CRESCER

Hoje à tarde estava finalizando o preparo das lasanhas que vou servir para meus filhos amanhã no almoço, e por ser um preparo com várias etapas porque envolve fazer a massa das panquecas, cozinhar as panquecas; pela manhã já havia feito o recheio de camarão e ontem fiz o de frango - sim, vou fazer dois sabores, não porque pediram, meu filho só disse que queria comer a minha lasanha, saudade de mim e da lasanha, claro, e como tinha um pacote de camarões ideal para lasanha, o bem miudinho, resolvi fazer também; fiz o molho branco, uma das minhas especialidades e lembrei que tinha pouco queijo muçarela ou mussarela, sei lá, então fui até o mercado comprar; após toda essa jornada de realização das etapas, que agora só falta a montagem, que farei assim que terminar de escrever sobre o que exatamente me veio à mente num rápido momento que sentei e coloquei os braços sobre a mesa e a cabeça sobre um dos braços, não por cansaço, mas num ato involuntário, e fiquei observando o vazio - tinham várias coisas ao alcance dos olhos: forno elétrico, micro-ondas com a Dolce Gusto em cima dele, air fryer, armário bancada com várias coisas em cima dela, armário aéreo mas nada disso eu vi, apenas descansei meus olhos, mesmo abertos, observando o nada e pensando em nada, quando surgiu a palavra CRESCER, e me veio o pensamento de quando era criança, entre os 7 e acredito até os 14, lembro da ruptura do ser criança na páscoa que procurei meu ninho por toda a casa, pois eu madrugava para encontrar meus chocolates, e nada encontrei, alí eu acordei para a vida de quase adulto e fui me adaptando à nova realidade, mas sempre pensando que eu não queria crescer, pois via os compromissos das pessoas adultas e pensava comigo que não queria ser adulto - nem sabia quem era Peter Pan, anos mais tarde fui saber - mas queria continuar esmirrado como era, cabeça grande, pernas finas, com pensamentos loucos, doidos sobre tudo e sobre todos, com aquele olhar crítico e analítico para tudo e para todos, um ouvido aguçado que minha mãe dizia não poder falar nada perto de mim porque tudo eu escutava e não faz bem criança escutar conversa de adultos, meus alunos também ficavam impressionados como eu escutava até os cochichos deles. Realmente não fazia bem, por isso adoro aquele desenho animado, que já falei em outros textos O Fantástico Mundo de Bob pois me via nele quando pequeno, até que aos 10 anos, quando já sabia escrever bem e comecei a ler alguns livrinhos infantis e gibis, comecei a expressar meu sentimentos em folhas de papel roubadas do caderno porque não podia deixar minha mãe e nem meus irmãos verem porque o caderno era para o colégio e não para as "bobagens", ninguém me disse isso naquela época, mas anos mais tarde eu escutei do meu pai quando pedi a ele um dinheiro emprestado para publicar um livro que havia escrito, na verdade uma junção de todas as crônicas e poesias que havia escrito ao longo de sete anos, pois já tinha 17 anos e já trabalhava quando isso aconteceu. No começo eu escrevia, guardava por um dia e no outro eu lia, rasgava e botava fora, porque não queria que ninguém lesse. Então uma professora do Ginásio, Professora Alda Lopes pediu para que escrevessemos um texto qualquer abrangendo algumas figuras de linguagem e eu num momento de extrema inspiração escrevi UM SONHO IMPOSSÍVEL - um dia publico aqui - que considero minha obra prima porque foram palavras da professora que foi o melhor texto, uma fábula, e eu utilizei todas as figuras de linguagem nele. Então comentei com ela que escrevia e rasgava, e ela me pediu para mostrar, e assim comecei a mostrar pra ela que corrigia e eu guardava. Então pedi para meu pai um empréstimo, durante um almoço rápido pois trabalhava na AFP, hoje Gerdau, e tinha que comer e sair correndo, e estudava em Porto Alegre. Alí mais uma decepção de começar a ser adulto e querer voltar a ser criança, mas não era possível eu tinha que enfrentar aquelas palavras do meu próprio pai que disse: QUEM VAI LER ESSAS COISAS? SE FOR PRA COMPRAR UMA MOTO EU TE DOU O DINHEIRO, MAS PRA ISSO NÃO. Eu disse que moto não queria, não gostava, e detesto até hoje - será trauma? claro que não, é porque não gosto mesmo. E assim eu segui minha vida, lendo, lendo, lendo, comprando cada vez mais livros, aprendendo mais e mais e me apaixonando pela leitura e, concomitante pelos escritos, que vinham ideias aos borbotões, como me vêm agora. Guardava tudo, e assim tinha uma infinidade de textos, poesias, crônicas, contos, e até dois livros que comecei a escrever. Com o passar dos anos fui percebendo que meus escritos iam mudando, meu pensamento foi se moldando e minha maneira de escrever foi amadurecendo conforme eu deixava de ser aquela criança que não queria crescer para ser um adulto que sou até hoje com o espírito de criança, sempre levando tudo na brincadeira, mesmo as coisas sérias, sempre dou um tom jocoso para não ficar tão pesado o fardo e poder carregá-lo melhor. Crescer faz parte da vida, mas deixar de ser criança depende de cada um. Deve ser por isso que tenho tanta afinidade com as crianças, até mesmo as desconhecidas. Até em sala de aula eu brincava, porque transformei todas as brincadeiras que tínhamos quando criança, em dinâmicas de grupo, que os alunos adoravam, exatamente porque brincar é a melhor maneira de se aprender algo, qualquer coisa. Por isso não queria crescer, não queria pensar e agir como os adultos, que ficavam ranzinzas, sérios, sisudos, avarentos e tantas coisas que observava. Crescer pra mim era deixar de ser eu mesmo, de ser como eu queria ser, por isso sempre procurei fazer aquilo que eu queria fazer e não por dinheiro, não por imposição. Pelo tanto que trabalhei deveria estar milionário, mas nunca fui de cobrar fortunas por palestras, muitas e a maioria eram gratuitas, para ajudar um colega, ajudar a instituição e assim por diante, porque nunca me vendi àquela vida de adulto que via quando criança. Sempre procurei manter o EU de quando comecei a me perceber como pessoa até agora, mesmo com tantas coisas que aconteceram na minha vida, com tantas coisas me falaram, mas eu procurei me manter como sempre quis e ser esse cara compreensivo, acolhedor, atento e ligado a tudo e a todas as pessoas que me cercam, sempre com uma palavra de carinho, sempre um abraço gostoso do jeito que todos sabem como gosto de abraçar, e sempre cozinhando muitas coisas boas, porque sou feliz, mesmo diante de tantas situações. Tinha um hino na igreja quando frequentava a Quadrangular que dizia: DEIXA A TRISTEZA DE LADO, VEM LOUVAR AO SENHOR. E é isso mesmo, vamos lá?