O HOMEM DA PERNA DE PAU

Residindo em uma chácara simples nos arredores da cidade de Mambaí, no Nordeste Goiano, o lavrador Ergino Rodrigues da Silva, 71 anos, é um sertanejo forte, como definiu há um século o jornalista e escritor Euclides da Cunha. A propriedade, de onde retira seu sustento, é o legado material que conseguiu amealhar em décadas de labutas sob o sol.

Em 2000, Ergino amputou quase toda a perna esquerda abaixo do joelho. Apesar da perda, o lavrador comemorou o fato como se fosse um título de seu time. Ele agonizava há 25 anos com a perna após sofrer um acidente com fragmentos de buriti. Lascas da madeira penetraram sua perna. Como não teve acesso a um tratamento adequado, a infecção se tornou crônica. Foi o seu espinho na carne particular.

Sua perna só vivia inchada. Ele suportava as dores à custa de muitos remédios. O veredicto de todos os médicos era um só: amputação. Nenhum deles, no entanto, teve coragem de realizar o procedimento. Ergino, portador da doença de chagas, não poderia ser submetido à anestesia geral. Com anestesia apenas local, nenhum médico se animou a cortar sua perna. Tal dilema se arrastou por mais de duas décadas.

Quando enfim o martírio chegou ao fim, no Hospital de Base, em Brasília (DF), um mundo novo se abriu à frente de Ergino: um mundo em que ele teria que se equilibrar em uma perna só.

Perna amputada. Ergino tinha que se adaptar à nova fase da vida. Teria que se virar para plantar roça e cuidar das lides do campo mesmo faltando um pedaço de seu corpo. Sem recursos para adquirir uma prótese, ele resolveu fabricar a partir de suas habilidades e parcos materiais a própria perna.

Com facão e canivete, Ergino cortou um pedaço de tamburi, árvore comum do cerrado, e fabricou uma prótese, usando mola, pedaço de ferro, couro e borracha. “A primeira que fiz não ficou muito boa. Não era confortável. Fiz outra que ficou melhor”, conta.

Com a perna de pau, feita usando sua própria ciência, Ergino voltou à vida normal: andou a cavalo, plantou e colheu roça e se deslocou para todos os cantos da chácara, onde mora com a família. Todos na cidade o saudavam como um inventor. Um homem que não aceitou a espada do destino e resolveu trilhar seu caminho, mesmo que para isso tivesse que fabricar uma perna a partir de um tronco de árvore.

Superação

“Não tenho estudo, não tenho instrução, mas aprendi a me virar. Desde criança sei trabalhar e não tenho medo de enfrentar as dificuldades da vida”, disse, com sua fala mansa. Não sabe empunhar uma caneta, mas é mestre no manejo de foice, enxada, machado, facão. “Não pude ser professor de ninguém, por me faltar o estudo, mas ensinei muita gente a amansar boi bravo. Fui professor de montaria”, gaba-se.

Durante um ano o sertanejo se virou como pôde com a perna de pau. Pôs o pão de cada dia na mesa se valendo de sua mambembe invenção. Mas graças à “caridade” de um político local, ele teve acesso a uma prótese oficial, dentro dos padrões da medicina. Permutou a perna no voto de sua família. É a perna direita que usa desde então.

Trajetória

A história de Ergino é a história de um homem comum do sertão. Não foi à escola, mas aprendeu a assinar o nome. Nascido em Correntina (BA), começou a trabalhar aos 5 anos. Com 12 anos, perdeu o pai e teve que assumir o papel de homem da casa e cuidar da mãe e dos quatro irmãos.

Uma feliz coincidência do amor marca a sua vida: é casado há 53 anos com Ergina. Casal unido até no nome. Pai de doze filhos, sendo apenas cinco vivos. “Apenas cinco ‘vingaram’”, conta. Repassou aos filhos o que aprendeu do pai: a dignidade de encarar o trabalho e comer graças ao suor do rosto.

A perna de madeira que construiu já não mais existe. “Caruncho a comeu”, declara. O que existe no homem magro e de traços indígenas é a capacidade de superar as adversidades que a vida cria. “Tive uma vida muito sofrida, mas nunca tive medo de enfrentar meu destino. Nunca estive em uma delegacia. Isso é um orgulho. Vim para cá, em 1943, antes de Mambaí ser um município. E se depender de mim viverei até os 100 anos”, finaliza, com um sorriso a lhe iluminar o rosto.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 07/02/2015
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