O HOMEM QUE DECIDIU ENFRENTAR A VIDA FORA DO ARMÁRIO

“Falar de mim é fácil, difícil é ser eu”. A frase bem que poderia ilustrar a trajetória de Sérgio Marçal, goianesiense de 49 anos. Vividos de forma intensa. Ele é o que se pode chamar de sobrevivente. “Quase todos os meus amigos estão mortos hoje”, afirma. “Quem não morreu está imerso no vício das drogas”.

Mas Serginho, como é conhecido na cidade, não é um pessimista. Pelo contrário: é um sujeito divertido e bom de prosa. “Não uso e nunca gostei de drogas. Não é a minha praia”, garante.

Sempre pagou um alto preço por viver às claras. Nunca se escondeu no armário e desde criança mostrou ao mundo o que era e como gostaria de ser visto por todos, gostassem ou não. “Não teve um momento que me assumi como gay. Sempre fui gay. Claro que sofri muito, especialmente na escola, com brincadeiras de mau gosto, agressões e ofensas morais. Se o preconceito é grande hoje, imagine naquela época”, conta.

“Mas hoje não me considero gay. O que sou é mulher no corpo de um homem”, assim, Serginho se vê e desta forma distribui a sua imagem. “Quando saio para a balada, para me divertir, sou outro completamente. Uso salto alto, faço depilação com cera, coloco peruca e maquiagem e me divirto, sem medo de ser feliz”, revela.

Atualmente Serginho trabalha como assessor do Departamento de Habitação da Prefeitura. Cabeleleiro profissional desde os anos 1990, quando viu seu salão fechar as portas. Sem perspectivas, recebeu do atual prefeito Jalles Fontoura uma mão amiga. “Eu já ia me entregar. Jalles me tirou da lama”, confessa. “Hoje eu existo, antes eu era ignorado”.

Vida de desafios

Sérgio Marçal perdeu o pai José Marçal quando tinha 16 anos. Mora com a mãe, a costureira Terezinha, em um barraco. “Minha mãe é minha grande companheira. Sempre esteve ao meu lado”, diz.

Na adolescência, em Arcos (MG), entrou para um seminário católico, após ter se envolvido em uma constrangedora brincadeira sexual na escola que estudava no povoado de Ilha. No seminário, Sérgio conta que foi abusado sexualmente pelo Monsenhor Eustáquio. “Por quase um ano ele me obrigava a fazer sexo oral nele”, recorda, com mágoa. Saiu do local e seguiu a vida.

Já morou pequenos períodos em Goiânia, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa se sente mais respeitado e mais digno. “Gosto muito de estar no Rio. Até minha saúde fica melhor lá”, diz.

“Mas meu lugar é em Goianésia. É a cidade que nasci e que construí minha vida”, interrompe. Sérgio chorou e sorriu, mas certamente viveu intensas emoções na Princesinha do Vale. Viveu o tempo das vacas gordas com sua carreira de cabeleleiro. Viveu o tempo das vacas magras, com depressão e dificuldades. Mas sacudiu a poeira e deu a volta por cima.

“Hoje, não sou mais ingênuo e aprendi a viver melhor”, fala. “Vivi de tudo na vida. Quando era adolescente e estudava no Colégio Jales Machado, pintava os cabelos iguais aos da Xuxa e me vestia de modo descolado. Atraía a ira dos valentões da escola, mas eu nunca fui de abaixar a cabeça. Sempre vivi do meu trabalho e tive minha dignidade”, narra, “naquela época era mais difícil porque as pessoas pressionavam. Você tinha que ‘virar homem’ ou assumir. Decidi colocar hormônios e incorporar um visual mais feminino. Virei até travesti, mas hoje estou mais tranqüilo”, relata.

Sonhos e paixões

Em agosto, Sérgio iniciará, na Unopar, pelo sistema EAD (Ensino à Distância), a faculdade de Sociologia. “É um sonho importante que pretendo realizar ao ter um curso superior”, disse.

Desde 2012 desenvolve um trabalho que une cultura e social, com oficinas e batalhas de hip hop nos bairros de Goianésia. O projeto atualmente é motivo de tristeza de Sérgio. “A secretaria de Cultura não quer permitir que usemos o espaço do Centro Cultural para os ensaios e não apóia de modo algum apenas por não gostarem de mim”, critica. As danças estão no momento interrompidas. “Mas tenho certeza que é um sonho que não será destruído”, acredita.

Polêmico em suas postagens no grupo “Goianésia Consciente”, no Facebook, Sérgio Marçal, vê o espaço como uma terapia. “Ali posso falar o que penso, o que sinto e o que vejo. É como um divã”, finaliza.

Fã de ópera, admira a soprano Jessye Norman e seu vozeirão. “Mas gosto mesmo é de música brasileira”, revela. Elza Soares, Maria Bethânia, Chico Buarque, Martinália, Maria Gadu e Céu estão entre seus ídolos.

Sérgio não levanta bandeira. “Há muito oportunismo. Não existe gay, existe pessoa com espírito feminino em corpo masculino”, palpita. “Só tenho amigo hétero. Os gays não gostam de mim”. Um sonho? “Encontrar um homem e viver com ele um grande amor, talvez fazer uma cirurgia de mudança de sexo e casar com ele. Ser a esposa de um homem e amá-lo para sempre”, finaliza.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 10/08/2014
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