MINHA CATARATA DUPLA
"A maior parte das pessoas olha mas não vê”.
Damián Bayón
Acima de 55 anos podemos, geralmente, ter problemas de catarata: cristalino opacificado, que impede total ou parcialmente a visão dos raios de luz.
Eu, já nos meus quase sessenta anos, apesar de usar óculos,enxergo razoavelmente bem sem eles: a minha catarata, na realidade, era de outro tipo, não detectável pela Medicina.
Depois de conhecer Elza e João Rossato, meus primeiros Mestres fotógrafos, do Grupo Amigos da Fotografia, passei a ver o mundo como o vê um paciente que acaba de sair de uma cirurgia de catarata dupla: nos mínimos e maravilhosos detalhes.
Hoje, depois de um ano como fotógrafo, estou descobrindo pequenas grandes jóias da obra imensa do Grande Arquiteto, do Incomparável Joalheiro.
Um exemplo dessa minha mudança de comportamento tem ocorrido durante meus fins de semana no Regatas. Lá, eu sempre andava por entre os arvoredos e jardins, admirando, sim , a natureza, a beleza do rio Pardo, os bandos de aves migrantes, mas nunca notava detalhes, nuances, contrastes, brilhos, contornos: eu via o geral.
Agora eu paro para olhar uma teia de aranha, um broto de bambu, a folha amarela do coqueiro destacando-se no verde, um fruto vermelho em simetria com uma pequena flor branca, perdida no meio do gramado, cogumelos, folhas secas, galhos quebrados, insetos, flores, recantos escondidos do olhar dos passantes menos atentos.
Na minha semana de férias no litoral paulista, acordei às cinco da manhã para fotografar o alvorecer, registrar os primeiros movimentos na praia, ouvir os primeiros cantos dos passarinhos e apreciar o revoar dos pombos sobre os coqueiros da avenida litorânea: e registrei o nascer do sol que se apresentou, como sempre, estonteante, enquanto a maioria das pessoas dormia.
Não ando mais sem uma câmara fotográfica ao meu alcance: em tudo busco encontrar motivo para uma boa foto.
Aprendi a escrever com luz e não desejo parar tão cedo.
Serei, mais uma vez, e como sempre, um eterno aprendiz, ouvindo os conselhos e orientações do Antônio Carlos Sales, viajante no eixo Santos-Ribeirão, do Carlos Natal, fotógrafo oficial da Prefeitura Municipal, da Sônia Maria Franco, do Dr Luiz Fernando Gaya, do amigo/irmão Marco Pires, da Espaço, e de todos que se propuserem a dividir comigo seus conhecimentos na arte de Daguerre.
Minha mais recente aula prática ocorreu em plena avenida Mogiana, com mais oito colegas do Grupo Amigos da Fotografia, num trabalho que produziu quase mil e duzentas fotos — das quais quarenta estão fazendo parte de uma exposição aberta no Palácio Rio Branco — depois de uma jornada de oito horas de muitos cliques, muitos acertos de focos, aberturas, velocidades, chuva, vento, posições incômodas, intromissões abruptas entre as lentes e as imagens a serem capturadas, muita dor nos pés e nas pernas, muita adrenalina despendida para obtenção das melhores imagens.
Meu problema de catarata mental está resolvido: vejo o mundo com novos olhos.
ANTÔNIO CARLOS TÓRTORO