UMA TRAGÉDIA GAÚCHA - Luiz Pilla Vares

Conheço Adroaldo Bauer Corrêa há mais de 20 anos, quase 30. Nosso encontro primeiro foi na redação do jornal onde ambos trabalhávamos. Ele era um redator competente, mas o que primeiro nos aproximou foram as lutas sindicais, num momento único de nosso sindicato, quando, creio que pela primeira vez, tivemos efetivamente um movimento de massas na luta pelos direitos profissionais. Depois, surgiu a identificação política nas idéias da esquerda socialista...

Mas eis que surge o Adroaldo Bauer escritor. Como jornalista, ele já tinha dado passos nesse sentido. Sabia manejar com diligência a matéria-prima de seu ofício que são as palavras e as frases. Não sei se por nosso longo relacionamento, em que partilhamos solidários vitórias e derrotas, Adroaldo Bauer me distinguiu para ser o apresentador de sua novela que agora chega aos leitores brasileiros, O Dia do Descanso de Deus. E, nesses assuntos, sou muito exigente. Disse-lhe claramente que, apesar de nossa amizade longa e, felizmente, duradoura, eu iria primeiro, sem nada lhe prometer, ler o texto. Se gostasse, escreveria. Se não, eu, com toda a franqueza, recusaria a honraria. Mas aí está O Dia do Descanso de Deus, que li com prazer como deve ser a verdadeira relação de um leitor com a obra que tem em sua frente.

Pois a novela que agora se edita tem todos os ingredientes capazes de tornar a leitura agradável e prender o leitor até o fim. O cenário é o Rio Grande do Sul, num vai e vem entre o interior do Estado e Porto Alegre. O tempo, de certa forma indefinido, são os anos de chumbo, que nunca são referidos diretamente, mas que pairam como nuvens cinzentas sobre todo o transcorrer da novela. As personagens são familiares para quem vive no Rio Grande do Sul, mas que nunca caem na caricatura meramente regional. Todas são problemáticas e universais, desde Romão, a principal, que passa grande parte da obra como uma sombra a decidir o destino dos demais participantes, até Domício, o filho enlouquecido do latifundiário, a quem cabe ser o detonador do conteúdo trágico desta novela.

O mais encantador, porém, no enxuto texto de Adroaldo Bauer, é que não se trata de uma novela linear, com uma temporalidade exata. A história tem idas e vindas, sem que se transforme em um quebra-cabeças que muitas vezes se torna, na literatura moderna, uma chatice. Nada disso. A ausência de temporalidade linear contribui para o leitor se apoderar da personalidade e dos dramas de cada uma das personagens e chegar progressivamente ao caminho que conduzirá a um desfecho ao mesmo tempo trágico e reconciliador entre o pai Romão e a filha Laurita. E nessas idas e vindas da temporalidade, a memória não está em segundo plano. Ao contrário, ela é fundamental para a construção das personagens neste contexto fluído em que se constrói a bem elaborada estrutura de O Dia do Descanso de Deus.

Enfim, é uma pena que Adroaldo Bauer tenha se decidido tardiamente pela ficção de fôlego. Mas, por outro lado, valeu a espera. Temos agora, diante de nós, uma magnífica tragédia que vai enriquecer a nossa literatura. Desde já estou ansioso para ver nas livrarias e, como pretende o autor, nas bancas de jornais e revistas, O Dia do Descanso de Deus.

Aliás, um longo dia, que dura todo o tempo da novela. Valeu a espera por Adroaldo Bauer escritor.