APÓS O NATAL
APÓS O NATAL
Rangel Alves da Costa*
Como sempre acontece na vida que vive de vésperas, o dia 25 nem parecia ser mais o de natal. Quase tudo foi comemorado no dia 24 e o dia seguinte se transformou apenas num feriado, num descanso das comilanças e bebedeiras da noite anterior. E o verdadeiro dia de natal acaba sendo somente o dia anterior.
Até mesmo a igreja católica está antecipando as festividades natalinas. Com exceção do Vaticano, a Missa do Galo não é mais celebrada a partir da meia-noite, mas ainda na noite da véspera. E é também nesse dia anterior que tudo ocorre em nome do natal. Paradoxalmente, esvazia-se completamente o grande dia da natividade católica.
Mas talvez seja melhor assim. A memória do nascimento do menino Jesus é silenciosa e distante do barulho das ruas ainda infestadas de consumidores, das algazarras das confraternizações, do som dos champanhes sendo abertas e dos falsos cumprimentos de feliz natal. E quantos abraços frios e palavras fingidas são espalhados nos quatro cantos, até mesmo entre familiares.
Noite de invejosos presentes, de fofocas sobre vestimentas e comportamentos, de exasperação no álcool para ter coragem de dizer verdades que permaneciam escondidas, de desrespeitar toda regra e todo regime. E, ao receber uma lembrança que só tem de qualidade o embrulho enfeitado, aquela pronúncia automática de que não precisava se preocupar com isso não. E após aberto, a outra pronúncia íntima: mas que porcaria!
E assim é a noite de natal, eminentemente profana para a maioria da população. Em meio aos festins e comilanças, troca de presentes e exageros, dificilmente alguém comenta sobre o nascimento do menino ou qualquer outra coisa de cunho religioso. Todas as palavras e cochichos se voltam apenas para as realizações pessoais e as esperanças para o ano novo. Ninguém fala da queda ou do tropeço, do que fez mal feito ou do que não deveria ter feito.
Despedem-se já no dia 25, já perto da madrugada, procuram a todo custo sentir se ainda resta qualquer espaço no estômago para mais comida, e depois vão repousar da correria do dia e da festança da noite. Quase ninguém se lembra da missa das sete; são poucos o que relembram a data no calendário; dificilmente alguém se situa para saber que aquele é o verdadeiro dia de natal. Ainda que se lembre nenhum efeito surtirá, pois o natal foi na véspera.
E hoje, dia 26, apenas um dia após o natal, e a data da comemoração natalícia já parece tão distante. Os tempos já são outros, de preparação para as comemorações vindouras, as novas festanças de despedida do ano e recebimento do ano novo. E não tenho dúvidas que se pudessem encontrar uma brecha, certamente antecipariam os festejos de passagem de ano para o dia 30 de dezembro. O dia seguinte seria apenas para tomar e comer o restante da mesa farta da noite anterior.
Assim, a maioria se despede do natal como de uma festa qualquer. Contudo, muitas pessoas continuam com o véu tristonho e melancólico desse período pairando sobre suas cabeças. E estas certamente não sentiram nenhum prazer nas comemorações. Ainda que tenham participado de um ou outro evento, a presença foi mais exterior, na aparência e fisicamente, do que desejou o seu íntimo, a sua feição espiritual.
Eis que muitas pessoas amargam e continuam sentindo a tristeza e a solidão desse período de final de ano. Como uma melancólica estação espiritual ou um outono que invariavelmente chega ao final do ano, não há festa que os faça alegres e risonhos, não há presente que mude sua consternação interior. E mesmo que não se atenham tanto ao dia específico de natal, ainda assim são aqueles que sentem os seus reflexos por muito mais tempo, pois sempre hibernam nos seus aflitivos íntimos a cada final de ano.
Enquanto os outros já pensam e fazem planos para as festas da passagem do ano, estes esperam somente que essa tempestade vá logo se dissipando nos seus horizontes. E esperam que o novo ano abra suas asas para, enfim, alçar o voo ao encontro da felicidade tão merecida.
Poeta e cronista
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