MESTRES E DOUTORES. DOUTORES E MESTRES (homenagem ao colega de Escrivaninha , Julimar Antônio Vianna)

“... a qualidade de filho único e as grandes marcas de espírito, que observava na criança, inspiraram-lhe tamanha afeição pelo menino que nunca se decidiu a encarregar alguém de sua educação e resolveu instruí-lo, ele próprio, como o fez efetivamente, não tendo conhecido meu irmão nenhum outro mestre”.

O trecho acima é de Mme. Périer, irmã de Blaise Pascal (sobre o próprio). Pascal, o célebre teólogo, escritor e criador da máquina de Aritmética.

Segundo Rohden , “Pascal é uma das poucas celebridades mundiais que não publicou livros. Verdade é que escreveu tratados sobre matemática e geometria; mas essas conquistas, há tanto tempo, se divorciaram do nome de seu autor e se perderam no vasto anonimato da ciência como bem comum da humanidade”.

O título deste texto somado às informações sobre a educação de Blaise Pascal e a sua não-publicação de livros leva à reflexão sobre a atual síndrome de mestres e doutores, autores/escritores, cantores...

Para humilhar alguém basta fazer as intoleráveis perguntas: “Tem mestrado”?, “Fez doutorado”? É o suficiente para demolir as bases de qualquer simples mortal que dispõe apenas da graduação. O mesmo é válido para: “Já publicou seu livro”?

Em se tratando de discriminação, ouvir tais perguntas promove um efeito devastador.

Um tema puxa outro. Neste caso, os temas da democratização e da qualidade do ensino. Democratização e qualidade devem casar-se. Pode ser difícil, não impossível. Entretanto, um casamento problemático é aquele movido por interesses, dotes. Sendo a noiva a Madame Educação e o noivo, o jovem economista, Senhor Interesses Financeiros, a convivência pode não ser das melhores tendo em vista o passado da noiva e, – considerando seus filhos do primeiro matrimônio com o falecido Senhor Sacerdócio.

O segundo consórcio de Madame Educação tem seus defensores, interessados na solidez econômica, lançadora de raios brilhantes sobre filhotes do capitalismo.

Voltando à democratização e à qualidade do ensino, convém lembrar e até comparar o quanto era difícil, em décadas anteriores, um jovem ingressar em universidade. Hoje as chances aumentaram, afora possibilidades outras oferecidas pelos modernos cursos de curta duração. Então, de repente, não mais que de repente, um professor universitário graduado na década de 70 estará “abaixo” do seu ex-aluno, agora pós-graduado.Paciência.

Cumpre lembrar, porém, que o saber independe de certificados. Vem mesmo do exercício, da prática, da pesquisa,da leitura incansável e prazerosa. Não brota de uma pilha de livros lidos por imposição.

Publicar um livro ou gravar um LP-Vinil já foi algo bastante difícil. O tempora! O mores! Neste início de século XXI grava-se um lixo e não se grava um clássico; publica-se um nonsense e perde-se uma boa obra literária. O importante é a comercialização. Para publicar livros, algum dinheiro poupado e um abençoado patrocínio realizam o sonho mesmo que, depois, esse sonho seja negociado à bagatela de três por um real.

Intriga essa coisa da aceitabilidade de um autor/escritor, a sua miraculosa transformação pelo marketing em um best-seller. Principalmente quando se trata de invenções de mundos surrealistas, num teatrinho cujos atores trocam de papel e se mantêm sempre em cena.

Ser Mestre, Doutor, escritor, cantor _ eis a questão.

2004