O Cerco da Poesia: sobre artes mendicantes

Ouça antes de ler este artigo alguma música do Milton Nascimento, Beto Guedes, Zé Ramalho, Clara Nunes, entre outros. Depois veja as letras das músicas. Analise com sua alma, deixe os preconceitos de lado. Eu não sou da geração destes músicos, nem tinha nascido quando ficaram conhecidos por sua arte. Conheci através do meu pai.

Se pergunte com sinceridade o que esta acontecendo em relação a cultura de nosso tempo. Muitos já me disseram que cada geração tem seu gosto, mas não vejo nada que tenha durado da década de 90 pra cá. Vejo alguns jovens redescobrindo Caetano Veloso, Djavan e Chico Buarque mas não os vejo redescobrindo outros músicos e artistas da década de 90 pra cá.

Por isto não acho que seja uma questão de geração, fui adolescente no auge do axé e nem por isto.

É bom lembrar que muitos artistas do passado como Machado de Assis escreviam para grandes públicos, leitores de jornais, não era algo restrito a círculos de intelectuais. O mesmo pode ser falado de Shakespeare e Mozart, não eram artistas limitados a um círculo de iniciados ou de intelectuais.

A questão pra explicar de forma muito simples isto tudo, que não se limita ao Brasil, já aviso para os que cultivam o nacional viralatismo, é que a indústria cultural percebeu o seguinte: as pessoas estão mais dispostas a consumir qualquer produto contanto que haja sobre o mesmo um grande marketing.

Sacaram que se investissem em bom marketing, o que inclui pesquisa de mercado e satisfação prévia do consumidor, teriam mais retorno do que se investissem em músicos com estilo próprio e originais ( mas que não agradavam de imediato um amplo público).

Havia uma época em que se aprendia a ouvir música, a ler poesias e a discutir ideias filosóficas e estéticas dos livros. Era uma questão de necessidade, pois a imprensa e reprodução industrial não tinha interesse em arte mais restrita a grupos de baixo poder de consumo. O que mudou é claro.

Qual o lugar então em um cenário de consumo tão fragmentado. Isto é consumo descartável, não é preciso durar mais que 1 ano, precisa alcançar um público sem exigir do mesmo alguma formação ou educação, se faz arte conforme o gosto de cliente ( mercadoria).

A mensagem ou ideologia do artista fica em segundo plano, agora ele se torna um fornecedor de mercadorias artísticas, ele não é mais artista e nem artesão, ele é um operário qualificado na linha de produção.

O poeta ou escritor precisa oferecer um produto rentável ou não terá espaço para divulgação. Para o vendedor de cultura, é prejuízo investir em marketing em um produto que tem pouca demanda, quando ele tem em mãos um produto mais adequado aos gostos e exigências do mercado.

Aqueles que pretendem fazer algo mais genuíno e de valor estético dependem de mecenas, ajuda de governo, algo quase como uma mendicância artística, enquanto os seus colegas industrializados se tornam milionários, famosos e reconhecidos.

Gosto muito do Milton Nascimento e do Clube da Esquina, pois acredito que tenham revelado das coisas de Minas algo tão bonito que encantou quem nem sabe que existe este Estado. Não tivemos outros, nenhum interprete, ninguém alcance os feitos deles e outros artistas mineiros.

Não teremos, pelo motivo simples, não há mais aquele público que buscava algo mais que diversão e sentimentos rasos sobre o amor, a vida e o mundo. Este público não existe mais, ele agora escuta histórias de mulheres traídas que bebem pra esquecer os amantes. De homens que se gabam de beber até cair ou de não levar nenhuma mulher a sério mais.

O público do Clube da Esquina não existe mais. Se há agora artistas que primam pela qualidade, estes só sobrevivem em um quase mecenato, dialogando com grupos restritos de críticos e pessoas com algum gosto mais apurado. No Brasil, dependem também de generosidades do governo, que banca alguma peça, filme e outras produções.

Talvez o caminho da boa arte seja a das ordens religiosas mendicantes, a arte se torna um missão religiosa, um sacerdócio, um compromisso da vida com uma causa maior. O que torna a escolha algo proibitivo para muitas pessoas talentosas.

Então xeque-mate! Vamos assistir Faustão e ouvir o jabá do dia em alguma rádio com propaganda de 10 em 10 minutos? Vamos curtir alguma página do facebook que de hora em hora nos apresenta o novo hit que já está estourando nos Estados Unidos?

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 20/07/2017
Reeditado em 20/07/2017
Código do texto: T6059954
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