BRINCANDO...
Num domingo, depois da minha sauna e dois chopes, por volta do meio-dia, eu e minha esposa ocupávamos uma mesa no restaurante do bocha, do Clube de Regatas, aguardando pelo momento do almoço, e depois, pela sessão de dança de salão.
Mas, quando abria minha Folha para atualizar-me sobre os últimos lances da novela PT e as CPMIs , notei, sobre a mesa ao lado, uma criança de uns cinco anos brincando com as peças do seu “Brincando de Engenheiro” .
Diante de mim, eu voltava a ver um brinquedo que milhares de pessoas conheceram durante a infância, pequenos blocos de madeira cujas lembranças por eles produzidas são capazes de atravessar gerações.
Como absorvido pela sucção de um túnel do tempo, voltei, num átimo de segundo, cinqüenta anos, pelo menos , no tempo e no espaço, e fui, ansiosamente, ao encontro daqueles pequenos pedaços de madeira, ilustrados com janelas , portas e túneis imitando pontes.
Tomei uma das peças em minhas mãos. Mais de cinqüenta anos depois elas pareciam menores, formas geométricas espaciais, diminuídas pela ausência do encanto que lhes faltava agora, encanto e magia que, anteriormente, eu projetava mentalmente sobre elas, fruto dos sonhos e ilusões que recriavam o mundo mágico onde eu me refugiava dos adultos.
Lembrei-me da minha coleção de discos de plástico colorido, setenta e oito rotações, com histórias narradas por locutores de rádio ( não havia televisão) , lembrei-me do ursinho que batia tambor ao ser levado pelo cordão de barbante por entre os cômodos da casa de chão de cimento vermelho e telhado à vista ( não havia laje de concreto), lembrei-me da primeira caixa de lápis de cor e do cheiro forte das massinhas de modelagem. Renasceu em mim, por instantes, a sensação agradável que sentia quando meu pai chegava de bicicleta, trazendo, num saco de papel, restos de tocos de madeira, com um furo no centro, obtidos em alguma oficina de marcenaria, acompanhados de um pequeno jogo de ferramentas em miniatura ( martelo, serra, alicate) : eles foram, durante muito tempo, meus brinquedos que, sem as facilidades eletrônicas, se transformavam em tratores (toco retângulo de madeira com uma lata de sardinha nele afixada com pregos , sem tampa, usada como lâmina ), em aviões, em carrinhos de mão.
Vivi uma vida naquele momento.
Mas, se não bastasse, como se do nada , surgiu uma banda percorrendo os corredores do clube : a Banda Marcial de Serrana.
Jovens, impecavelmente vestidos em branco e preto, faziam ecoar pelos arvoredos o melhor da música popular brasileira : “Trem das Onze”, do imortal Adoniran, “Só quero um xodó” , do Dominguinhos, “Poeira” de Ivete Sangalo.
E a letra dessa música , mais do que nunca, fez sentido : “A minha sorte grande / foi você cair do céu / Minha paixão verdadeira / Viver a emoção / ganhar teu coração / pra ser feliz / a vida inteira .
Eu me sentia assim, à toa na vida , vendo a banda passar, e tendo a sorte grande de poder ter tido uma infância feliz e com coisas boas para recordar.