Lenda da Boitatá (Lenda do Sul)

ORIGEM DA PALAVRA E DA LENDA

O nome Boitatá é uma palavra de origem indígena, seu significado é cobra de fogo: mboi ou boia = cobra,e tatá ou atatá = fogo.

A lenda do Boitatá, assim como a palavra, tem origem indígena.

Em nossas pesquisas, encontramos o excelente registro da lenda, no livro Lendas do Sul de J. Simões Lopes Neto. Entretanto, Boitatá é mito em várias regiões do Brasil. Por isso sofre grandes modificações conforme a região. Esse nosso registro foi influenciado pela versão do Sul.

Em são Paulo é conhecido também por Bitatá; no Nordeste como Batatão; e na Bahia como Biatatá.

Em 1560, o Padre Anchieta já relatava a presença desse mito. Dizia que entre os índios era a mais temível assombração.

Os negros africanos, também trouxeram o mito de um ser que habitava as águas profundas, e que saía a noite para caçar, seu nome era Biatatá.

A Lenda do Boitatá está associada a fenômenos luminosos resultantes da decomposição de matéria orgânica, chamados pela ciência de “Fogo-fátuo”, que são os gases inflamáveis que emanam dos pântanos, sepulturas e carcaças de grandes animais mortos. De longe, esses gases parecem grandes tochas em movimento.

DESCRIÇÃO DO MITO

Aparece sob a forma de uma cobra muito grande com dois olhos de fogo enormes, que parecem faróis. De dia, é quase cega, enquanto à noite, vê tudo.

Seu corpo é transparente, que incandesce como se estivesse queimando por dentro. É um fogo de cor azul-amarelado, frio, estéril, pois não queima nem esquenta. O fogo simplesmente rola, gira, corre, arrebentando-se e finalmente apagando-se.

A LENDA

O CENÁRIO

Há muito tempo, nas terras gauchescas, houve uma noite tão longa, parecendo que nunca mais haveria luz do dia.

Na tarde anterior, quando o sol se escondia atrás das pequenas, arredondadas e contínuas elevações dos campos típicos da planície sul-rio-grandense, desabou uma chuvarada, que parecia não ter fim, quase um dilúvio.

Noite escura e velada pela cortina da forte chuva. Noite sem brilho no céu, sem cheiro de pastos maduros e das flores da mataria. Noite só com o ruído da forte chuva.

Após cessar a chuva, então, escuridão e silêncio. Naquela escuridão fechada nenhum mateiro, por mais experiente que fosse, seria capaz de cruzar os campos.

Tão grande era a escuridão, que as pessoas tinham medo de se afastar e não encontrar mais o caminho. Ficavam reunidas em volta das pequenas fogueiras.

No meio do escuro e do silêncio morto, no meio daquela noite sem fim, só o téu-téu cantava o seu quero-quero e mantinha as esperanças dos homens amontoados ao redor do braseiro.

Não muito longe, numa gruta escura, vivia a Boiguaçu - a Cobra Grande - quase sempre a dormir. De tanto viver no escuro, seus olhos tinham crescido e ficado como dois faróis.

Os campos foram inundados, as lagoas não mais suportavam a capacidade de água e transbordaram inundando tudo. Todo aquele volume d’água só não conseguiu fazer desaparecer o topo das pequenas colinas. E, nessas coroas, nessas ilhotas é que a animalada se protegeu.

A inundação quebrou o silêncio. Pios e ganidos de animais apavorados

As cobras navegavam enroscadas nos ramos de plantas flutuantes. Nas copas dos butiás, pequenas palmeiras, abrigaram-se grande quantidade de formigas. No encontro de marolas desgovernadas boiavam ratões e outros pequeninos animais.

O BANQUETE DA BOIGUAÇU

Era muita chuva e encheram todas as tocas, inclusive a da cobra-grande, a boiguaçu que, encolhida, dormia quieta e quase morreu afogada. Então, acordou e saiu rabeando. Era muita chuva. Muitos bichos não resistiram e morreram.

Faminta, boiguaçu desandou a comer as carniças, mas só comia os olhos e nada mais. A água foi baixando, a carniça foi cada vez mias aumentando, e mais olhos a boiguaçu comia.

Entretanto, é bom lembrar que cada bicho guarda no corpo os vestígios do que comeu. A vaca nova, que come trevo maduro, tem seu leite com cheiro de milho verde; pássaro que come peixes, como o socó, o biguá e a garça, conserva o cheiro do pescado até no sangue.

A METAMORFOSE DA BOIGUAÇU

Os olhos nas carniças guardavam, ainda, um pouco da luz assistida pelos animais no derradeiro e luminoso dia, que antecedeu a noite sem fim. Ao mesmo tempo em que a boiguaçu comia os olhos, guardava em seu corpo um pouco do brilho dessa luz.

Assim, o corpo da boiguaçu foi ficando transparente, invadido pelos tantos olhos com pingos de luz que devorou. A boiguaçu transformou-se num clarão de luz amarela com tons da tristeza e desespero, que antecedem a morte violenta de animais.

Tão transformada por seu clareamento e transparência, que os homens não a reconheceram e julgando ser outra cobra, uma cobra de fogo, chamaram-na de boitatá.

Muitas vezes, faminta, a boitatá rondou os povoados. A escuridão acentuava o clarão embaçado de seu corpo. Como vigia, o téu-téu cantava seu quero-quero para avisar.

Curiosos, os homens olhavam admirados para aquela enorme serpente transparente, que contrastava com a escuridão por onde passava. Depois choravam desatinados. Suas lágrimas guardavam a luz cobiçada pela boitatá, já enfastiada dos olhos das carniças.

DESTINO DA BOITATÁ

Com o passar de algum tempo, a grande cobra temida morreu de fraqueza, porque os olhos comidos encheram-lhe o corpo, mas não lhe deram vigor. Então, o corpo da boitatá desmanchou-se e a luz, que estava presa, se desprendeu.

Aquilo que morre se junta à semente de origem, para nascer de novo. A luz da boitatá fugiu à regra e não se juntou com a luz de sua origem. É fogo que rola, gira, corre, corcoveia e apaga-se. Quando menos se espera, reaparece do mesmo jeito.

Tal como alma de gente ruim, seu destino de desatino e solidão promete ser muito longo. Todos os dias, arisca, a boitatá, toda enrolada como uma bola, tatá, de fogo, começa a correr sem rumo até à madrugada.

Alguns afirmam: a boitatá para resgatar seus desatinos, por castigo, ficou encarregada de zelar pelas campinas.e matas.

A serpente de fogo, boitatá é o gênio que protege e promove a preservação do verde. Sempre castiga os que põem fogo no mato.

CUIDAOS COM A BOITATÁ

Quem encontra a boitatá pode até ficar cego. Quando alguém topar com ela só tem dois meios de se livrar:

- se a pé: ficar parado, bem quieto, de olhos fechados, apertados e sem respirar até ela desaparecer; e

- se a cavalo, fazer um grande laço como se fosse prender um boi e atirar-lhe em cima, e tocar a galope trazendo o laço de arrasto, todo solto, até a ilhapa (parte mais grossa do laço). A boitatá acompanha o ferro da argola, mas ao bater numa vegetação rasteira, se desmancha, e esfarinha sua luz. Não pense que se desfez de vez, vagarosamente recompõe-se.

Vaqueiro cauteloso, mesmo que o pasto seja abundante, conduz seu gado para longe da morada da boitatá.

“Boitatá” é nosso registro em rimas da Lenda da Boitatá.

Boitatá

Perdida no tempo, campina gaúcha,

velada por chuva e noite sem fim.

Inundação, rios de carniça,

desentoca Boiguaçu, cobra grande e ruim.

Iluminada pelo brilho da luz do último olhar,

pois tantos foram olhos de carniça a devorar,

que seu corpo virou contas de luz em colar.

Boiguaçu virou Serpente de Fogo! Virou Boitatá!

Boitatá, cobra temida morreu de fraqueza,

pois, miséria alheia é sempre mau manjar.

Seu corpo virou luz de aflição e tristeza,

enrolada, como bola de fogo, num eterno vagar.

Boiguaçu virou Luz errante! Virou Boitatá!

Boiguaçu virou Luz errante! Virou Boitatá!

Quem danos causa, deve resgatar a má ação.

Hoje a luz errante deu sentido ao seu vagar,

hoje e sempre, do verde, cuidará da preservação.

Boiguaçu virou gênio zelador! Virou Boitatá!

Boiguaçu virou Serpente de Fogo! Virou Boitatá!

Boiguaçu virou Luz errante! Virou Boitatá!

Boiguaçu virou gênio zelador! Virou Boitatá!

Boiguaçu virou Boitatá! ! Virou Boitatá!

FONTES

Livro - Lendas do Sul – J. Simões Lopes Neto

“Sites”:

arteducacao.pro.br;

brasilfolclore.hpg.ig.com.br;

educaterra.terra.com.br;

portalsaofrancisco.com.br;

pt.wikipedia.org;

sitededicas.uol.com.br; e

terrabrasileira.net.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 20/08/2012
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