50 ANOS DO DIA QUE EMPURROU O BRASIL PARA AS TREVAS

Poucas datas no cânone historiográfico nacional motivam tantas interpretações como o 31 de março de 1964, há exatos 50 anos. Neste obscuro dia o presidente João Goulart foi apeado do poder pelas Forças Armadas. Os 21 anos que sucederam o golpe foram de intensas trevas para a democracia brasileira. Cinco generais se sucederam no cargo de mandatário da nação, cometendo sérias violações aos direitos humanos e às garantias de liberdade. Centenas de opositores do regime foram assassinados. Milhares foram vítimas de tortura nos porões dos quartéis.

Jango, como era conhecido, herdou o mandato três anos antes com a renúncia do folclórico Jânio Quadros. A birra dos militares com ele era antiga. Para os homens de farda – e para parte considerável da classe média, da imprensa e das organizações civis e religiosas - o gaúcho de São Borja era a encarnação do comunismo, que transformaria o Brasil em uma imensa Cuba, com as bençãos da União Soviética.

Em 1961, quando Jânio Quadros jogou a toalha, Jango estava em viagem à China. As Forças Armadas articularam para que ele não assumisse o Planalto. Foi preciso uma grande força-tarefa, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul (e cunhado de Jango) Leonel Brizola, para que João Goulart (eleito vice-presidente) sentasse na cadeira de presidente. Só foi possível a posse sob a condição de implantação de um sistema parlamentarista. Jango foi um presidente sem amplos poderes. Um plebiscito em janeiro de 1963 garantiu a volta do presidencialismo.

Contexto político

Vale lembrar que o mundo vivia o auge da Guerra Fria, de radical polarização. De um lado, os Estados Unidos e os grandes países capitalistas, o chamado mundo “livre, ocidental e cristão”. De outro, a União Soviética, Estados e partidos socialistas e comunistas, os movimentos de libertação nacional na Ásia e na África, que reivindicavam igualdade e justiças sociais. Demonizavam-se mutuamente. Para muitos, Jango era o mal. A intervenção militar seria a cura, o bem.

Ditadura militar não estava nos planos dos líderes civis do golpe, como Carlos Lacerda (governador da Guanabara) e Magalhães Pinto (governador de Minas Gerais). Os dois, ao lado do senador por Goiás, Juscelino Kubitschek, seriam os principais candidatos a presidente na eleição de 1965. Os planos, inclusive dos militares, eram depor João Goulart e fazer uma “limpeza”, retirando do cenário político os comunistas, os trabalhistas e os sindicalistas identificados com ele.

É ingênua a ideia de que os militares sozinhos deram um golpe. Eles tiveram amplo apoio e respaldo de setores importantes da sociedade brasileira. Jango, que não gozava de parceria com o Congresso Nacional, se aproximou da esquerda e dos sindicatos.

Muita gente achava que Jango tinha o objetivo de dar um golpe, fechar o Congresso, convocar uma Constituinte e continuar no poder, aliado aos sindicatos e amparado pelos comandantes militares leais a ele. Mesmo o presidente não dando nenhum passo decisivo em relação a isso, sua aliança com a esquerda contribuiu para unir os vários grupos que conspiravam contra seu governo: imprensa, igreja, empresários, partidos políticos de direita e, claro, com apoio dos Estados Unidos.

Acontecimentos

Três eventos foram emblemáticos para o desfecho de 31 de março: 1) O comício de 13 de março na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, organizado por João Goulart em defesa das Reformas de Base, que reuniu quase 200 mil pessoas. Durante o evento, o presidente assinou decretos facilitadores da reforma agrária e de encampação das refinarias particulares de petróleo. 2) A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 19 de março na cidade de São Paulo, que levou às ruas 200 mil paulistas, sobretudo setores católicos da classe média urbana e movimentos femininos conservadores, contra a política “populista” e o comunismo. 3) A participação do presidente como convidado de honra da festa promovida pela Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar na sede do Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, em 30 de março. A presença de Jango reiterou a opção pela luta política no espaço público e foi um acinte pelas três Armas.

Pós-golpe

Temendo mergulhar o País em uma guerra civil, João Goulart não lutou por seu mandato. Saiu de cena, simplesmente. Se exilou no Uruguai. Com João Goulart ainda em território nacional e em pleno exercício de seus poderes constitucionais, , o presidente do Senado, Moura Andrade, considerou o cargo vago e declarou como presidente da República o então presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli.

O novo chefe de Estado ficou no cargo por menos de duas semanas. Em 11 de abril de 1964, o Congresso Nacional, com 361 votos favoráveis e 72 abstenções, elegeu o marechal Castelo Branco presidente da República para completar o mandato que fora de Jânio e Jango. De 1964 a 1985, os militares governaram o País com mãos de ferro, transformando em inimigos mortais quem ousasse discordar da nova ordem vigente. Duas décadas depois, os raios de sol venceram a escuridão e ressuscitaram a manhã, louca para iluminar os céus do Brasil.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 25/03/2014
Reeditado em 25/03/2014
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