22 DE JUNHO: O MISTERIOSO DESAPARECIMENTO DE UMA ADOLESCENTE

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Exatamente 37 anos atrás, aos 22 de junho de 1983, despareceu uma jovem de 15 anos, Emanuela Orlandi, um nome que, embora não diga nada à grande maioria dos brasileiros, é ainda bastante conhecido pelos italianos e continua polarizando a atenção da mídia.

Emanuela, a penúltima de cinco irmãos, morava em Roma e, mais exatamente, dentro do Vaticano sendo o pai Ercole funcionário público da Santa Sé. Ela frequentava uma escola de música na Praça Sant'Apollinare, não muito distante da sede do Senado da República. No dia do desaparecimento, a moça foi às aulas de música por volta das 16h, para sair às 18h45, dez minutos mais cedo do que o habitual, após ter ligado para sua irmã mais velha Federica de uma cabine telefônica, dizendo que teria demorado porque o ônibus não passava e também porque um homem a havia parado na rua, oferecendo-lhe um trabalho como promotora de produtos cosméticos da Avon: um trabalho de algumas horas durante um desfile de moda no ateliê Sorelle Fontana, a ser executado alguns dias depois. No entanto, sua irmã aconselhou-a a não ouvir tal proposta e sugeriu que ela voltasse para casa o mais rápido possível para conversar com sua mãe sobre isso. Este foi o último contato que Emanuela teve com sua família. Posteriormente, verificou-se que a empresa de cosméticos nada tinha a ver com a oferta de emprego e também parecia que, ao mesmo tempo, outras adolescentes da idade por Emanuela haviam sido atraídas por um homem sob a falsa promessa de anunciar produtos cosméticos em eventos como desfiles de moda.

No dia seguinte, dois policiais que prestavam serviço perto da escola, confirmaram ter visto uma jovem parecida com Emanuela enquanto conversava com um homem de mais ou menos 35-40 anos, proprietário de um carro BMW verde estacionado próximo ao Senado. De qualquer forma, o desaparecimento de Emanuela Orlandi começou a se tornar público em 25 de junho, quando a família revelou o acontecimento a dois cotidianos da capital, entregando aos jornalistas uma foto da moça e o número de telefone de casa para eventuais contatos. Esse último foi um grave erro pois, a partir daquele momento, a família Orlandi começou a receber inúmeras ligações de mitômanos, chacais, malucos e outros personagens obscuros cuja ação resultou num incessante despistamento das investigações. Mas é a partir do dia 03 de julho que o desaparecimento de Emanuela tornou-se uma história de enorme impacto mediático pois, no final do Angelus, em praça São Pedro, o papa João Paulo II falou no caso Orlandi, expressando "viva participação" ao drama da família e confiando "no sentido de humanidade daqueles que têm responsabilidade nesse caso". A saída do Papa surpreendeu a todos, até os próprios familiares de Emanuela. Afinal, por que o Papa deveria ter citado Emanuela durante uma função religiosa em praça São Pedro? O que ele sabia a respeito de um fato que poderia ter sido um sequestro seguido de estupro? Imediatamente o Sisde, o Serviço secreto italiano, começou a se interessar ao acontecimento e o telefone da família Orlandi foi imediatamente grampeado.

Aos 05 de julho, a Sala da Imprensa da Santa Sé recebeu uma estranha ligação. Do outro lado do telefone, um homem, que falava com forte sotaque anglo-saxão (e, portanto, imediatamente nomeado o "Amerikano" pela imprensa), alegou manter Emanuela Orlandi refém, afirmando que muitos outros elementos já haviam sido fornecidos por outros membros de sua organização e solicitou a ativação de uma linha telefônica direta com o Vaticano. O Amerikano mencionou Mehmet Ali Agca, o homem que havia atentado à vida do Papa em Praça de São Pedro alguns anos antes, e que estava preso, pedindo uma intervenção do papa João Paulo II, para que Ali Agca fosse libertado antes do dia 20 de julho. Uma hora depois, o homem chamou a família Orlandi e fez com que os pais da jovem ouvissem uma fita com a voz (talvez a de Emanuela) de uma garota com sotaque de Roma, na qual que ela repetia por seis vezes palavras relativas à escola que frequentava e a detalhes do ano letivo. Apesar dessa gravação, os sequestradores, caso único no mundo, não forneceram a menor prova de ter a refém com eles. Quanto ao atentador, interrogado pelo magistrado, afirmou de não ter nada a ver com esse caso. Em tudo, as ligações do "Amerikano" foram 16, todas de cabines telefônicas. Apesar de vários pedidos e supostas provas, o homem (nunca encontrado) não abriu nenhuma pista real. Nenhuma evidência foi produzida para provar que Emanuela ainda estava viva, e nem que a garota era realmente refém dos Lobos Cinzentos, organização da qual Agca fazia parte.

Uma semana após o primeiro, João Paulo II fez outro apelo para Emanuela, desta vez sublinhando claramente a convicção de que ela havia sido sequestrada; esses apelos, cada vez mais explícitos, foram lançados periodicamente alcançando o total de oito. Ainda mais, o Vaticano anunciou a instituição duma linha telefônica para permitir aos sequestradores contatos diretos com o Secretário de Estado do Vaticano.

Enquanto isso, a pista que levava dentro do Vaticano ficava cada vez mais concreta. Realmente o Sisde informou aos magistrados que era "plausível" que a direção do sequestro se encontrasse na ordem eclesiástica. As rogatória enviadas ao Vaticano pelas Autoridades italianas jamais receberam resposta ou a resposta foi extremamente vaga e superficial. O desaparecimento de Emanuela Orlandi foi também comparado ao da adolescente Mirella Gregori, outra garota que desapareceu no mesmo ano em Roma. Nenhum jornal italiano havia mencionado essa história antes do semanal “Panorama” publicar um relato, aos 29 de julho de 1983, sobre o desaparecimento de quase dois mil menores nos últimos dois anos na Itália. Alguns dias depois, “Il Messaggero” (cotidiano romano) apresentou a hipótese de que Mirella Gregori podia ter sido sequestrada pelo mesmo grupo que mantinha Emanuela como refém. Quase simultaneamente a agência de notícias ANSA divulgou o "Komunicato 1", com o qual a "Frente Turca de Libertação Anti-Cristã da Turquia" ainda pedia uma troca com Agca e informações sobre Mirella Gregori que, a partir daquele momento, sempre será mencionada junto com Emanuela. Destarte, a família Gregori começou a ser envolvida no caso, recebendo cartas e solicitações. O então presidente da República Sandro Pertini, apoiou a hipótese de intrigas internacionais, convidando os sequestradores a "libertar essas meninas".

No decorrer dos anos, com o desenvolvimento das investigações, emergiu uma série impressionante de personagens do mundo político e financeiro abrangendo elementos de alto quilate como monsenhor Paul Marcinkus, arcebispo e presidente do Banco do Vaticano, Enrico de Pedis, líder da “Banda della Magliana”, organização criminosa envolvida com os “Anos de Chumbo” e massacres organizados pela extrema direita, Günter Bohnsack, ex oficial da STASI, a Polícia Política Secreta da Alemanha comunista, Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano, assassinado em Londres, e até Licio Gelli, venerável da influente e secretíssima Loja Maçônica P2.

Infelizmente, o exagerado uso mediático desse caso fez com que a verdade ficasse constantemente sepultada debaixo de um monte inextricável de conjecturas, especulações, interesses pessoais, misturados com e a vontade de ocultar fatos que teriam lançado uma luz sinistra sobre instituições tidas como limpas e honestas.

De acordo com uma recente pista investigativa, Emanuela Orlandi teria sido atraída e morta em uma rodada de festas sexuais na qual estariam envolvidos membros do alto clero, um gendarme do Vaticano e diplomatas de uma embaixada estrangeira junto à Santa Sé. Outras investigações se referem a uma pista que leva a Boston, com o envolvimento de padres pedófilos. Segundo padre Gabriele Amorth (famoso exorcista falecido em 2016), a jovem Emanuela Orlandi foi drogada e depois morta em uma orgia de pedófilos realizada dentro do Vaticano. Esta hipótese foi expressa pelo Padre numa entrevista que apareceu aos 22 de maio de 2012 no prestigioso cotidiano italiano “La Stampa”. Na entrevista, o exorcista falou o seguinte: «Como também declarou o arcebispo Simeone Duca, arquivista do Vaticano, foram organizadas festas nas quais um gendarme da Santa Sé estava envolvido como "recrutador de meninas". Acredito que Emanuela acabou sendo vítima desse sistema. [...] nunca acreditei num cenário internacional, tenho motivos para acreditar que foi um caso de exploração sexual com consequente assassinato logo após o desaparecimento e ocultação do cadáver. O pessoal diplomático de uma embaixada estrangeira na Santa Sé também esteve envolvido na rodada.” A mesma hipótese, com o envolvimento direto de monsenhor Marcinkus, foi feita pelo colaborador da justiça Vincenzo Calcara, ex-afiliado da Cosa Nostra (a máfia siciliana), que relatou num popular programa de TV, em 2014, uma suposta confiança de um chefe da máfia, afirmando que Emanuela morreu durante uma festa de drogas e sexo e está enterrada no Vaticano com outras jovens vítimas. Uma fonte anônima, em 2005, confirmou que Emanuela teria morrido, talvez acidentalmente, após uma "reunião convival" num local próximo ao terminal do ônibus que a garota deveria pegar para voltar para casa, mais exatamente na residência de um alto prelado ou, de alguma forma, de uma pessoa próxima aos ambientes do Vaticano, e que seu cadáver provavelmente estaria escondido nas proximidades.

Hoje, 22 de junho, exatamente 37 anos depois do desaparecimento de Emanuela Orlandi o irmão Pietro dirigiu essas palavras ao papa emérito Bento XVI: “Não estou dirigindo o meu apelo ao papa Francisco, que eu sei estar fechado à história de Emanuela, mas a Ratzinger, que ainda usa o manto branco, ainda é papa Bento e estava muito próximo a João Paulo II: agora, aos 93 anos, ele se aproxima ao Pai, e se ele souber alguma coisa, tenha consciência e diga a verdade, não leve segredos na sepultura como fez Wojtyla [papa João Paulo II]."

Richard Foxe
Enviado por Richard Foxe em 22/06/2020
Reeditado em 15/03/2021
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