COM OS OLHOS DE DEUS
Ana Luíza Bernardes Oliveira, 14 anos, é uma adolescente que faz tudo que suas colegas fazem: acessa o Facebook, usa celular, toca violão e teclado, escuta sertanejo universitário, joga voleibol, anda de patins, vai a shows e lanchonetes e, claro, estuda muito.
Nada disso é uma façanha para quem enxerga normalmente. Ana Luíza é cega de nascença e teve que reinventar o mundo para que pudesse achar nele seu espaço. A vida no escuro, porém, não assusta nem deprime a jovem, que está sempre sorrindo e rodeada de amigos. "Anda sempre em bando, está o tempo todo com os amigos", diz a professora Cristina Bernardes, sua mãe.
Filha obediente, Ana Luíza tem na irmã, Isabela, 11 meses mais nova, sua fiel escudeira e cúmplice. É a irmã que lê suas mensagens de texto, tanto do celular como do Facebook. "Ah, mas eu também conheço os segredos dela", brinca. Antenada, recusou um aparelho celular adaptado para deficientes visuais que a mãe queria lhe dar. O motivo? Era muito grande e feio. Ela prefere um celular da moda, pequeno e com mil utilidades, igual o das amigas.
Boa aluna, cursa o 9° ano no Colégio Maria Imaculada, no Centro. Nunca reprovou um ano. Fez duas vezes a alfabetização por opção da mãe e devido à falta de material didático adequado. Seus livros são em braile. Usa, para anotar, uma espécie de caderneta, adaptada. Falante e articulada, nem sempre consegue ficar calada durante as explicações dos professores. Mas não é rebelde. Seu comportamento é considerado exemplar. "É uma aluna maravilhosa, disciplinada, inteligente e carismática. Gostamos muito dela, é um patrimônio da escola", disse a professora Vilma Fátima Nogueira, diretora do Colégio.
Tem amizade com toda a escola. Sua atenção é disputada no intervalo. Gentil e educada, fala com todos, brinca, se diverte. Não é muito de ficar mal humorada. Gosta de modo especial de artes, geografia e língua portuguesa. Odeia matemática. E, como ninguém é de ferro, tem preferência pelas aulas de educação física. Mesmo com suas limitações, participa do time de voleibol. Recebe as coordenadas de um colega e manda a bola pra frente. Quando marca um ponto a comemoração é geral. Há uma torcida organizada por ela.
Recentemente ficou em segundo lugar no Estado no concurso de redação "Goiás na Ponta do Lápis", organizado pelo jornal Tribuna do Planalto e pela Secretaria Estadual de Educação. Como prêmio faturou uma bicicleta. Mas não há prêmio maior que concorrer com alunos de diversas cidades do Estado, todos com a visão perfeita, e vencer.
VIDA FORA DA ESCOLA
Ana Luíza é muito independente. Não usa óculos escuros nem bengala. Gosta de andar, de se movimentar. Tendo uma amiga do lado, nem precisa pegar pela mão. Evangélica, frequenta a Igreja Presbiteriana Renovada. Já integrou o grupo de dança da igreja. Na escola, criava as coreografias da sua turma de dança. Algo parecido com hip hop. Fez balé por cinco anos e desenvolveu muita habilidade nos passos.
Em casa gasta o tempo estudando, ouvindo músicas, acessando a internet e "vendo" televisão. Fã de Coldplay e Jorge & Mateus, escuta canções no celular e no computador. Não abre mão também de acompanhar "Malhação", da Globo. Novelas, filmes e BBB assiste também, mas com menor frequência. Como toda adolescente, derramou lágrimas com o filme "Um Amor Para Recordar". "A Cabana", livro que uma amiga leu para ela, é citado como inesquecível.
Apaixonada por música é dona de uma voz poderosa e afinada, que enfeitiça a todos. Já foi convidada a se apresentar em diversos eventos públicos. Após a cantoria, recebe dezenas de elogios. Canta e encanta. Toca violão e teclado. Não se contenta em apenas interpretar: já se arrisca a compor. "Talvez um dia eu grave um CD", sonha, despretensiosamente.
SONHO PARA O FUTURO
Ainda em dúvida sobre que caminho trilhar na vida profissional, Ana Luíza ventila duas possibilidades: direito e psicologia, com uma tendência maior para a segunda opção. "Minha mãe quer que eu curse direito, acha que tenho talento para defender as pessoas, mas não sei se quero isso. Ainda tenho muito tempo para decidir", lembra a estudante.
Casar na igreja e ter filhos: eis o sonho de toda jovem. É também o sonho de Ana Luíza. "Claro que sonho com isso e irei realizar", garante. Despista quando o assunto é namoro. Mas adianta que é uma pauta que já é discutida com a mãe. Vaidosa assumida, tem muito cuidado com o cabelo. As roupas e sapatos são escolhidos com a ajuda da irmã. "Gosto muito de andar bem arrumada", frisa.
Não se sabe como são as cores do mundo que Ana Luíza vê. Não dá para compreender como ela atribui formas às coisas. Mas é muito fácil saber que no mundo visto por Ana Luíza a palavra "superação" não tem dimensão heróica. É exercida da forma mais espontânea possível. É como respirar. Ela vive como se a visão fosse apenas um brinquedo negado no natal.
"Que direito tenho eu de reclamar? Há tantas pessoas em situações bem piores, vivendo sem amor, passando fome, frio, sem horizonte algum", afirma, com muita sinceridade na voz e um estranho brilho no olhar, vago e feliz.