REENCONTRO COM PAGLIACCI
“Um daqueles casos extremamente raros, onde poesia e música se unem no teatro com um resultado artístico mais poderoso do que pode apresentar qualquer uma das artes sozinha”.
Crítico alemão sobre “I Pagliacci”
Meu pai conta que, nos seus vinte e poucos anos, solteiro, um dia pegou um trem de manhã, chegou a São Paulo à tarde e à noite , extasiado, foi ver um filme , em branco e preto: I Pagliacci.
Ele — um homem que, apesar de comerciário, sempre com baixos salários, me ensinou a ouvir boas músicas — sempre amou a música italiana e permitiu-me crescer ouvindo Caruso como Canio, na ópera “I Pagliacci”, e, como Radamés, em “Aída”, dentre outros: Verdi passou a ser meu preferido.
Mas eu ouvia, entre uma ópera e outra, naqueles discos pesadíssimos de 78 rotações — sempre com um chiado, hoje, nas minhas recordações, agradavelmente infernal — músicas como “Ribeira”,do Trio Marabá, “Não Vou Brincar”, de Mário Zan, “Ave Maria Lola” , com Carlos Argentino, “Malagueña”, com Caterina Valente, “Vasco x Arsenal”, uma narração do humorista Zé Fidelis, “Eu sou o vento”, com Mario Augusto, “Sofia”, com Francisco Alves, “Czardas”, com Al Gallodoro ao saxofone, “L’ultima Esperanza”, com Carlo Buti: era um banho de Continental, Polydor, Star, Odeon, RCA Victor, Columbia, Seeco, nos selos monocromáticos, ou austeramente criados em preto e prateado, das diversas gravadoras, muitos adquiridos na Casa Carlos Gomes, da Amador Bueno, 484.
Bons tempos aqueles, revividos agora, em parte, numa noite chuvosa de dezembro, no Theatro Pedro II, ao som do Coral Minaz, em Pagliacci , de Leoncavallo.
“Vesti la giubba e la faccia infarina”, trouxe-me à memória meu pai, ainda jovem, repetindo para mim o trecho em bom italiano, e explicando-me o que significavam as palavras, e qual o contexto em que estavam sendo ditas/cantadas: eu então, imaginava a cena, a orquestra, a reação da platéia.
Diante do vitrolão construído em boa e resistente madeira escura, ele e meus tios se reuniam na sala para ouvir Pagliacci, enquanto o almoço do domingo ficava pronto: e eu, ali ao lado, tentando entender o motivo de tanta introspecção, de tanta seriedade, de tanta emoção: e eles, de vez em quando, me explicavam os trechos mais envolventes dessa ópera extraída de um caso trágico, presenciado por Leoncavallo quando criança, num pequeno teatro napolitano, em que , durante a apresentação de uma peça na qual abundavam cenas fortes de amor, o ator principal matara realmente a heroína — que, na verdade, era sua esposa, e o traía com o criado.
A vibração do público presente ao Theatro Pedro II, não chegou nem de perto àquela vista, após a primeira apresentação de “ I Paglicci” , no teatro Dal Verme, em 1892, quando Leocavallo foi obrigado a aparecer no palco doze vezes, e a ária “Vesti la giubba” foi bisada e aclamada, mas todo o grupo — cantores, músicos, Gisele Ganade ( Diretora Artística) , Achille Picchi (Regente) — foi aplaudido de pé durante alguns minutos.
Para mim, em particular, destaco a apresentação de um ex-aluno do Colégio Anchieta, Camilo Calandreli, barítono, no papel do amante Sílvio. Camilo, hoje, é companheiro de trabalho, como professor de música, na mesma escola.
Espero que a Prefeitura, por meio de sua Secretaria da Cultura, e a administração do Theatro Pedro II continuem a apoiar esse tipo de iniciativa.
Bravo, bravíssimo.
“La commedia é finita ! ...
ANTÔNIO CARLOS TÓRTORO