Tragédia Santa Maria/RS. Até quando a hipocrisia?

Tragédia Santa Maria/RS. Até quando a hipocrisia?

Tenho para comigo que as prisões ora efetuadas não passam de uma resposta anêmica e sem nenhum resultado prático aos familiares das vítimas e da sociedade. A questão a ser aqui opinada resume-se apenas e tão somente no aspecto jurídico, em que pese a dor dos familiares pelas irreparáveis perdas.

Em princípio os responsáveis, em tese, deverão responder por crime culposo, não tinham intenção de matar, logo a prisão preventiva e/ou temporária é questionável. Mas abstraindo desta questão - ser possível ou não a prisão dos donos da boate e dos músicos, é preciso dimensionar o grau de culpa de cada parte.

Por certo os menos responsáveis pela tragédia são os músicos, eis que contratados para tal. Ao ser contratados para a apresentação, os promotores do evento sabiam o gênero musical e como seriam o show da banda, logo deveriam alertá-los de que a casa não estava preparada para o show pirotécnico, desta forma proibindo-os de fazer o tal show.

Os integrantes da banda por certo, uma vez contratados, não tem a obrigação de verificar com os proprietários se a casa está de acordo com normas técnicas de engenharia; da existência de alvarás, etc. Os proprietários, estes sim, ao permitirem o evento com os riscos no tocante às consequências do que poderiam acontecer é que deverão assumir a responsabilidade.

De outra feita o número de pessoas que a casa comporta também é de responsabilidade dos proprietários, pois não poderiam permitir a presença de pessoas além de sua capacidade.

No que se refere ao alvará de licença, se vencido, a casa não poderia estar funcionando enquanto não ocorresse a sua renovação. Aqui surge um fator que ninguém ainda levou em conta: a responsabilidade do poder público, seja do prefeito, seja dos órgãos municipais em não verificar a expiração do prazo de validade do alvará de modo que, a partir de então, interditasse a casa até sua regularização.

De mais a mais não se trata de simples regularização formal, e sim, verificar in loco se a casa atende todas as especificações para o seu funcionamento. Sabemos que a expedição de alvará não passam de mero ato formal e sem qualquer fiscalização e verificação pelos responsáveis pela sua expedição. Mesmo após a expedição do alvará nunca fiscalizam os estabelecimento para saber se o local foi ou não modificado de acordo com o projeto original.

Outra questão que não pode passar despercebida é se presentes no local menores de 18 anos sem a autorização judicial - alvará judicial. Nestes casos há necessidade de ser acionado o Conselho Tutelar, bem como os comissários de menores para se fazer presentes, inclusive com a incumbência legal de tomar todas as medidas que a situação requeria, no caso, proibindo a realização do show com presença de menores.

Já tive a oportunidade de indeferir alvará judicial e proibir a realização de eventos de magnitude superior a esse - rodeios, ante a precariedade da estrutura física do evento, assumindo o ônus de toda insatisfação popular, de organizadores, de políticos. Angariei antipatia, mas fiz com que a legislação fosse observada e acatada.

Como dizia Cícero, a consequência vem por último.

E o que vemos nesse momento de muita consternação são políticos chorando, lamentando, imprensa e especialistas em segurança palpitando; apresentadores do mundo cão nas redes de televisão e sociais emitindo opiniões sem o mínimo de preparo jurídico para tanto, formadores marrons de opiniões. Ora, pois!

Quando vamos ser um país sério? Quando vamos fazer com que cumpram com as leis de forma rigorosa? Quando vamos ter autoridades que se imponham sem o medo da imprensa, dos políticos, sem medo de desagradar a classe dominante e que impõem seus desejos aos incautos.

Chega de hipocrisia.

Que os procuradores e promotores não aproveitem a dor das famílias para aparecer perante os holofotes como se fossem os salvadores da pátria, quando se sabe que deviam, preventivamente, ter tomado, naquilo que está inserido nas suas atribuições, as medidas jurídicas necessárias.

Que a imprensa, que tantos serviços bons tem prestado à democracia, em vez de ficar brigando pelo ibope em cima desta tragédia, façam um trabalho sério de conscientização e, sobretudo exigir das autoridades seriedade na administração da coisa pública; conscientizar sobre a necessidade de leis mais duras para punir, começando pelos políticos, administradores públicos e demais autoridades, mas de forma exemplar.

Omissão e comissão são formas de cometer crimes. E neste caso, que punam todos sim, banda, proprietários, prefeito, o segundo escalão, e outras autoridades que deveriam intervir de forma preventiva e não fizeram.

Agora repito, a prisão dos músicos e dos proprietários por si só é questionável juridicamente, ou então que prendam os demais também.

Milton

Juiz de Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 28/01/2013
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