DONA LAURA, A BENZEDEIRA DE 70 ANOS DE CARREIRA

Nem mesmo o avanço da ciência nas áreas da medicina e da bioquímica é capaz de colocar ponto final na tradição secular das práticas de curandeirismo e manejo da medicina popular no interior do Brasil. Um dos segmentos mais procurados é o das benzedeiras, que com ramos de plantas, terços ou cordões santos, expulsam doenças, espíritos maus e outras moléstias.

Em Barro Alto todos conhecem Laura Teodora da Silva, 74 anos. Ou simplesmente, Dona Laura, a benzedeira. Viúva há 32 anos, ela mora só em uma chácara simples, distante dois quilômetros da cidade. “Sozinha não”, corrige ela. “Tenho a companhia de Deus e das entidades de luz do espaço”. Ela vive rodeada de dois afáveis cães, da arara-azul Kika e do papagaio fêmea Rosa. As aves passam parte do dia empoleiradas em uma mangueira. “Quando vou ao supermercado fazer compras, peço a Kika para falar onde fui para as visitas”, explica. Boa menina, Kika cumpre à risca a tarefa. “Ela saiu, foi ao mercado”, costuma dizer.

Natural de Coromandel (MG), Dona Laura explica como recebeu a missão. “Eu tinha cinco de idade, quando ouvi uma voz dizer que daquele momento em diante eu iria continuar sua missão”, conta, explicando que a voz era de uma mulher muito velha. “Uma voz fraca”, reforça. De acordo com Dona Laura, a voz se identificou apenas como uma pessoa que viveu no cativeiro, uma escrava. “Ouço essa voz todos os dias. É ela que me guia, me orienta e me ensina qual planta escolher para preparar remédio quando vou à mata”, explica.

Mesmo com o hábito de interagir com um espírito, Dona Laura é católica fervorosa. “Sempre que posso vou à igreja. Nem sempre posso por causa da distância. Mas vejo muita missa pela televisão, especialmente a TV Canção Nova”, relata. Naturalmente, seu dom não é bem recebido pelos padres nem por católicos mais tradicionais. “Sofro muita perseguição. Muita gente me acusa de ser feiticeira, macumbeira, mas não sou nada disso. Sou apenas alguém que recebeu um dom de Deus e que faz o bem às pessoas”, diz. “Mas se até os discípulos de Jesus sofreram perseguição, por que seria diferente comigo?”, argumenta.

Sua casa, simples e de mobília antiga, está sempre cheia. A estradinha que liga a cidade até sua chácara parece uma romaria. “Todos os dias recebo muitas pessoas aqui, gente que vem em busca de ajuda, de cura, de consolo”, conta. “Benzo a todos, não procuro saber a religião nem nada. Minha missão é essa”, frisa.

“Já tive muita vontade de desistir. Isso cansa muito. Tem dia que nem tenho tempo de almoçar ou jantar. Povo me procura até no domingo, que é meu dia de descanso”, confessa. “Mas só vou deixar de cumprir essa corrente quando Deus permitir, ou seja, quando eu morrer”, revela.

Curas

Dona Laura disse ter perdido a conta de quantas pessoas conseguiu curar ao longo da vida. “Milhares e milhares”, palpita. Segundo ela, de doenças simples, como infecções, a moléstias mais graves como câncer e úlcera. “Benzo também muitas pessoas que estão com problemas no casamento, com filhos nas drogas, desempregadas, problemas com alcoolismo”, enumera.

“Atualmente estou tratando de um moço de Rondônia, que está com uma doença típica da floresta, uns cascões nas mãos e nos pés. Ele está sendo curado”, conta Dona Laura.

Ela recebe pessoas de São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Minas Gerais, além de moradores de cidades goianas. “Não sei como descobrem meu endereço, mas recebo a todos com alegria”, garante. “Não peço nenhum centavo em troca. É totalmente de graça. É um dom. Se a pessoa sentir no coração de ajudar com alguma coisa faz por conta própria, mas não peço”, explica.

Para benzer uma pessoa, ela segue um ritual: fecha a porta da sala e, sentada numa cadeira, envolve o pescoço do “paciente” com um cordão branco trançado, que ela chama de Cordão de São Francisco. Acende uma vela e, com um terço na mão, balbucia algumas palavras. Finda essa parte, ela segue para a preparação dos medicamentos. “Tudo coisa natural. Tudo remédio do mato”, diz.

Ela vai ao mato e recolhe cascas e folhas de árvores diversas e prepara garrafadas. Algumas para serem tomadas, outras para lavagem. Ela conta que o conhecimento das plantas é ditado pela misteriosa voz que lhe acompanha há quase 70 anos. “Nunca vou sozinha à mata. A voz vai comigo e me indica o que devo recolher”, garante.

Ela conta ainda que “milhares” de pessoas voltam à sua casa para agradecer a benção alcançada. “Fico muito feliz por isso. É uma satisfação saber que sou útil para curar alguém”, diz.

Trajetória

Dona Laura já morou em muitos estados brasileiros: Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Paraíba, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Foi casada com um ferreiro até a morte dele, em 1980, mesmo ano que ela mudou-se para Barro Alto.

Mãe de seis filhos, enterrou quatro deles. “Dois ainda bebês e dois já pais de família, é uma dor muito grande”, revela. “Jesus me deixou com dois”. Um, praticamente cego, ganha a vida como palhaço e cantor, ao lado da filha. A outra filha faz pós-graduação, para orgulho de Dona Laura, que vive com uma aposentadoria de um salário mínimo. “Na verdade, meio salário, porque mando metade para minha família pagar os estudos”, diz. Ambos moram em Anápolis.

A vida de Dona Laura não é fácil. Acorda religiosamente todos os dias às 3h, para orações. “Em ponto. A voz me acorda todos os dias a essa hora. Há 70 anos”, conta. Além da multidão que atende todos os dias, cuida dos afazeres da casa e ainda encontra tempo para zelar das lides da chácara, onde cria galinhas. Franzina e de vestimentas muito simples, está sempre sorrindo e disponível para cuidar das pessoas.

As rugas do seu rosto denunciam as experiências que suportou ao longo da vida. Seu olhar sereno e sua expressão tranquila revelam que no corpo pequeno e magro reside a alma de um ser humano gigante. Um ser humano condenado desde a infância a aliviar o sofrimento das outras pessoas sem querer nada em troca.

OBSERVAÇÃO: DONA LAURA NÃO TEM TELEFONE. MAS TODOS EM BARRO ALTO A CONHECEM. PARA ENCONTRÁ-LA É SÓ IR À CIDADE E PERGUNTAR POR ELA.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 13/07/2013
Reeditado em 28/07/2020
Código do texto: T4384961
Classificação de conteúdo: seguro