A INFLUÊNCIA BÍBLICA NO DIREITO MODERNO BRASILEIRO

UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR

TIAGO DA SILVA DE OLIVEIRA

A INFLUÊNCIA BÍBLICA NO DIREITO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO

Artigo apresentado ao curso de Direito, como requisito parcial para obtenção do titulo de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Mariceles Cristhina Fecchio

Dedico este trabalho em primeiro lugar a Deus, agradecendo pela saúde e pelo dom da vida.

Aos meus pais e heróis, Valter Gomes de Oliveira e Dilma da Silva de Oliveira, por todo o apoio, força e orações nos momentos bons e ruins. Sem eles eu nada seria. Nada mesmo.

À minha orientadora, mestra e mãe, Mariceles Cristhina Fecchio por todo apoio, amor e carinho que dispensa à mim.

AGRADECIMENTOS

Ao meu pai Valter Gomes de Oliveira (in memoriam)

Autor:

Nome: Tiago da Silva de Oliveira

E-mail: tiagodasilva85@gmail.com

Professor Orientador:

Nome: Mariceles Cristhina Fecchio

Titulação: Mestre em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR.

A INFLUÊNCIA BÍBLICA NO DIREITO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO

RESUMO

Tiago da Silva de Oliveira

Atualmente pouco se fala sobre a origem de certas normas jurídicas contidas no nosso ordenamento. Muitas dessas surgiram com o passar do tempo, conforme os fatos foram acontecendo, ao perceber a ausência de regulamentação para ele, foi-se criando novas normas a fim de tipificar o maior número possível de condutas do homem em sociedade almejando a pacificação de conflitos e a proteção aos bens juridicamente tutelados. Algumas regras do direito moderno, independente do ramo a que pertença, têm indicações marcantes na Bíblia Sagrada, livro de fé e prática adotado pelos Cristã. Assim sendo, o presente estudo teve por objetivo comparar normas que vigoram no ordenamento jurídico moderno com leis e recomendações contidas na bíblia para o fim de demonstrar influências bíblicas em vários trechos legais atualmente em voga. Dessa forma verificou-se que ordenamento vigente visa tutelar os mesmo direitos que as normas bíblicas, porém em épocas diferentes, sendo destoadas quanto à forma, harmoniosa em sua essência.

1 INTRODUÇÃO

Determinadas normas do direito moderno, quando comparadas com algumas recomendações bíblicas, resultam em semelhanças, no mínimo, intrigante. Ante tal simetria, nasce o interesse no desenvolvimento de pesquisas mais aprofundadas visando compará-las em seu núcleo para demonstrar a influência bíblica em algumas normas do direito contemporâneo.

Por óbvio, sua forma sofreu algumas deformações em relação às vigentes à época da confecção da bíblia, porém, inúmeras prosseguem idênticas quanto à sua essência, protegendo os mesmos bens, resguardando os mesmo direito e garantias.

2 A BÍBLIA EM SI

A Bíblia contém 66 livros, e seu nome vem do grego βίβλια, plural de βίβλιον, bíblion ou "livro". Segundo a tradição aceita pela maioria dos cristãos, a Bíblia foi escrita por 40 autores, entre 1445 a.C. e 90 d.C., ou seja, quase 1600 anos (Wikipédia, 2011).

A doutrina teológica Cristã trata a Bíblia sob duas óticas. Uma parte desta doutrina a considera um livro meramente histórico, que narra fatos de determinadas épocas da história da humanidade apenas narrando fatos esparsos. A outra parte da doutrina, majoritária, a vê como um livro sagrado, de fé e prática Cristã.

Outra discussão ainda viva a respeito deste, o livro mais famoso do mundo, se dá quanto ao momento em que o mesmo passou a existir, se a partir da primeira escrita, ou a partir da juntada de todos os escritos.

A própria bíblia, por intermédio de seus escritores, se denomina que:

O Livro da Lei” e se coloca como um conjunto de condutas a serem praticadas. Exemplo disso, está em Josué, 1: 8, onde após a morte de Moisés, que conduzia o povo no deserto em busca da terra prometida, Deus fala a Josué, incumbindo-o de substituir o líder morto, disse: “ E não cesses de falar deste livro da lei, antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer tudo quanto nele está escrito, então farás prosperar o teu caminho e serás bem sucedido (BÍBLIA SAGRADA, 2010).

Certo é, que referido livro dita condutas de ética, moral e cristianismo, trazendo ainda em seu corpo, grande número de leis que segundo o Cristianismo, têm inspiração divina e é a vontade de Deus para o seu povo na Terra.

A Bíblia traz em si, rico acervo legislativo, principalmente em seus 5 primeiros livros, chamados de O Pentateuco.

Segundo Ralph Lopes Pinheiro (2010, p. 23), os livros de Êxodo (2º livro) e Deuteronômio (5º livro) p.ex., “fogem às narrações e fixam princípios basilares de conduta, as normas a serem seguidas e as sanções a que ficavam sujeitas as suas transgressões”.

O Pentateuco, que também leva o nome de toráh, é considerado por muitos estudiosos a lei de Moisés. No livro de Levítico, p.ex., várias leis estão elencadas cuja conclusão apresenta as bênçãos reservadas aos cumpridores dos mandamentos e maldição aos seus trangressores. De início, já se vislumbra uma espécie de sistema jurídico com descrição de condutas, e sanções àqueles que as descumprirem.

Percebe-se nesse sentido, a existência de leis e escritos, enviados ao povo por Deus com sanções aplicáveis aos que as infringissem. Na altura do livro de Levítico, o êxodo onde contém os 10 mandamentos já havia sido escrito, sendo em mandamentos a lei maior a ser seguida na época.

Ainda, segundo Branca Lescher Faciolla (2005):

Os dez mandamentos foram só a espinha dorsal dos mandamentos revelados, pois após sua revelação, outros 613 mandamentos foram transmitidos ao povo pelos rabinos, sábios de Talmud, encontrados no Pentateuco.

Os 10 mandamentos, encontram-se em êxodo e são reafirmado em deuteronômio, como regras de fé e conduta, como são até os dias de hoje.

2.1 LIVROS COM MAIOR CONTEÚDO LEGISLATIVO

Os livros com maior conteúdo legislativo são êxodo e Deuteronômio, eis que contém em si maior número de leis enviadas de Deus ao seu povo. A começar pelos 10 mandamentos, em êxodo 20:2 a 17;

A divisão dos mandamentos ainda é muito discutida entre os que os estudam. Porém, por não ser objeto deste trabalho, não será abordada neste trabalho.

Muitas das leis e condutas descritas nestes livros são censuráveis até os dias de hoje, sendo que no direito moderno brasileiro, muitas destas condutas são tipificadas como crimes, outras como meros ilícitos civis, e fugindo do velho testamento tem-se ainda algumas menções a regras que atualmente constituem inclusive princípios constitucionais previstos na Carta Constitucional.

2.2 OS DEZ MANDAMENTOS

Algumas das condutas contidas nos 10 mandamentos constituem no sistema jurídico vigente, tipos penais cujas penas cominadas são igualmente na antigüidade, aplicáveis aos seus infratores.

Como exemplo, pode-se mencionar, o mandamento constante em êxodo 20:13, sendo não matarás consoante o art. 121 do Código Penal vigente. O bem juridicamente tutelado continua sendo a vida mudando somente a forma de tutela e a sanção aplicável ao infrator de tal norma.

Até mesmo nos sistemas penais antigos, tirar a vida de alguém sempre foi considerado delito grave e sempre teve severas punições eis que viola o bem jurídico mais precioso do ser humano: a vida. Desde o primeiro homicídio da Terra, segundo a Bíblia, quando Caim matou seu irmão Abel, Deus já lhe aplicou sanção marcando-o para sempre, o que leva-nos à ilação de ser este (homicídio) o delito mais antigo da existência humana.

Em leis anteriores à Cristo, como no Código de Hamurabi (2.000 a.C) por exemplo, vigorava a premissa de quem matasse alguém, também seria morto sob o fundamento de que as penas deveriam ser aplicadas “olho por olho, dente por dente” (WIKIPÉDIA, 2011).

Ainda, no verso 15 do capítulo 20 de êxodo, tem-se o mandamento não roubarás, semelhante aos tipos penais que concernem ao capítulo dos crimes contra o patrimônio, como furto, roubo, apropriação indébita e etc. os tipos penais do art. 155 e 157 do Código Penal vigente, também são exemplos da influência bíblica no direito moderno brasileiro.

3 A BÍBLIA E OS TIPOS PENAIS

3.1 A BÍBLIA E O HOMICÍDIO

O livro de Êxodo, considerado uma grande fonte legislativa, traz no verso 12 em diante o subtítulo: leis acerca da violência. Tal título, muito sugestivo já pressupõe que em seu corpo trará leis que vedam as práticas tendentes a tirar a vida do homem ou violar sua incolumidade física.

A bíblia, como já se viu anteriormente é rica em descrever condutas humanas reprováveis, e em determinadas passagens prevê punições àqueles que incorrerem nessas condutas consideradas merecedoras de punição.

Exemplo claro, são os 10 mandamentos, que trazem em seu corpo descrições de algumas condutas, reprovando-as, considerando-as como uma violação à aliança de Deus com o seu povo. Segundo a própria bíblia, são leis enviadas de Deus ao seu povo, formaNdo uma aliança de modo que aquele que infringir um destes mandamentos estaria descumprindo sua aliança com Deus.

Em Êxodo 20:13, a conduta reprovável é o homicídio. A previsão nos 10 mandamentos é: “não matarás”. Pode-se traçar um paralelo com o atual art. 121 do Código Penal que prevê a conduta: “matar alguém”, prevendo a pena de 06 (seis) a 20 (vinte) anos.

Assim, o bem juridicamente tutelado antes e agora continuam sendo a vida, considerado o bem mais precioso do ser humano sem o qual todos os demais direitos se veriam prejudicados por não poderem ser exercidos. Muda a forma de proteção e narração da conduta, mas o bem e a vedação à ação de matar alguém permanecem, como uma forma de mostrar que desde os anos mais remotos até hoje, tirar a vida alheia é algo extremamente reprovável e demonstrando assim que tal prática, mesmo com a evolução cultural e histórica do mundo, continua sendo uma prática repugnante.

Muda a forma de proteção, antes punida segundo a lei do Código de Hamurabi, o qual prevê em Êxodo 21: 24, “olho por olho, dente por dente, pé por pé, mão por mão” (Bíblia Sagrada, 2007 p. 103) e continua tutelando o bem vida, porém de forma diversa no que tange à aplicação da sanção correspondente ao praticante desta conduta.

Vislumbra-se assim, que por mais evoluído que esteja o pensamento filosófico, cristão e sociológico, a tutela do bem vida continua sendo de grande importância, mudando a punição, mas nunca a proteção. O crime antes punido com a morte, hoje punido com pena restritiva de liberdade, tendo mudado, para um patamar mais tênue, a punição, mantendo-se viva a tutela do bem: vida.

Resta evidente, nesse sentido, a influência Bíblica na elaboração de vários tipos penais.

Além do mais, mesmo não havendo previsão expressa, quando Caim matou Abel, no jardim do Éden, já foi punido pelo próprio Deus, mesmo não havendo expressa vedação a referida conduta, levando-se à ilação de que a vida é tão importante que mesmo que não tutelada expressamente por lei, deve ser protegida e mantida, eis que constitui o bem maior do ser humano.

A bíblia ainda traz em Êxodo 21:14, “14 Mas se alguém agir premeditadamente contra o seu próximo, matando-o à traição, tirá-lo-ás do meu altar, para que morra” (BÍBLIA SAGRADA, 2010 p. 103). Vislumbra-se no referido trecho, a figura do homicídio qualificado pela emboscada, o qual traz no corpo do tipo do art. 121, §2º, IV: § 2°, o qual prevê:

Homicídio qualificado

Se o homicídio é cometido:

(...)

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido.

A simetria entre a lei bíblica e alei atual é enorme no que tange ao bem tutelado em sua essência, porém diferentes na forma de tutela e na sanção aplicada ao infrator da norma. Com o Código de Hamurabi em alta, na Bíblia é comum ver a pena de morte sendo cominada como sanção para carias condutas à época vedadas, porém, a evolução humana permitiu que houvessem mudanças no que tange às penas aplicadas, permanecendo porém, o valor atribuído aos bens tutelados.

Segundo Julio Fabrini Mirabte (2001, p. 73), o homicídio qualificado pela traição ocorre em “circunstâncias que levam à prática de crime com maior segurança para o agente que se vale da boa-fé ou da desprevençao da vítima e revelam a covardia do autor)”.

Percebe-se aqui, a ainda vigente reprovabilidade do delito cometido pelas costas, mediante traição, abusando-se do despreparo da vítima, aumentando-se a pena em razão da crueldade utilizada pelo agente.

3.2 A BÍBLIA E O CRIME DE LESÃO CORPORAL

Dentre várias condutas descritas na bíblia, pode-se mencionar como as mais importantes e dignas de menção as que vedam determinadas ações humanas tendentes a ferir ou tirar a vida ou a integridade do outro ser humano.

Em Êxodo 21:18 e 19, a lei sagrada dispõe:

18 E se dois homens pelejarem, ferindo-se um ao outro com pedra ou com o punho, e este não morrer, mas cair na cama, 19 Se ele tornar a levantar-se e andar fora, sobre o seu bordão, então aquele que o feriu será absolvido; somente lhe pagará o tempo que perdera e o fará curar totalmente (BÍBLIA SAGRADA, 2010).

A norma acima tem caráter híbrido. Prevê em primeiro plano o crme de lesões corporais, art. 129 do Código Penal, tendo como bem juridicamente tutelado a incolumidade física do homem. Porém, em segundo plano, traz a obrigação de o autor indenizar a vítima pelo tempo que este ficara em recuperação. Diz-se híbrida por que traz matéria tanto de direito penal, art. 129 do Código Penal, crime de lesão Corporal, quanto de natureza Civil, art. 927 do Código Civil que traz a obrigação do autor de indenizar a vítima do dano.

3.3 A BÍBLIA E OS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

O patrimônio, desde os primórdios mostra-se bem de relevante valor na vida humana. Tudo que o homem trabalha e consegue amealhar em bens materiais, também era protegido por lei, desde a bíblia.

Neste ponto, talvez resida um ponto polêmico deste trabalho, no sentido de existirem duas vertentes para o verdadeiro sentido da vedação quando ao furto, roubo e apropriação indébita. Podería-se pensar que ao vedar tal conduta, Deus teria se manifestado a Moisés vedando tal conduta no sentido de proteger o patrimônio do seu povo, ou em outra linha, teria vedado tal conduta pelo simples fato de considerar reprovável a conduta de retirar de alguém algo que seja seu por propriedade.

Porém, a vedação se torna mais clara no sentido de que ao criar tal lei, a intenção foi a proteção do patrimônio, eis que na época narrada em Êxodo, o patrimônio de um homem era sua referência em muitos momentos de sua vida, p.ex. casamento.

Assim, em Êxodo 20:15, “Não furtarás”, o sentido da lei à época era o de proteger o patrimônio, eis que protegia-se não do furto em si, previsto atualmente no art. 155 do Código Penal, mais sim a tomada do patrimônio alheio sem justa causa, podendo-se comparar tal mandamento com os art.s 155, 157, 168 do Código Penal, os quais correspondem, respectivamente a Furto, Roubo e apropriação indébita, todos elencados no título: DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO.

Os referidos tipos penais diferem somente na forma com que a tomada de patrimônio ocorre, porém, o sentido da norma e o bem juridicamente tutelado continua o mesmo: o patrimônio.

Vale salientar, que à época o patrimônio de um homem era medido por suas terras, bois, cabras, mulas, jumentos e camelos, bem como outros bens de diversas naturezas. Por este motivo, pende-se para o lado da proteção ao patrimônio em sai e não para a simples reprovabilidade do ato de tirar algo do poder de seu legítimo proprietário.

Ainda neste sentido, com estrita semelhança ao crime de receptação, a bíblia traz também vedação a esta conduta atribuindo-lhe sanção de natureza civil reparatória. Prevê Êxodo 22:07, “7 Se alguém der ao seu próximo dinheiro, ou bens, a guardar, e isso for furtado da casa daquele homem, o ladrão, se for achado, pagará o dobro” (Bíblia Sagrada, 2010).

A parte acima mencionada além de vedar a guarda de produtos de origem ilícita, ainda prevê a obrigação de indenizar o dobro do valor da coisa à quem de direito, por isso fala-se na natureza híbrida da norma.

3.4 A BÍBLIA E O CRIME SEXUAIS

Em Deuteronômio 22:25, há a seguinte disposição: “25 E se algum homem no campo achar uma moça desposada, e o homem a forçar, e se deitar com ela, então morrerá só o homem que se deitou com ela” (BÍBLIA SAGRADA, 2010 p. 275).

Vislumbra-se neste trecho, mais que claro a expressa vedação às relaçoes sexuais praticadas com emprego de força física, atualmente tipificadas pela lei penal com capítulo próprio, Título VI – Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual, previsto nos art.s 213 e ss, vedando as práticas sexuais consumadas mediante força ou grave ameaça.

A dignidade sexual, desde sempre é protegida eis que constitui parte relevante da intimidade humana não podendo ser violada em hipótese alguma. A intimidade, elencada como garantia constitucional, no art. 5° da nossa lei maior engloba também a liberdade de escolha e sigilo em relação às práticas sexuais. Este bem tutelado, antes e atualmente, não perdeu em momento nenhum sua valia, nem com o decorrer dos anos e a evolução no pensamento sociológico e filosófico. Continua constituindo bem de extremo valor, merecendo proteção na bíblia, antes mesmo do nascimento de Cristo, e nos dias de hoje.

Nas palavras do ilustre mestre Guilherme de Souza Nucci (a respeito da honra e dignidade tutelada pela proteção à dignidade sexual, assevera que:

Dignidade fornece a noção de decência, compostura, respeitabilidade, enfim, algo vinculado à honra. A sua associação ao termo sexual insere-a no contexto dos atos tendentes à satisfação da sensualidade ou da volúpia. Considerando-se o direito à intimidade, à vida privada e à honra, constitucionalmente assegurados (art. 5º, X, CF), além do que a atividade sexual é, não somente um prazer material, mas uma necessidade fisiológica para muitos, possui pertinência a tutela penal da dignidade sexual. Em outros termos, busca-se proteger a respeitabilidade do ser humano em matéria sexual, garantindo-lhe a liberdade de escolha e opção nesse cenário, sem qualquer forma de exploração, especialmente quando envolver formas de violência.

É exatamente essa decência, compostura e respeitabilidade que a lei bíblica pretendia tutelar prevendo pena de morte a quem pratique tal conduta. Percebe-se que o bem tutelado continua o mesmo: a dignidade, honra e decência sexual.

3.5 A BÍBLIA E O DIREITO CIVIL

3.5.1 A Bíblia e a reparação por danos morais

Desde antes de Cristo, a moral já era tutelada pelas leis enviadas a Moisés com expressa previsão. Em Deuteronômio 22:13 a 19, lê-se:

13 Quando um homem tomar mulher e, depois de coabitar com ela, a desprezar, 14 E lhe imputar coisas escandalosas, e contra ela divulgar má fama, dizendo: Tomei esta mulher, e me cheguei a ela, porém não a achei virgem; 15 Então o pai da moça e sua mãe tomarão os sinais da virgindade da moça, e levá-los-ão aos anciãos da cidade, à porta; 16 E o pai da moça dirá aos anciãos: Eu dei minha filha por mulher a este homem, porém ele a despreza; 17 E eis que lhe imputou coisas escandalosas, dizendo: Não achei virgem a tua filha; porém eis aqui os sinais da virgindade de minha filha. E estenderão a roupa diante dos anciãos da cidade. 18 Então os anciãos da mesma cidade tomarão aquele homem, e o castigarão. 19 E o condenarão em cem siclos de prata, e os darão ao pai da moça; porquanto divulgou má fama sobre uma virgem de Israel (BÍBLIA SAGRADA, 2010).

O contexto histórico dessa previsão se dá devido ao fato de ao seu tempo, a virgindade feminina ser tida como obrigação da moça que pretendia se casar. Porém, percebe-se na lei, além do intuito de proteger a moça mal falada pelo marido mentiroso, proteger a moral que a mulher israelita possuía à sua época. Vislumbra-se assim, estrita semelhança com a atual ação de indenização por danos morais, uma vez que aquele que fala mentira que cause dano, fica obrigado a indenizar.

Mais do que a proteção a sexualidade, verifica-se a proteção à moral e os bons costumes.

A doutrina Civil é rica quanto ao assunto, no sentido de que o dano moral equivale a sofrimento experimentado pela vítima que gere a obrigação de indenizar.

Na lição do saudoso Savatier (1989), dano moral é:

qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc.

Ainda sobre o dano moral, na opinião do mestre Yussef Said Cahali (, dano é:

“a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral(honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)" (ob. cit, pág. 20).

Tanto na Bíblia quanto no Direito Civil atual, o dano causado devia e deve ser indenizado como forma de demonstrar ao seu autor o desvalor de sua conduta. Na referencia bíblica percebe-se o desvalor da conduta daquele homem que causasse danos à moça proferindo contra ela mentiras, ferindo sua honra, momento no qual nasceria a obrigação de indenizar.

3.5.2 A Bíblia e a responsabilidade civil

A parte bíblica referente à responsabilidade civil, se encontra em Êxodo 21:33, 34: “33 Se alguém abrir uma cova, ou se alguém cavar uma cova, e não a cobrir, e nela cair um boi ou um jumento, 34 O dono da cova o pagará em dinheiro ao seu dono, mas o animal morto será seu” (BÍBLIA SAGRADA, 2010, p. 103).

A parte bíblica transcrita evidencia a ocorrência do que hoje chamamos de ação provida de culpa strito sensu, quando alguém agindo com negligência, imprudência ou imperícia, causa dano a outrem, ficando obrigado a indenizar. Na passagem em tela, evidencia-se a punição de quem age de maneira a causar danos a terceiros imputando-lhe a responsabilidade. Não entraremos no mérito das sanções previstas eis que já foram objeto de subtítulo anteriormente.

A parte é bastante clara e deixa cristalino a ocorrência de um ato danoso devido a ação provida de culpa, restando positivada a obrigação de indenizar. Também é de fácil vislumbre a simetria entre àquela norma e a vigente no Brasil, mostrando a influencia bíblica também nos atos providos de culpa e na obrigação de indenizar.

Ainda em relação ao dever de indenização por danos causados, pode-se frisar o trecho da escritura sagrada constante em Êxodo 21;22: “22 Se alguns homens pelejarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que aborte, porém não havendo outro dano, certamente será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e julgarem os juízes”. (BÍBLIA SAGRADA, 2010 p. 103).

A referência mencionada não carece de maior interpretação visto que deixa evidente ponto por ponto de seu propósito. A obrigação de pagar indenização quando causar danos, como se pode ver, vem desde muito antes de Cristo. Na referencia não há menção há dolo ou culpa, porém, presume-se que em ambos os casos nascerá a obrigação de indenizar desde que ocorra da forma prevista em lei e conforme a apreciação dos juízes da época.

3.5.3 A BÍBLIA E OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS COSNTITUCIONAIS

A bíblia se mostra rica em seu conteúdo legislativo, não só no velho como também no Novo Testamento. Nas palavras da mestra Branca Leshcer Facciola, o livro de Deuteronômio é a maior fonte legislativa da bíblia, onde há muitas leis enviadas por parte de D’us (Deus) aos seu povo.

Porém, é possível também, vislumbrarmos passagens do Novo Testamento onde são adotados princípios processuais vigentes no ordenamento jurídico atual.

No Novo Testamento, é possível encontrar partes onde leis e princípios do direito moderno foram respeitados como se fossem partes de um ordenamento vigente à época.

No Livro de Atos, capítulo 16, verso 37, os Apóstolos Paulo e Silas após terem sido presos arbitrariamente, e de igual modo postos em liberdade, se recusam a sair da prisãao, fazendo menção a um importante princípio constitucional vigente no Direito comtemporâneo.

Paulo diz: “...sem ter havido processo formal contra nós, nos açoitaram publicamente e nos recolheram ao cárcere, sendo nós cidadão romanos...”

Percebe-se nesta rica passagem, que à época já se primava pelo devido processo legal, não podendo quem quer que fosse, ser levado ao cárcere sem que contra ele houvesse processo formal.

Segundo o professor Denilson Feitosa (2010) , o devido processo legal é : consiste na garantia de que alguém só poderá ser privado de sua liberdade ou de seus bens por meio de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei.

Destaca-se, por exemplo, o trecho contido no livro de João, já no Novo Testamento, capítulo 7, versículo 51, o que contém: “51 – acaso, a nossa lei julga um homem sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele fez ?” (BÍBLIA SAGRADA, 2010 p. 103).

Mais adiante, já no Livro de Atos dos Apóstolos, no capítulo 24, quando o Apóstolo Paulo é preso por pregar o evangelho e levado a julgamento perante Félix, e diante de todo o povo (o que ressalta evidente semelhança aos julgamentos pelo Tribunal do Júri), é apresentado libelo contra Paulo, tendo Ananias acusado Paulo, em seguida, é dado ao Apóstolo, a oportunidade de defesa, tendo Paulo o feito oralmente (Atos 24: 10 e ss).

De fácil percepção, apura-se desta simples narrativa a ocorrência do princípio do contraditório e da ampla defesa, elencados na nossa Carta Constitucional.

Tal princípio representa em nosso ordenamento uma garantia fundamental da justiça pois garante às partes igualdade de posições e uso de armas de acusação e defesa para acusador e defensor.

Há ainda dentro da doutrina que entenda ser o contraditório uma forma de exercitar um princípio maior, o da ampla defesa. Porém por não ser o objeto deste trabalho, não se adentrará em tal polêmica.

O mestre Denilson Feitosa (2010, p. 145), entede que o contraditório, também chamado de audiatur et altera pars, é: “uma garantia constitucional que garante a ampla defesa doa cusado”.

Seja ou não um integrante do outro, é possível verificar na Bíblia uma possível raiz deste princípio tão importante no direito atual que uma vez ausente pode gerar a nulidade de todo o processo, judicial ou administrativo.

Ainda neste átimo, mister ressaltar o verso 16 do livro de Atos do Apóstolos, capítulo 25, o qual prevê: “Repondeu porém, que não é costume dos romanos condenar quem quer que seja sem que o acusado tenha presente seus acusadores e possa defender-se da acusação)” (BÍBLIA SAGRADA, 2010, p. 228).

Mais uma forte menção à ampla defesa e ao contraditório, o que pode induzir ao pensamento majoritário da doutirna histórica de tais princípios tenha suas mais puras origens no direito Romano.

Mesmo não sendo o foco deste trabalho, cumpre lembrar a presença da ampla defesa e do contraditório, ainda antes do nascimento de Jesus, no Velho Testamento, na passagem que narra a história de uma mãe que rolando por cima de seu filho enquanto dormia o matou, e depois o trocou por outro bebê, de sua vizinha. Tais fatos levados ao Rei Salomão não foram julgado de pronto. O Rei ordenou que fosse trazido à sua presença as duas mãe e cada uma contasse sua versão dos fatos.

Mesmo antes do nascimento de Cristo, lá estava tal princípio.

Voltando ao Novo Testamento, na narrativa de Paulo, mais adiante, no livro de Atos, capítulo 25, Paulo tendo sido julgado, diz: vou apelar a César. Em resposta a estas palavras tem-se o versículo 12 do mesmo capítulo: “Entao Festo, tendo falado com o conselho, respondeu: Para César apelastes, para César irás) (BÍBLIA SAGRADA, 2010, p. 228).

Mais uma vez presentes se fazem nomenclaturas idênticas às atuais, tais como apelação, e ainda perceve-se mais um princípio constitucional, o princípio do Duplo Grau de Jurisdição, ressaltando-se inclusive uma possível averiguação de admissibilidade, nas palavras “tendo falado com o conselho...”

Tantas partes e questionamentos por parte do Apóstolo Paulo, se explicam pelo fato de o mesmo ser considerado um dos doutores da lei à sua época, formado e estudado aos pés de Gamaliel, estudioso das leis da época.

Como é possivel perceber, no decorrer deste trabalho, muitas das nossas leis vigentes atualmente vêm de longa data, tendo passado por inúmeras transformações, se moldando de acordo com as necessidades de cada época. Porém, percebe-se em contra partida, que alguns dos bens tutelados pelo direito moderno são exatamente os mesmos de antes de Cristo.

Seja no ramo do Direito Civil, do Direito Penal, do Direito Processual, Constitucional, temos normas vigentes que tem influência bíblica, e na mais tênue das hipóteses, já era usadas ao tempo desta, respeitadas, tidos como regras mather vigentes à época, e ainda vivas no Direito Brasileiro e mundial.

4 CONCLUSÃO

Os direitos e garantias amparados pelas normas vigentes, sempre foram, em sua grande maioria, protegidos por ordenamentos passados, escritos ou não, em se mostram idênticos no que tange à sua essência, tendo com o passar dos anos sofridos algumas alterações em sua forma e na maneira com que se apresentam.

Conclui-se assim, que logicamente, a humanidade continua considerando tais direitos e garantias, elementos fundamentais e essenciais à vida humana em sociedade, sendo mister sua proteção desde a antiguidade, até os dias de hoje.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA SAGRADA. Revista e Atualizada. São Paulo: S.B.B, 2010.

CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 13. ed. São Paulo: RT, 2010.

CAPEZ, Fernando. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2006.

PINHEIRO, Ralph Lopes. In. Historia resumida do direito. Rio de Janeiro: Rio, 2010.

FACCIOLLA, BRANCA LESCHER. A lei de móisés, a torá como fonte de Direito. São Paulo, SP, 2005.

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal. vol 2, São Paulo: Atlas, 2001.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

Tiago da Silva de Oliveira
Enviado por Tiago da Silva de Oliveira em 01/04/2013
Código do texto: T4218462
Classificação de conteúdo: seguro