Marlui Miranda e Doces Bárbaros (grupo formado por Caetano, Gil, Gal e Bethânia), vestiram com maestria cada personagem e cantaram todo o encanto que cercava cada um deles.
O que poucos sabem é que todo aquele cenário, construído em Barra de Guaratiba-RJ, com tudo o que um sítio deve ter (uma bela casa, curral, galinheiro, chiqueiro, pombal...), foi consumido em fogo em 1986, o que acabou por contribuir para apressar o fim do programa. Considero a nova versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo, também produzido e exibido pela Globo, uma boa tentativa de oferecer à criançada deste novo milênio a chance de conhecer um pouco a fantástica obra literária de Monteiro Lobato. Os recursos tecnológicos que a emissora possui hoje dão à nova versão a medida certa para atrair a geração “gamenet”, que já está acostumada a um outro padrão visual e de linguagem, um tanto diferente ao das décadas de 70 e 80. Com ou sem recursos tecnológicos, bom mesmo é a riqueza daquele universo!