A Rosa Mística é um símbolo cristão que significa a aquisição da Gnose, obtido pelo perfeito entendimento da Vida, Paixão e Morte do Nosso Senhor Jesus Cristo. É um emblema de largo significado espiritual, que transcende as fronteiras do romantismo e serve como âncora para nos levar a experiências sensoriais de elevado nível de subtileza neurológica. Deste símbolo se valem as seitas espiritualistas e a própria Igreja católica para ancorar ideias de profundo conteúdo místico que vão além da religião e penetram o território da poesia.

Para a Igreja Católica o simbolismo da Rosa Mística está ligado à Virgem Maria. Segundo uma tradição conservada pelos católicos ela apareceu várias vezes à uma vidente italiana chamada Pierina Gilli, em Montichiari, entre os anos de 1947 e 1976. Nas suas aparições a Virgem mostrava à vidente o seu coração ornado por uma coroa luminosa, parecendo uma rosa, que desabrochava em todas as cores, como um lindo caleidoscópio.

O simbolismo da rosa também está relacionado com a história de Santa Isabel, historicamente conhecida como Isabel de Aragão, esposa do rei Don Dinis, e rainha de Portugal. Segundo uma crónica portuguesa, a rainha Isabel era muito piedosa e costumava distribuir pão aos pobres. O rei Don Dinis não gostava muito desse costume, pois ele desfalcava o tesouro real. Assim ela passou a fazer isso clandestinamente, sem que o que o rei soubesse. Um dia, ela saiu do Castelo do Sabugal numa manhã de Inverno para praticar a sua caridade. O rei, desconfiado, seguiu-a sem que ela percebesse. Ao ser interpelada pelo soberano, que quis saber onde ia e o que ocultava no seu avental, ela disse:” São rosas, senhor.” “Rosas, no Inverno?”, perguntou, com sarcasmo, o rei. “Deixe-me ver”. E quando a rainha mostrou o conteúdo do seu avental, o rei ficou estupefacto, pois nele só haviam belas e perfumadas rosas.

Simbologia da Rosa

Símbolo da beleza, perfeita na forma e apreciada pelo seu perfume, a rosa é a flor que simboliza a natureza no seu processo de maior subtileza criativa. Ela é, para os ocidentais, o que o lótus representa para os asiáticos. Na Índia existe a tradição de culto à rosa cósmica Triparasundari, que homenageia a beleza da Mãe divina, a natureza feminina de Brahma, representada pelo deus andrógeno Xiva. Ela representa a obra acabada da natureza sem mácula, perfeita em todos os seus detalhes. Os seus seguidores vêem-na como a taça de vida, a visão espiritual do amor, e é invocada como uma poderosa mandala para se atingir um enlevamento místico.

Na mitologia ocidental a rosa é uma flor consagrada a muitas deusas. No mundo grego ela aparece como símbolo do culto à Afrodite. A lenda diz que Afrodite nasceu da espuma do mar, e quando esse nascimento se deu a espuma que se tornou a deusa tomou a forma de uma rosa branca. Outro mito conta que Afrodite encontrou o deus Adónis ferido e foi socorrê-lo. Quando tentava colocar o seu corpo sobre um roseiral em flor, ela feriu-se num espinho e o seu sangue coloriu as rosas que desabrochavam. Ela colheu as flores manchadas com o seu sangue e as colocou sobre o corpo de Adónis, e isso fez com que ele se curasse. Esta lenda deu nascimento a uma cerimónia, praticada na antiga Grécia com o nome de Rosália. Esta cerimónia evocava o poder de regeneração atribuído à essa flor, associada à beleza de Adónis e Afrodite. Mais tarde essa cerimónia se transformou no costume de se colocarem rosas sobre os túmulos das pessoas falecidas, simbolizando a sua regeneração. Este costume, com as variantes exigidas pelo tempo e pelos povos que o adoptou, se conserva até hoje.

Há, na mitologia hindu, uma tradição que sustenta que a deusa Lakshmi (deusa do amor), nasceu de uma rosa. Na mística cristã, ela é considerada também como sendo a taça que recolhe o sangue de Cristo. Igualmente se vê nela a transfiguração das gotas desse sangue e o símbolo das chagas de Cristo, que são representadas na forma de rosas vermelhas. No Velho Testamento, a rosa é o símbolo da beleza e o arquétipo perfeito da sexualidade desperta e satisfeita como uma função fundamental da natureza. O Cântico dos Cânticos, colectânea de poemas atribuídos ao rei Salomão, faz largo uso do simbolismo da rosa para dar vasão ao erotismo místico que exala desses sagrados poemas.

A Rosa-Cruz

A rosa, associada à cruz, tornou-se o símbolo natural do cristianismo místico. No antigo ritual da Maçonaria especulativa, segundo informa Paul Naudon, a contemplação deste símbolo era o corolário do ensino maçónico, que se dava no último grau, após o recipiendário fazer uma “viagem” de três dias, na qual ele dava trinta e três voltas ao redor da Loja. Depois desta “viagem,“, ele descia aos “infernos”, de onde voltava com a Palavra Perdida, representada por uma rosa vermelha, símbolo da vida renascida no sangue de Jesus.

Assim, o corpo de Cristo na cruz era substituído por uma rosa. Com isso se consumava a regeneração, que ocorria com a cerimónia de iniciação, quando o neófito “visitava o interior da terra”. Era o mesmo processo que fazia com que uma semente depositada na terra germinasse e se transformasse em planta nova. Isso queria dizer, simbolicamente, que o homem desceria ao interior da terra (dentro de si mesmo), como se fora uma semente, e renasceria em virtude da sua crença em Cristo, imitando o processo que a natureza usava para dar vida ao mundo.

Este processo seria repetido pelos alquimistas na procura da pedra filosofal. Por esta fórmula seria preciso “matar a matéria” e deixá-la curtir em profundas trevas, para que depois, revivida pela acção do fogo, ela ressuscitasse com estrutura diferente. Era dessa forma que os discípulos de Hermes pensavam realizar a transmutação de metais comuns em ouro e todo o seu estranho trabalho de laboratório tinha essa finalidade.

Na Maçonaria esta simbologia equivalia à (re) descoberta da Palavra Perdida, ou seja, a chave da sabedoria que poderia conferir ao seu detentor o conhecimento do bem e do mal e o segredo da vida eterna.

Desta forma, a Palavra Perdida das lendas maçónicas se revelava nas iniciais que Pôncio Pilatos mandou gravar na cruz de Cristo. Pilatos, segundo essa lenda, era um iniciado nos Sagrados Mistérios e as iniciais que ele mandou escrever na cruz de Jesus não significavam “Iesus Nazarenus Regius Iodorum”, como oficialmente se acredita, mas sim, Ígnea Natura Renovatur Integra (A natureza inteira se renova pelo fogo). Desta forma, Pilatos sabia que o sacrifício de Jesus era uma cerimónia que tinha por objectivo demonstrar, na prática, o processo de regeneração da vida através da simbologia iniciática. Esta regeneração se dava pela acção do espírito, associado ao calor da terra(o fogo), da mesma forma que o calor do sol, no processo de aquecimento da terra, e com a adição da água, faz a semente renascer. Dai se presumia que todo o cerimonial da morte e sepultamento de Jesus, com o vazamento do seu flanco pela lança de Longinus, a unção do seu corpo com óleos cerimoniais, a sua tumba especialmente preparada por José de Arimateia (Grão-Mestre da Fraternidade do Novo Convénio), e finalmente o facto ds sua ressurreição ser presenciada unicamente por mulheres, constituir, na verdade, um cuidadoso cerimonial iniciático, praticado com rigorosa precisão.

Esta é uma interpretação gnóstica do drama da Morte e Ressurreição de Cristo e foi adaptada pelos Irmãos da Rosa-Cruz para dar nascimento à tradição da Rosa Mística. É uma alegoria de invulgar beleza poética e profundo significado místico. A sua consolidação em lenda e arquétipo emulador do espírito humano ocorreu com o mito da Fénix, o mítico pássaro que renasce das cinzas, simbolizando o espírito(ar) que se liberta da destruição da matéria(terra) pela acção do calor(fogo), para juntar-se à água e voltar como matéria regenerada. Completa-se, assim, o ciclo da vida do mundo, que morre e renasce nos braços da cruz. Por isso, ao se referir ao magistério de Jesus, João Batista dizia que “ Ele os baptizará pelo Espírito Santo e pelo fogo”, (baptismo do renascimento espiritual), enquanto o baptismo dele, João, era o baptismo da água (baptismo do renascimento carnal).

A Rosa Mística nos rituais maçónicos

É sabido que os antigos rituais da Maçonaria utilizavam muito mais a simbologia alquímica do que os rituais actuais. A antiga Loja operativa tinha uma ligação simbólica muito mais estreita com os laboratórios de alquimistas do que com um templo religioso, propriamente dito. O processo de regeneração espiritual do iniciado Maçom tomava de empréstimo com mais rigor a simbologia alquímica do que a liturgia das religiões. Desta forma, a Fénix que renasce das cinzas, para a tradição maçónica, significava tanto a matéria prima do alquimista que se transmutava pela acção do fogo, quanto o próprio espírito do operador que também recebia os influxos dessa operação mágica e ganhava uma nova constituição, tornando-se um “homem novo”. Esta temática prestava-se a uma interessante analogia com os mistérios cristãos, já que se encaixava perfeitamente com a doutrina de Cristo, pois Cristo era também a “Fénix” que retornava da morte para renovar a vida do universo. Por isso, a temática maçónica adoptou a ideia de reencontrar a Palavra Perdida sobre as asas da Fénix.

Contemplar a Rosa Mística, tornou-se pois, a apoteose final da jornada iniciática que o místico rosa-cruz, da mesma forma que o iniciado Maçom, aspiram no final de sua jornada. Ela é semelhante ao trabalho do alquimista na sua labuta no laboratório para obter a Pedra Filosofal. E é também o objectivo de toda jornada iniciática, pois a Rosa Mística, que também é a Palavra Perdida e a Pedra Filosofal, nada mais é do que a tão sonhada Iluminação buscada por todos os espíritos que se enveredam por esse caminho. Dante a contemplou no final da sua viagem pelas estruturas subtis do universo, da mesma forma que o apóstolo Paulo no caminho de Damasco, Persival ao encontrar o Santo Graal, Sidarta Gautama ao contemplar o lótus. Ela está na visão última e fundamental de todos os santos e profetas que atingem o derradeiro estágio da iluminação.

O Caminho de Santiago

A visão da Rosa Mística também tem relação com o simbolismo do Caminho de Santiago. O Caminho de Santiago é a jornada empreendida pelos místicos em busca da iluminação, que lhe é concedida pela visão da estrela brilhante, que supostamente aparece no final desse caminho para aqueles que são merecedores dessa visão. A descrição dessa estrela, feita por aquele que a contemplaram, fala de um corpo brilhante, formada de raios que emanam de um único centro, semelhante a uma rosa. Por isso, fazer o Caminho de Santiago, para as pessoas de orientação espiritualista, equivale ao trabalho do alquimista no seu laboratório, em busca da pedra filosofal. É uma jornada povoada de perigos e fadigas espirituais, na qual só se devem lançar os espíritos verdadeiramente puros e os corações comprovadamente corajosos. Pode-se dizer que hoje, o Caminho de Santiago é uma moderna jornada à procura do Graal.

João Anatalino Rodrigues

Do livro “Mestres do Universo” – Ed. Biblioteca 24×7, São Paulo, 2010

 

ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA FREEMASON- LISBOA-PORTUGAL, 10-11-2024