A REDE DE ESPIONAGEM DE ITAIPU
No Estado Policial, implantado a partir do golpe civil e militar de 1964, a Itaipu Binacional criou um formidável aparelho de espionagem e repressão que oficialmente levou o nome de Assessoria Especial de Segurança e Informações..
Comandada e operacionalizada por oficiais reformados, todos com serviços prestados nos órgãos de repressão do eixo Rio/São Paulo, a AESI possuía uma radiografia completa de cada funcionário e atuava em conjunto com o Centro de Informações do Exército, especificamente com a 2ª Seção (Serviço Secreto) do 1º Batalhão de Fronteiras, hoje 34º BIMtz, com o Serviço de Informações das polícias Federal e Militar, com o Centro de Informações da Marinha (Cenimar), com o Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (Cisa) e com o Serviço Nacional de Informações
(SNI).
As fichas preenchidas pelos candidatos a emprego na construção da hidrelétrica eram enviadas para análise de todos os órgãos que compunham o sistema repressivo da ditadura. Cópias de centenas desses documentos acompanhados por pedidos de busca de antecedentes fazem parte do acervo do arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu. Todos aqueles que militaram no movimento sindical ou estudantil tiveram seus pedidos de emprego recusados. Outros foram vetados por terem parentes ou amigos fichados pela repressão, como é o caso do advogado Victor Augusto Fasano. Ele não foi admitido porque seu nome constava na agenda de endereço de Mariano da Silva, militante da VAR Palmares, uma das organizações da esquerda armada que lutou contra a ditadura. O veto a Fasano ocorreu em 1983, quatro anos após a promulgação da Lei de Anistia.
Outro caso que ilustra as tropelias praticadas pela rede repressiva instalada na fronteira é o de Paulo José Dias, topógrafo que trabalhava para a Planta Engenharia S/A, consorciada da Matrix Engenharia S/A, empresa designada para fazer o cadastro de implantação do canteiro de obras da barragem de Itaipu. Paulo foi preso em 12 de setembro de 1973 e respondeu a interrogatórios nas polícias civil e federal e também no Batalhão de Fronteiras. O motivo, de acordo com documentos encontrados no arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, foi a descoberta pela AESI de que um colega do topógrafo que trabalhava na Usiminas havia sido preso como subversivo em 1964. Ainda de acordo com relatório arquivado no acervo da DPFI, outro motivo para a prisão do topógrafo foi porque uma de suas tias ser casada com o tio do padre Geraldo da Cruz, preso em 1967 “por ser membro de uma congregação religiosa suspeita de ser subversiva”.
A Assessoria Especial de Segurança e Informações não se limitava a investigar a vida pregressa ou a espionar os candidatos a emprego e os funcionários da Itaipu. Durante meses o serviço de informações da Binacional espionou o médico ortopedista Agostín Goiburú, cidadão paraguaio exilado na Argentina. No dia 15 de dezembro de 1976, a AESI enviou para os órgãos repressivos da ditadura do general Stroessner, com a classificação de Informe 031/76 o resultado da investigação realizada pelos espiões da Binacional. Em seguida o médico ortopedista foi seqüestrado pela polícia política paraguaia e levado para o Regimento Escolta Presidencial, em Assunção, onde foi torturado até a morte.
O serviço de espionagem da Itaipu funcionou até mesmo após a anistia e possuía bases nos escritórios de Brasília, Rio de Janeiro e Curitiba. Em 13 de janeiro de 1981, o escritório carioca enviou para a DGIE/RJ e para a DPF/RJ o Pedido de Busca E/ASS/AESI/RJ/001/81, solicitando informações sobre o psiquiatra contratado pela União das Construtoras – Unicon, Jorge Ramillo Salles, com o seguinte teor:
Itaipu Binacional
Rio de Janeiro
Av. Nilo Peçanha 50/11º andar
Confidencial
Urgente
Assessoria de Segurança e Informações - AESI
Dados Conhecidos
Os constantes da anexa Ficha Individual;
Trata-se de empregado da UNICON, onde exerce o cargo de médico, admitido em 15 JUL 80, atuando no Canteiro de Obras desta Entidade, em Foz do Iguaçu;
Em 1965, teria sido Presidente da UNE –União Nacional dos Estudantes. Nos dias 10 e 11 de abril do mesmo ano, teria participado de uma reunião de estudantes realizada na sede do Círculo Operário de Campinas, situado na Rua Regente Feijó nº1421, cujos temas teriam sido os seguintes:
envio de tropas brasileiras para o exterior;
internacionalização da Amazônia;
reintegração do estudante na política brasileira.
Na citada reunião teriam comparecido cerca de 120 (cento e vinte) participantes, entre eles os seguintes elementos:
Alberto Abissamara, Presidente da UNE;
Evaristo Koloya Rocha, presidente da UEE;
Alcebíades Tavares Dantas, representante da União Fluminense de Estudantes – UFE.
d) Em 1972, teria participado da organização, no Rio de Janeiro, do curso “O Diagnóstico em Psicopatologia Infantil”, ministrado pelo professor Maurício Knobel e patrocinado pela Associação de Psiquiatria e Psicologia da Infância e Adolescência (1º Congresso Brasileiro de Psicologia Infanto –Juvenil).
e)Em1974 teria realizado no Rio de Janeiro o curso de “Uso de Escolas de Psiquiatria”, ministrado pelo professor Max Hamilton (II Congresso Brasileiro de Psiquiatria).
Em maio de 1974 teria estado no Rio de Janeiro representando a Universidade Estadual de Londrina/PR (UEL) como convidado da Organização Pan-Americana da Saúde Materno-Infantil patrocinada pela Fundação W.K.Kellog – O.P.A.S.
DADOS SOLICITADOS
Registros existentes sobre o Sindicato;
Confirmação dos dados constantes nas letras C,D,E e F;
Outros dados julgados úteis e esclarecedores.
SOLICITAÇÃO ESPECIAL
Possível urgência no atendimento ao presente PB
Toda poderosa, a AESI fuçava nos mínimos detalhes a vida dos funcionários, como pode ser verificado no Informe 2566/82, que relata o trabalho de investigação das atividades do funcionário do consórcio Itamon, José Ledres Pontes, “Zé Mineiro”. Este documento revela que, correspondências eram interceptadas e jornais eram apreendidos ilegalmente, em pleno ano de 1982.
“Em 13.MAI 82, órgãos de informação de Curitiba interceptaram correspondência dirigida a sucursal do jornal Tribuna da Luta Operária, naquela cidade, encaminhadas através do Posto de Correio do Canteiro de Obras da Itaipu;
A remessa do documento foi elaborada por um tal “Zé Mineiro”, o qual estaria distribuindo referido jornal aos operários de Itaipu;
Após buscas realizadas no Canteiro de Obras, verificou-se que na banca de jornais do Centro Comunitário havia dois exemplares. O proprietário do estabelecimento disse que não pretendia vendê-los, tanto que não os colocou à mostra;
Como resultado das buscas realizadas foi possível identificar como sendo o provável “Zé Mineiro”, o funcionário José Ledres Ponte, do Consórcio Itamon;
Na campanha eleitoral o nominado deu apoio a Miron Niclevcz;
Reside no alojamento Pavilhão B-8, quarto 46, cama 4;
Os exemplares foram recolhidos pela AESI/Itaipu e entregues ao 34º BIMtz;
Nasceu em 31.01.54 em Minas Gerais, veio de Santo André, do ABC. Profissão mecânico montador.”