O Belo sob o olhar de uma criança e nossa guerra cultural
As discussões sobre arte galgam os holofotes dos mais variados espaços sociais. As ideias subjetivas e abstratas de que arte é o que o artista quer expressar, ou de que a beleza está nos olhos de quem vê, tem alçado muitos discursos dos ditos especialistas e ganham facilmente a aceitação dos mais leigos através da grande mídia.
A discussão é perene: o que é arte? O que é beleza? O que é o gosto? Esse assunto retornou às minhas análises, depois de ser cerceada por um momento pandêmico cercado pelos inúmeros afazeres domésticos quando minha filha de seis anos analisou um panfleto em nossa casa, o qual contém um resumo da historiografia literária.
Ao observar a obra “Andarilho sobre mar de névoa”, de Caspar David Friedrich, datada de 1817, ela comparou-a a um rabisco do nomeado ícone do neo-expressionismo americano Jean-Michel Basquiat, a obra não é nomeada, mas data de 1981, tem um carro amarelo em destaque.
A indagação digna de uma criança, primeiro a respeito da obra de Friedrich: mãe, isso ocorreu de verdade? A precisão dos traços da obra tornam-na muito próxima à realidade, o chamado à contemplação tão presente em muitas das obras do pintor romântico é convidativa.
Nessa obra, evoca-se uma reflexão sobre a natureza, assim como em diversas obras de Caspar, é como poetizar de forma pictórica a composição divina; e por falar em religião, sua formação luterana é marcante em sua obra, a exemplo de A cruz na Montanha, de 1807. Reunir o sagrado e a arte é uma das características que marcou a composição desse brilhante artista alemão, cuja formação passa pela aclamada Academia de Artes de Kopenhagen.
“Mãe, isso aqui também é arte? Porque para mim isso não é arte não”, expressou a precoce crítica J. Rocha, ao referir-se aos traços de Basquiat. Ainda adolescente, o neo-expressionista fugiu de casa. No transpor dos anos 80, junto a alguns colegas, passou a “lamear” os muros dos prédios próximos aos circuitos artísticos de Nova Iorque, até que fora descoberto pelos críticos atraídos por qualquer bizarrice nova que pudessem proclamar como arte.
Assim, os traços infantis, para fazer uso de eufemismo e evitar expressões como execrável, cativou os galeristas, marchands e colecionadores seduzidos por um estilo artístico que representa uma realidade abruptamente distante das suas. São os intelectuais apaixonados pela pobreza e desgraça social. Dentre suas produções mais conhecidas está Two Dogs, de 1984, que expressa literalmente um cachorro urinando e outro defecando, algo que dista muito do Belo e do Sublime. A vida de Basquiat fora abreviada pela overdose.
Em um comparativo grotesco, os analistas da moda diriam que Friedrich fora ovacionado e Basquiat desprezado por suas origens raciais. O primeiro alemão, o segundo afro-caribenho.
Destaque-se, todavia, que não foi pela origem racial que minha filha elegeu uma obra superior a outra, sequer possuía conhecimento sobre quem são os autores de ambas as telas. Ocorrera, unicamente, uma mera análise comparativa. A consequência fora o encontro com o Belo, quiçá o Sublime; isso é objetivo, até mesmo uma criança é capaz de identificar.
As obras de Friedrich são em tudo superior as de Basquiat, a própria comparação já é algo sórdido, a vida e obra de ambos são incomparáveis. Todavia, esse repertório exaustivo é um mero indicativo da insistente tentativa de ideologizar as questões culturais.
De fato, o que marca essa virada da concepção sobre a arte é a constante tentativa de abolir os valores arraigados à cultura judaico-cristã, é a busca por estabelecer novos padrões e conceitos que valorizam o repugnante e o ridículo.
Assim, a cultura do crime, da promiscuidade, da leviandade e da falta de sentido e logicidade passaram a ser sinônimos de intelectualidade, firmaram espaço nas mídias e nas galerias de arte. O uso das artes como mecanismo transformador da sociedade não é novo, o conhecido marxismo cultural já deixou prejuízos quase que irreparáveis, seu fundamento é marcadamente promover o caos e impor uma normalidade que ofende ao Criador.
Chamar Deus de Artista é algo pequeno para sua capacidade criadora, mas uma de nossas poucas palavras capazes de denominar Aquele que produziu a maior de todas as obras literárias (não apenas literária): a Bíblia; pintou a mais bela pintura: toda a natureza; inspirou as mais belas canções, enfim, o Senhor que dotou o homem com a capacidade de transformar e produzir beleza. Aquele que é o próprio Belo, o Sublime.
Resta aos cristãos retomar o protagonismo na produção artística, usá-la como meio de adoração e proclamação do Evangelho; ademais, como instrumento de transformação social, sim, mas visando a aproximação ao Bom, ao Belo, ao Justo e Verdadeiro.
Publicado no site Gospel Prime.