O QUINTAL DE ORUNMILÁ
“ ORUNMILA ! Testemunha do destino, segundo depois de Olodumare (Deus);”
´ Louvor de Orunmilá
Sábado, numa tarde de calor insuportável, quase sufocante, fotógrafos do Grupo Amigos da Fotografia — Sônia Franco, Con Vieira, Elza e João Rossato, Jorge Denner, Lu Degobbi e AC Tórtoro — partimos para nossa maior missão daquele dia : fotografar uma apresentação de dança.
A umidade do ar era similar à de um deserto.
Depois de uns quinze minutos de asfalto, entramos no Centro Cultural Orunmilá — um terreiro de Candomblé que abriga uma ONG, com objetivos de difundir a cultura negra ,atendendo a um convite de Mãe Neide e do Pai Paulo — acompanhados de um amplo sorriso do radialista Dias Gomes, onde fomos acolhidos pelo abraço carinhoso do nosso amigo e músico, Jorge Nascimento ( mentor intelectual das homenagens que o Grupo Amigos da Fotografia está organizando para final de dezembro, início de janeiro, em Ribeirão Preto), e ciceronizados pela meiga e gentil Renata.
A cortesia com que fomos recebidos permitiu a todos nós nos sentirmos em casa e, com permissão concedida, passamos pelo meio de um grupo de estudos, formado por jovens, e fomos em direção a um quintal bem arborizado.
O ambiente fez-me lembrar de que eu havia lido que as plantas, a mata, aos olhos do nagô é um convite à reflexão e à purificação. Dizem que não se entra na mata sem antes pedir licença e presenteá-la, a mata é, antes de tudo, um Deus vivo e com vontade própria, e, só se encontra na mata aquilo que a mata mostra, portanto, é preciso conversar, dialogar, entrar num acordo, por que não se entra na mata em vão, não se pega mais folhas do que o preciso, não se caça o desnecessário, não se destrói, não se suja,não se maltrata.
Kosi ewe, Kosi Orisa.
E assim como Orunmilá foi ao céu apanhar todas as folhas, lá fomos nós, depois de uma pedido de licença, silencioso e respeitoso, começar a capturar todas as fotos que nos foram oferecidas pelo local e pela movimentação do grupo de Dança Afro.
E aquele espaço foi generoso, nos mostrando tudo aquilo que podia mostrar: não entramos ali em vão, não capturamos mais fotos do que as necessárias — para uma exposição a ser realizada em homenagem ao Dia da Consciência Negra, no dia 20 de novembro — não destruímos a beleza do momento — só o conservamos nas lentes e memórias de nossas digitais — não sujamos e nem maltratamos — muito pelo contrário — tratamos com muito carinho, no photoshop, cada uma das imagens que continuaram, ante nossos olhos, a emitir o som tradicional dos atabaques, chocalhos e tambores, e do berimbau de Mestre Fumaça.
E depois de uma experiência desse tipo, ficamos encantados por vários dias: sonhamos com figuras míticas, clicamos imagens inimagináveis, viajamos por lugares nunca dantes visitados, e acordamos com uma vontade enorme de voltar ao computador e “garimpar” , sempre mais uma vez, dentre centenas de fotos, aquela mais brilhante, a mais significativa, a mais intrigante , a mais surpreendente e inédita: é muito bom o poder encontrar a mão de Deus onde muitos só conseguem ver o descartável.
ANTÔNIO CARLOS TÓRTORO
Diretor do GAF
ancartor@yahoo.com