Sobre a Verdade
Penso, logo existo. Esta frase de Descartes foi fundamental para a minha formação filosófica, melhor dizendo, para a minha vida. Eu já nasci cética, não foi mérito de ninguém, nem meu.Desde a infância meu ídolo foi São Tomé. Acho que era mais radical do que ele, não acreditava nem vendo. Ilusão de ótica, tudo era ilusão de ótica, eu pensava. E sei lá se ainda não penso. Um pouquinho, mas as vezes dúvido de meus olhos. Descartes também. De tanto duvidar de tudo ele descobriu que pensava. E se pensava e pensando duvidava por certo ele era algo que existia. A partir daí ele também concluiu que a verdade era algo que resistia a dúvida. Ou seja, quando não houver mais dúvidas, eis aí a verdade. Bem, isso não deixa de ser subjetivo, mas é o melhor que ele pôde fazer. Eu até penso que a verdade objetiva existe.Mas que nossa capacitação não consegue atingí-la. É como um diamante multifacetado da qual conseguimos ver uma ou algumas faces. Mas não todas. Mas pelo menos diminuiu a inquietação da minha mente. Esta mente que deve ser como uma "tabula rasa", rejeitando todo conhecimento que não for adquirido por ela mesma, a mente. Fora os preconceitos, fora as crenças, fora a herança do passado!Foi aí que eu me estrepei. Embora eu concorde que só é verdade o que encontro dentro de mim, sem nenhuma dúvida, eu sou professora de História. O passado para mim é fundamental. A herança de nossos antepassados é uma riqueza da qual não posso abrir mão. Trabalho com Cultura e um dos meus empenhos é resgatar a cultura de nossos antepassados. Ir em busca das origens e valorizar os elementos formadores de nosso povo. E é aí que entram as minhas contradições: se ao resgatar essa Cultura eu pudesse apenas colher os elementos históricos e artísticos, reconstruir a estética e tocar a bola pra frente, não haveria problemas. Mas o resgate dessa riqueza cultural me remete a um mundo de crenças medievais que me assustam. Esta semana, por exemplo ,fui assistir a uma "Missa Conga", encerramento de festividades ligadas a Congada e seus ternos: vilão, moçambique e catopé. Uma beleza plástica incrível, uma beleza musical estonteante. O desfile dos ternos, dos reis e das raínhas fizeram meu coração chegar ao delírio. A Missa em si é essencialmente a Missa, como todos conhecemos, pelo menos os católicos e os que já foram católicos um dia. Mas quando o padre abriu a boca para falar, meu coração doeu. Doeu por várias razões, mas duas delas foram fundamentais e até me fizeram sair discretamente da Igreja e ir lá pra fora tomar ar. Primeiro ele disse, irritado com as conversas durante a celebração que nós éramos escravos de Deus.Nós, porque eu também estava lá. E eu não sou escravo de ninguém, nem de Deus. E me senti muito mal vendo aquelas pessoas simples de pensamento sem ter como se defenderem. Depois ainda foi pior: quando ele disse, que nós os negros, temos que nos unir..Bem, como eu não sou negra deduzi que ele estava me excluindo dessa união.Pra mim, gente é gente seja de qual cor for, e quando ele falou isso eu pensei com meus botões: vou lá para fora fingir que eu não ouvi isso. Mas ouvi, passei uns dias pensando nas contradições de minha vida e ainda não consegui chegar a uma conclusão. Estarei eu, que tanto amo as tradições, mas que considero fundamental para uma vida sadia ter uma mente livre, contribuindo para manter a ignorância entre as pessoas? Não é porque sempre acreditaram em determinadas coisas que as pessoas precisam continuar acreditando. Um padre é uma autoridade e o que ele fala tem peso. Mas não é porque ele fala que o fato se torna verdadeiro. Quando ele diz: somos escravos de Deus, que fale por ele, não por mim nem por ninguém. Rejeito esta autoridade irresponsável de alguém que a utilizou apenas porque não conseguiu manter o silêncio durante a Missa. E a autoridade de outros irresponsáveis, como o nosso presidente, que tenta tampar o sol com uma peneira de trançado largo quando afirma que nunca existiu um governo tão ético quanto o dele.
Penso, logo existo. Esta frase de Descartes foi fundamental para a minha formação filosófica, melhor dizendo, para a minha vida. Eu já nasci cética, não foi mérito de ninguém, nem meu.Desde a infância meu ídolo foi São Tomé. Acho que era mais radical do que ele, não acreditava nem vendo. Ilusão de ótica, tudo era ilusão de ótica, eu pensava. E sei lá se ainda não penso. Um pouquinho, mas as vezes dúvido de meus olhos. Descartes também. De tanto duvidar de tudo ele descobriu que pensava. E se pensava e pensando duvidava por certo ele era algo que existia. A partir daí ele também concluiu que a verdade era algo que resistia a dúvida. Ou seja, quando não houver mais dúvidas, eis aí a verdade. Bem, isso não deixa de ser subjetivo, mas é o melhor que ele pôde fazer. Eu até penso que a verdade objetiva existe.Mas que nossa capacitação não consegue atingí-la. É como um diamante multifacetado da qual conseguimos ver uma ou algumas faces. Mas não todas. Mas pelo menos diminuiu a inquietação da minha mente. Esta mente que deve ser como uma "tabula rasa", rejeitando todo conhecimento que não for adquirido por ela mesma, a mente. Fora os preconceitos, fora as crenças, fora a herança do passado!Foi aí que eu me estrepei. Embora eu concorde que só é verdade o que encontro dentro de mim, sem nenhuma dúvida, eu sou professora de História. O passado para mim é fundamental. A herança de nossos antepassados é uma riqueza da qual não posso abrir mão. Trabalho com Cultura e um dos meus empenhos é resgatar a cultura de nossos antepassados. Ir em busca das origens e valorizar os elementos formadores de nosso povo. E é aí que entram as minhas contradições: se ao resgatar essa Cultura eu pudesse apenas colher os elementos históricos e artísticos, reconstruir a estética e tocar a bola pra frente, não haveria problemas. Mas o resgate dessa riqueza cultural me remete a um mundo de crenças medievais que me assustam. Esta semana, por exemplo ,fui assistir a uma "Missa Conga", encerramento de festividades ligadas a Congada e seus ternos: vilão, moçambique e catopé. Uma beleza plástica incrível, uma beleza musical estonteante. O desfile dos ternos, dos reis e das raínhas fizeram meu coração chegar ao delírio. A Missa em si é essencialmente a Missa, como todos conhecemos, pelo menos os católicos e os que já foram católicos um dia. Mas quando o padre abriu a boca para falar, meu coração doeu. Doeu por várias razões, mas duas delas foram fundamentais e até me fizeram sair discretamente da Igreja e ir lá pra fora tomar ar. Primeiro ele disse, irritado com as conversas durante a celebração que nós éramos escravos de Deus.Nós, porque eu também estava lá. E eu não sou escravo de ninguém, nem de Deus. E me senti muito mal vendo aquelas pessoas simples de pensamento sem ter como se defenderem. Depois ainda foi pior: quando ele disse, que nós os negros, temos que nos unir..Bem, como eu não sou negra deduzi que ele estava me excluindo dessa união.Pra mim, gente é gente seja de qual cor for, e quando ele falou isso eu pensei com meus botões: vou lá para fora fingir que eu não ouvi isso. Mas ouvi, passei uns dias pensando nas contradições de minha vida e ainda não consegui chegar a uma conclusão. Estarei eu, que tanto amo as tradições, mas que considero fundamental para uma vida sadia ter uma mente livre, contribuindo para manter a ignorância entre as pessoas? Não é porque sempre acreditaram em determinadas coisas que as pessoas precisam continuar acreditando. Um padre é uma autoridade e o que ele fala tem peso. Mas não é porque ele fala que o fato se torna verdadeiro. Quando ele diz: somos escravos de Deus, que fale por ele, não por mim nem por ninguém. Rejeito esta autoridade irresponsável de alguém que a utilizou apenas porque não conseguiu manter o silêncio durante a Missa. E a autoridade de outros irresponsáveis, como o nosso presidente, que tenta tampar o sol com uma peneira de trançado largo quando afirma que nunca existiu um governo tão ético quanto o dele.