Um novo jeito de olhar
UM NOVO JEITO DE OLHAR
Pois é, cheguei aos setenta anos! Quantas coisas tenho ainda a descobrir! A idade (bem) madura é um tempo de cultivar a sabedoria do silêncio interno, o direito de ficar calado ou dar boas risadas, não quando os outros acham conveniente, mas quando eu entendo oportuno. O idoso, já que ninguém escuta seus “bons conselhos”, se limita a dar maus exemplos... Setenta anos! Costumo dizer aos meus a-migos da minha alegria em fazer o que eu gosto, quando eu quero. Sinceramente, eu tinha medo de não chegar a essa marca; meu pai partiu três meses antes do completá-la. Hoje temo viver demais, atrapalhar os outros e começar a ver (e contar) coisas em repetição...
A minha geração de setentões, Paul McCartney, Caetano Veloso, Chico Buarque, Leonardo Boff, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Pelé, Padre Zezinho e outros, está aí, mais em pé do que os das gerações anteriores. Embora não seja saudosista, assisto contristado a morte do bom senso, da vergonha-na-cara, do respeito, do amor duradouro e da probidade das pessoas. Ser velho não implica em sentir saudades, pois isto todo mundo sente. Velhice é só enxergar para trás e firmar compromissos mórbidos com o passado, sem ver o hoje e sem expectar o amanhã.
Num dia desses marquei encontro com minha mulher na porta de uma loja. Na chegada ela me recebeu com um sorriso tão bonito e alegre como eu, nos cinquenta anos que nos conhecemos, nunca tinha visto.
O fato é que enxergar banaliza aquilo que se deveria ver. A gente passa a enxergar, sem ver. É preciso e salutar, mesmo enxergando os fatos e as visões do cotidiano, procurar ver com olhos de busca e de descoberta. A beleza ao nosso redor não pode ser desperdiçada de forma rotineira e banal. A rotina, depois de algum tempo, faz com que a gente enxergue pessoas, fatos e circunstâncias, sem ver sua riqueza e o valor do seu conteú-do. O chato da idade não é a visão diminuída e ter que usar lentes para enxergar melhor. A vista cansada é aquele saudosismo de quem teima obstinadamente que todos os fatos bons e as coisas bonitas estão no passado.
Hemingway, em uma de suas obras, recomenda que se contemple as imagens como se fosse a última vez. Eu acho que não deve ser assim, mas deslumbrar-se como se fosse a primeira mirada. Olhar pela última vez é deprimente, pois nos lembra despedidas. A gente deve estar sempre aberto para reencontros e novas descobertas.
O espírito inquieto, o contrário do acomodado, deve estar sempre
curioso. Já escutei um orador dizer que felicidade é ter olhos de cego, para ver melhor, coração de caipira, para intuir a verdade, e cabeça de poeta para ser sensível ao amor. Nos olhos gastos e opacos pela rotina e pelo negativismo se instalam as piores doenças: o pessimismo e a indiferença
Um dia meus olhos vão se apagar, mas meu espírito se regozijará por tudo aquilo que consegui ver, na alegria de uma vida que valeu a pena. Sei quantos anos tive para trás, mas não sei quantos mais terei pela frente. Mesmo assim, quero sempre alimentar um novo jeito de olhar...