RUBEM CIONE : O MESTRE
“Não podemos escolher como vamos morrer.
Ou quando.
Podemos somente decidir como vamos viver”.
Joan Baez
Sou professor e, se um dia merecer ser lembrado após minha morte, que o seja como educador.
Por isso, penso que a melhor homenagem que poderíamos prestar ao Dr Rubem Cione seria a de relembrar os momentos, quase todos eles, em que se portou como verdadeiro Mestre.
Com palavras, atitudes ou gestos, ele sempre lembrava o professor, aquele Mestre antigo que era compreendido e a quem se obedecia com um simples, mas significativo olhar.
Conheci o Dr. Rubem Cione, um homem alto , esguio, vestido impecavelmente com terno e gravata, quando, aos 12 anos, ao caminhar pela Florência de Abreu, rumo ao Otoniel Mota, o Estadão, eu assoviava o Hino Nacional. Com sua figura que sempre me lembrou Dom Quixote, aproximou-se educadamente de mim e disse-me que eu não deveria assoviar o Hino pátrio: não era correto. Terminei o percurso em silêncio, pensando em quem seria aquele homem que tão gentilmente havia me advertido em plena rua.
Quando fui aceito como acadêmico da ARL- Academia Ribeirãopretana de Letras, mantive os primeiros contatos com aquele respeitável ex-presidente e fundador, uma figura sempre amável, serena, sorridente , mas sempre firme em suas posições e manifestações, ouvido por todos com muito respeito e admiração.
Sempre apreciei os discursos do Dr Rubem, nas reuniões festivas da Ordem dos Velhos Jornalistas, com muita atenção e carinho: era um Mestre da oratória. Seus discursos eram precedidos pela menção de cada um dos presentes, e ele sempre procurava destacar o que de melhor poderia dizer sobre seus ouvintes. Depois, sempre contava um fato , uma história, um ocorrido, levando seus ouvintes ao passado, a fatos que marcaram a história de nossa cidade, que ele conhecia como ninguém: conviveu com nomes importantes e inesquecíveis que fizeram a história ribeirãopretana e nacional: ouvir Rubem Cione era ouvir uma testemunha viva.
O Mestre também sempre se manifestava nos nossos contatos telefônicos, infelizmente não muito freqüentes.
A cada pergunta correspondia sempre uma explanação didática, concisa, firme, sobre o assunto ventilado. Eram precisas e objetivas as suas orientações sobre Direito, suas manifestações sobre a Política ou sobre assuntos que envolvessem a cultura ribeirãopretana.
Por duas ou três vezes, tive a oportunidade de ser seu motorista, levando ou trazendo o ilustre passageiro para algum encontro ou solenidade. Esses momentos, sempre raros e curtos, eram momentos de aprendizagem sobre a vida, as relações e fraquezas humanas, o papel dos líderes, as ocorrências que marcaram sua rica e profícua existência, e que ele mencionava como exemplos de vivência a serem ou não aproveitados.
Estive com ele na inauguração de seu busto, na praça XV de Novembro: sempre foi um homem que nunca se sentiu merecedor das homenagens a ele prestadas. Quando dedicamos a ele um troféu da ARE- Academia Ribeirãopretana de Educação, Meu Mestre Inesquecível, ele, impossibilitado de ir à cerimônia, por motivo de saúde, enviou-me um bilhete manuscrito: “Meu caro Tórtoro, estou, por esta, autorizando o Sr. Ângelo , a buscar a minha respeitável láurea que, graças à sua lembrança, venho recebê-la, sem méritos para tanta honraria. Afetuosamente, seu amigo e admirador, confrade e colega”.
Era o Mestre Educador ensinando a modéstia.
Quando publicou o V volume de sua História de Ribeirão Preto, falei com ele sobre a possibilidade de promovermos a venda dos livros com um porcentual revertido para uma instituição de caridade de Ribeirão Preto: ele atendeu prontamente à minha sugestão e a doação só não ocorreu por falta de interesse da instituição em questão.
Rubem Cione ensinava com exemplos práticos.
Durante uma gincana cultural do Colégio Anchieta, o Mestre, já com mais de 84 anos, fez questão de estar presente, a fim de falar para centenas de jovens sobre a importância de Ribeirão e de sua história. Aliás, nosso último contato foi quando pedi a ele 4 exemplares da História de Ribeirão Preto, para serem colocados em locais estratégicos e históricos de nossa cidade, a fim de serem encontrados por alunos participantes da gincana: os livros foram doados aos alunos com a dedicatória especial do autor.
A voz do Dr Rubem , ao telefone, é , para mim, inesquecível. Falei com ele, pela última vez, há mais de um ano, mas jamais me esquecerei da voz rouca, pausada, demonstrando imenso cansaço, mas também enorme carinho e respeito por mim: foi com voz firme e decidida, apesar do processo de perda de saúde, já em andamento, que recebi dele força, produzida por sábias e fundamentais palavras de apoio incondicional, que me permitiram resistir ao golpe que sofri da parte de alguns acadêmicos, no início de 2006.
Eu não fui ver seu cadáver na Câmara Municipal de Ribeirão Preto: preferi guardar as imagens que tenho dele em vida, e buscar, em minhas orações, pedir a Deus que receba a sua alma com o mesmo carinho com que ele recebeu Ribeirão Preto como sua cidade.
De sua vida, de sua biografia, de seus títulos, de seu trabalho, muito se falou na mídia local. Também muitas histórias foram contadas por seus ilustres alunos e companheiros de advocacia.
Eu só posso falar dele como Mestre, professor, não tendo sido, infelizmente, um de seus discípulos nas faculdades em que lecionou: aprendi muito com ele na pouca parcela de sua vida em que convivemos.
Guardo com carinho a sua última dedicatória a mim dirigida em seu livro, datada de 23 de outubro de 1997 : “ Para o meu prezadíssimo presidente e amigo, com o meu aplauso pelo seu trabalho pela cultura local e o renome de nossa academia, juntando o meu abraço cordial e afetuoso”.
A obra histórica do Dr Rubem Cione revela nossa cidade ao Brasil, e é um trabalho que deveria ser conhecido, via Internet, por todos: “uma saga flamejante, invocando, registrando os fatos passados, vaticinando futuros e vivendo o presente. Legado para ser conhecido e respeitado pelas gerações que nos sucederão, porque nós, desta geração, como as que nos antecederam,vamos também passar...”.
Finalmente, guardo comigo a firme convicção de que o mestre Cione recolheu-se feliz porque nada foi em vão nessa sua jornada histórica e pedagógica.
A ele, minhas sinceras homenagens póstumas, tendo a certeza de que lhe prestei todas as que pude, como confrade, discípulo e amigo, ainda em vida.
ANTÔNIO CARLOS TÓRTORO
Publicado na revista Expressão de junho de 2007.