A REDENÇÃO DO HOMEM

Outrora vivíamos na autossuficiência da unidade com o Todo, com a Realidade Suprema, onde a separação não existia, assim como não existe um eu individual isolado senão ”a unidade da totalidade em todas as coisas”(1). Num dado momento da história o homem perdeu a compreensão dessa unidade com a Realidade Suprema e se viu, de repente, separado, sozinho. Essa perda da união com o Todo é contada, na tradição judaico-cristã, através do relato em Gênesis da queda do homem e sua expulsão do Jardim do Éden. Aliás, interessante anotar que todas as tradições religiosas contam, no fundo, uma história parecida sobre a Queda do homem porque “reconhecem que alguma coisa está fora da ordem conosco, de que estamos perdido e de que temos de encontrar o nosso caminho para casa” (2).

Mas, em verdade, somos seres interligados uns com os outros de maneira fundamental. O mundo é nossa família. É por isso que nos dizem que somos todos filhos de Deus, e, na condição de filhos do Pai, somos também irmãos e irmãs uns dos outros. Por que, então, prejudicar uns aos outros, indaga Jeffrey Moses (3). Nesta grande unidade cósmica, nós todos nos pertencemos e estamos ligados, unidos, por esse forte vínculo de pertencer, diz David Steindl-Rast (4).

Sucede, porém, que há milênios de anos estamos vivendo a separação da Realidade Suprema e estamos num viver desconectado, desligado, de Deus. A conexão com essa Realidade Suprema precisa ser restabelecida. É como o voltar à nossa casa, da qual estamos afastados.

Vez ou outra surge alguém dizendo que a humanidade está doente. Na realidade, o que se percebe é que as pessoas andam confusas, perturbadas e vazias. O Mestre da vida, percebendo as nossas ansiedades e fraquezas, já nos advertia dizendo que não devêssemos perturbar o nosso coração. Assim, dizia ele: “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim” (Jo 14,1).

Mas, o que vemos no dia-a-dia da vida é que é justamente essa falta do crer, do acreditar em Deus ou, como preferem outros, a Realidade Suprema, é que está deixando as pessoas perturbadas e frívolas, onde a leviandade e a falta de sinceridade campeiam soltas por todos os campos de atividade humana, a começar do próprio seio familiar.

Certa feita, eu li um livro no qual um padre relatava a sua experiência como missionário numa região da África. Conta ele que a pobreza, a doença e a miséria eram tão grandes que ele se via no dever, como cristão, de trabalhar incessantemente, dia e noite. Até que, trabalhando muito e sentindo-se cansado e extenuado, já não dispunha de muito tempo para orar até que chegou um dia em que já não orava mais, tamanho o cansaço que sentia. Trabalhando nesse ritmo e não tendo nem mais tempo para as suas orações, um dia ele adoeceu; ficou muito mal e teve de ser internado em outra cidade porque ali não existia hospital. Enquanto doente e internado, voltou a orar diariamente como o fazia antes de abandonar as suas preces. Recuperado, voltou às suas tarefas missionárias e aprendeu a lição de que, mesmo sendo grande o trabalho a ser executado, ele não poderia jamais ter abandonado o ato de rezar. E, então, trabalhando, mas sempre reservando um tempo às orações, eis que aconteceu na sua vida uma coisa maravilhosa: recebeu o dom da cura e até hoje vem curando muitas pessoas.

Estou contando essa “estória” para mostrar que é justamente isso que está acontecendo com a humanidade. Quase ninguém tem mais tempo para fazer suas orações, chegando até mesmo alguns a considerarem isso uma perda de tempo, e tempo é dinheiro, e coisas mais. Mas, o que é a oração? Ah! A oração é um momento tão precioso em nossa vida porque nos permite, por breve instante, a se conectar, a nos ligar , com o Criador, com Deus ou com a Suprema Realidade. É nesses momentos de oração sincera ou de meditação profunda que acontece o grande lampejo de iluminação e de mudanças na maneira de pensar e de agir, nos lembrando de que somos filhos de um mesmo Pai Celestial e que todos somos irmãos em espírito e nos pertencemos um ao outro como um todo.

Madre Tereza de Calcutá certa vez escreveu: “No final de nossas vidas não seremos julgados pelos muitos diplomas que recebemos, por quanto dinheiro fizemos ou por quantas grandes coisas realizamos. Seremos julgados pelo “Eu tive fome e você me deu de comer”.” Estava nu, e você me vestiu”. Eu não tinha casa e você me abrigou”.

O Mestre da vida nos ensinou que diante do sofrimento alheio não devemos nada perguntar ou indagar, senão agir com amor e compaixão, não deixando que a indiferença tome conta do seu coração. Ele agia curando, nós podemos agir mitigando esse sofrimento.

Mas, chegará o dia em que também diremos: “Eu e o Pai, somos um!”.

E a hora que compreendermos tudo isso, voltando à união plena e total com essa Suprema Realidade que chamamos de Deus, é que ocorrerá a verdadeira redenção do homem.

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eldes@terra.com.br

Bibliografia

1 .Fritjof Capra,O Tao da Física,Cultrix,SP,p.103.

2.Fritjof Capra, Pertencendo ao Universo,Cultrix,SP,p.64.

3. in Unidade- Os princípios comuns a todas as religiões,Sextante,RJ,2009,p.22.

4. in apud Pertencendo ao Universo,obr.cit.,p.28