GIBSON E O “ TATU SUBIU NO PAU “

Há muitos anos não vou ao cinema pois não suporto — o que hoje é comum devido à falta de educação de muitos que pensam estar na sala de TV de suas residências — gente conversando ao meu lado, durante qualquer tipo de apresentação .

Por isso , um dia desses , minha filha levou-me o , lançado recentemente, DVD , “ A Paixão de Cristo “ , de Mel Gibson , e comentou : não chorem muito.

Terminado o Fantástico , copo de suco nas mãos , umidade do ar beirando os 5% , ventiladores ligados , cachorro acomodado , telefones desligados, preparei-me para ver a obra prima que custou US$ 30 milhões e rendeu , só nos EUA , mais de US$ 370 milhões , ficando em cartaz , no Brasil , 23 semanas.,

Logo no início , não gostei daquele Cristo chorão , lamuriante , que me fez pensar : como ele agüentará o festival de bordoadas que virá por aí ?

Em seguida , não fui com a cara dele ( Jim Caviezel ) : não é , nem de perto, o meu protótipo de Cristo , não é o Cristo que eu sempre imaginei quando eu ouvia , comovido , desde menino, as famosas interpretações dos atores da Rádio Nacional , durante as Sextas-Feiras da Paixão .

Na Via Crucis , não gostei de Jesus com aquele olho direito fechado , cara de “borracho” , e corpo que mais parecia estar coberto por uma luva gigante, logo após ter sido usada numa cirurgia — látex e “sangue” .

Maria , que Deus me perdoe , sempre apareceu fraca , impotente , chorosa, muito longe daquela Maria que aprendi a admirar como a Mãe de Deus . A presença feminina foi salva pela presença da lindíssima Maria Madalena ( Mônica Bellucci ) e do demônio andrógeno ( Celentano) , perdido numa história contada como se fosse um trailer , um clipe , e o pior , só bem compreendida por alguém que já sabe da história.

E por falar em saber da história , aquele furo redondinho , que aparece no final do filme , na palma da mão do ressuscitado , que quiseram fazer entender que seria uma chaga , todos sabemos que não deveria ser na mão, mas, sim, num tendão do pulso , fruto de um cravo , e não prego, como se costuma informar — cravo é cravo e prego é prego .

A violência para a qual me preparei , pareceu-me ridícula , exagerada , de mau gosto, e as cenas que são básicas e fundamentais — a Ressureição , a Santa Ceia , por exemplo — em qualquer filme que verse sobre a Paixão de Cristo , foram quase mostradas “em passant” , flashbacks , não permitindo uma interligação lógica entre os fatos que tornaram tão importante, para os cristãos, o Novo Testamento .

Então , no final do filme , mergulhado numa frustração profunda, levada pela expectativa criada em mim pelo excelente marqueteiro Gibson , lembrei–me de uma história que meu pai sempre me contava sobre um filme a que ele assistiu a respeito do mesmo tema , nos idos da década de vinte.

No cinema mudo , havia um pianista nas salas de concerto, encarregado de criar climas para as cenas , improvisando sobre um repertório próprio, conforme sentia as imagens , e que, geralmente, cumpriam uma função meramente ilustrativa. No momento da crucificação , o músico do dia , sem opção naquele momento , sem dó nem piedade , sapecou uma famosa marchinha de Carnaval de 1923 , de Eduardo Souto , Tatu subiu no pau ...

Um filme em línguas mortas , uma salada de latim e aramaico (o que não deixa de ser uma novidade ), mas tudo muito falso e caricatural : quase chorei , desapontado.

Tórtoro
Enviado por Tórtoro em 13/07/2005
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