RIGOLETTO : VENTI SCUDI
“Somos semelhantes ! Eu (mato) com a língua, ele com o punhal”.
Rigoletto
Ao deixar o Theatro Pedro II — um dos melhores palcos para a ópera , da América Latina — depois da apresentação de Rigoletto, fiquei com a nítida impressão de que os inocentes são sempre vendidos, injustamente, por vinte (ou mais) moedas ?
Da mesma forma que ocorreu em março de 1851 — quando o Maestro Giuseppe Verdi dirigia-se para o Teatro La Fenice, onde se daria a primeira apresentação de Rigoletto, ópera que acabara de escrever — foi impossível não sair do Theatro (como faziam os populares mesmo antes da primeira apresentação da ópera em Veneza) cantarolando os versos da famosa ária: La donna è mobile qual piuma al vento, muta d’accento e di pensiero...
Para os menos avisados, a abertura poderia ser denominada, “ato sexual”, tendo em vista apresentar o estupro da filha do Conde de Monterone, um dos motivos pelo qual La Maledizione ( o primeiro nome previsto para Rigoletto) ter sido deplorada por repugnante imoralidade, tal qual o livro e a peça que lhe deu origem : Lê Roi S’Amuse (O Rei Se Diverte) , de Victor Hugo.
Aliás Victor Hugo também foi censurado quando decidiu apresentar sua peça na França: o enredo fazia alusão direta ao Rei Francisco I , um libertino amante dos prazeres, e explorava o drama de seu bufão, Triboulet, anão corcunda, totalmente dominado pelo complexo de sua deformação.
Em Verdi, Rei Francisco é Duque, Triboulet é Rigoletto, e a França é Mântua, Itália.
Gilda , a soprano Rosana Lamosa, é divina em “Caro nome”, um canto glorioso de amor adolescente, e propiciou-me um dos melhores momentos desse espetáculo que contou com a Direção Musical e Regência de Cláudio Cruz da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto.
Sparafucile, o baixo José Gallisa, impressionou-me pelo vozeirão (profundidade e intensidade) e pela presença de palco.
O Duque de Mântua, Fernando Portari, e Rigoletto, Sebastião Teixeira, nada ficam a dever a Manlio Rochi e Walter Monachesi, respectivamente, a cujas vozes habituei-me a ouvir nos discos da RCA
No ato final, o quarteto “Bella figlia dell’amore”, em que o Duque corteja Madalena sob as vistas de Gilda e Rigoletto, lembrei-me de ter lido a manifestação de Vitor Hugo, após assistir a peça de Verdi : “Se eu pudesse fazer com que várias personagens falassem simultaneamente, de tal forma que o público percebesse as palavras e os sentimentos, também obteria efeito igual a este !“.
Um efeito inesquecível e duradouro das obras da “trilogia popular “ — La Traviata e Il Trovatore e Rigoletto — que marcam nossas retinas, nossas mentes e corações, graças, em Ribeirão Preto, ao trabalho dos responsáveis pela Fundação Pedro II, Prefeitura Municipal e Secretaria Municipal da Cultura.
Atualmente os nomes dos personagens e os locais das tramas poderiam ser outros, mas o enredo continua o mesmo e, talvez por isso, as obras de Verdi continuam tão atuais, atraindo multidões para suas apresentações, mesmo decorridos mais de cento e cinqüenta anos.
“Cortigiani, vil razza dannata” , de Mântua, Brasília ou qualquer outro lugar do mundo, onde, de alguma forma , legisladores e governantes sejam coniventes com a venda de inocentes por vinte moedas.
“Ah ! la maledizione ! “
ANTÔNIO CARLOS TÓRTORO