Demonizações Eleitorais
Além de fazerem avaliações e terem comportamentos totalmente passionais, assim como as torcidas organizadas de times de futebol, muitas pessoas usaram as eleições presidenciais deste ano para exercitar a demonização de candidatos. Leia-se aí a capacidade de escolher um lado como sinônimo do bem, colocando o adversário automaticamente como o seu oposto. No facebook, uma das redes sociais da internet mais usadas pelos candidatos e seus partidários, foi possível ver, de forma explícita, pessoas colocando Aécio e Dilma como encarnações do bem e do mal, com a mesma convicção ou com o mesmo ódio.
Muitos defendem a relatividade dos conceitos explícitos e implícitos nas palavras “bem” e “mal”. Por esta ótica temos que aceitar que o bem em determinadas épocas e culturas pode perfeitamente ser encarado como o mal em outras diferentes, e vice-versa. Não por acaso vemos algumas nações árabes e muçulmanas chamarem os Estados Unidos e a Inglaterra – países majoritariamente cristãos protestantes – de “eixo do mal”; ou, ao contrário, nações ocidentais pensarem o mesmo das muçulmanas.
Em Salvador, no Dique do Tororó (um dos cartões postais da cidade), existem grandes esculturas representando os orixás – divindades nascidas em religiões africanas e que encontraram na Bahia um considerável número de adeptos. Assim que foram instaladas ali na segunda metade dos anos 80, num projeto do Governo do Estado a partir do trabalho de um reconhecido artista plástico, as esculturas foram alvos de insistentes protestos por parte de algumas religiões evangélicas. Seus seguidores diziam que os orixás nada mais são do que obras do demônio e representações do mal.
Esse exemplo mostra claramente que bem e mal são apenas pontos de vista. Os que cultuam os orixás, assim como as divindades indígenas, os veem como representantes do bem. Tanto é que eles têm correspondentes nos santos católicos, mesmo sem o reconhecimento oficial do Vaticano. Quem está com a verdade? Nenhum dos lados, já que cada um deles apresenta inúmeros argumentos convincentes para defender suas respectivas crenças. O que fica evidente aí é a intolerância religiosa.
Nas guerras e em muitas ideologias políticas e ou religiosas os aliados são sempre o bem e os adversários e inimigos, o mal. No mínimo, isto é suspeito e está muito longe de trazer à tona o que poderia ser chamado de essência destas duas formas de opções/ações morais e espirituais.
Ainda que nesse tipo de debate não haja vencedores e vencidos, é bastante forte a tese de que exista, de fato, o bem e o mal. A opção por um ou por outro tem a ver com os rumos que cada indivíduo dá para a sua própria vida. Alguém que leva às últimas consequências a satisfação dos próprios interesses – a ponto de matar, roubar ou passar por cima do outro, faz uma nítida escolha pelo mal (pelo menos, o mal coletivo). Afinal, não dá para classificar de bem aquele que alguém faz a si próprio às custas da ruína de terceiros.
Reconheço que essa é uma explicação um tanto simplória, mas realmente é muito fácil visualizar a bondade e a maldade no comportamento das pessoas. O que não é simples é separar realidade e visão ideológica nesta equação. Por exemplo, um homem-bomba que aceita matar inúmeros inocentes em nome de Deus e de uma causa qualquer, pode ser encarado como um agente do bem? Mesmo para um ateu, que não pauta a sua vida em valores religiosos, seria difícil encontrar qualquer traço de bondade em alguém assim.
Dentro da imperfeição humana, que já traz as falhas embutidas em sua própria constituição, é totalmente possível escolher um dos dois caminhos. O que é difícil aceitar é que um seja tomado e apresentado como se fosse o outro ou que numa eleição se use a demonização de candidatos para denegri-los e para se obterem votos.