MISSIONÁRIOS: OFERECEM SALVAÇÃO OU PERDIÇÃO?

O cristianismo é a maior religião do mundo em número de seguidores. Nascida de uma das costelas do judaísmo, a religião foi cimentada sobre os ensinamentos de Jesus Cristo. O que surgiu como mais uma entre milhares de seitas, ganhou corpo, expandiu para fora dos limites da Judeia e conquistou feitos importantes como se tornar a religião oficial do Império Romano. A partir daí ganhou mundo e está em todos os continentes, com mais de 2 bilhões de fieis. O ponto determinante para que o cristianismo alcançasse status de uma religião universal e presente em tantas culturas está no evangelho de Marcos (16:15): “Ide por todo mundo e pregai o Evangelho a toda criatura”. A ordem, atribuída a Jesus, é o motor que move os fieis a converterem novos adeptos. É quase que automático: aderiu à fé cristã, traga alguém consigo.

A história é testemunha que nem sempre essas conversões se deram sobre a graça do convencimento retórico. Algumas vezes a espada foi empunhada e tratou de se impor como argumento. A Igreja Cristã engrossou suas fileiras de membros por diversos recursos. Nem todos tinham exatamente a ver com a propagação do amor de Cristo pelas pessoas. Em alguns casos, a barbárie e o horror serviram muito mais que a compaixão para arregimentar soldados para o exército de Deus. Quando se tocava o terror, era questão de sobrevivência professar a fé cristã. Para não morrer o mais incrédulo dos homens pode tornar-se o mais fervoroso arauto do evangelho.

Mas não serão objetos de reflexão aqui as cruzadas, as fogueiras santas e outras modalidades hostis de evangelização, como a violência cultural. Imaginemos o trabalho evangelístico pela ótica do missionário. Imaginemos o trabalho missionário à luz da explicação bíblica. Consideremos os nobres e sagrados motivos. Tomemos como ilustração o evento da conquista das Américas pelos europeus. Os colonos viram no mundo novo um eldorado a ser explorado, muito superior aos tesouros guardados em baús no fundo do mar. Os cristãos viram no mundo novo um terreno fértil a se plantar a semente do evangelho.

Algumas considerações de ordem histórica merecem ser feitas: estamos em um recorte de tempo que corresponde ao final do século XV e início do XVI, com a Europa em plena ebulição por conta da Reforma Protestante, que iniciava a cisão entre católicos e protestantes. O império católico sofrera um grande abalo e estava prestes a enfrentar perdas terríveis: de fiéis, de credibilidade e de poder. A Contra-Reforma, contragolpe impetrado pela Santa Sé contra os movimentos protestantes, não encontrou solo mais propício para crescer do que o paraíso do novo mundo. Além de catequizar os gentios das Américas, a fé cristã iria domesticá-los para a nova realidade: o domínio europeu além-mar.

Explicações superficiais postas, cabem agora algumas considerações teológicas. Segundo a interpretação da Bíblia feita pelos cristãos, há dois destinos além-túmulo para o ser humano: céu e inferno. Na primeira opção, que corresponde a um prêmio aos bem comportados, os fieis irão gozar eternamente de paz, felicidade e perfeição, ao lado de Deus. Na segunda opção, que seria um castigo aos desobedientes, um lago de fogo a queimar sem descanso espera os sentenciados, para uma estada infinita ao lado de Lúcifer. Ainda de acordo com a teologia cristã, quem crer em Jesus, se arrepender dos pecados e viver uma vida de expiação, merece ser salvo. Até aí parece bem simples a regra. O problema surge quando não se sabe o que fazer com as almas que viveram em períodos anteriores a Cristo ou que não tiveram nenhum tipo de acesso aos seus ensinamentos. Entre tantos exemplos, fiquemos com o caso dos povos pré-colombianos que habitavam as Américas. Até a conquista de suas terras pelos europeus, eles não tiveram qualquer informação da existência de Jeová, Jesus, Bíblia, céu, inferno e outros componentes do cristianismo.

Considerando que o ato missionário tem por fim último salvar a alma do incrédulo, é relevante considerar dois cenários de possibilidades quanto aos pré-colombianos: no primeiro, todos os que morreram até a chegada dos missionários cristãos, foram para o céu, já que não tiveram qualquer chance de conhecer ao Deus cristão, a Jesus, a Bíblia e ao evangelho. Seriam salvos pela ignorância. No segundo cenário, todos os ameríndios estariam condenados ao fogo do inferno, sem dó nem piedade. Acontece que essa tese iria expor a injustiça de Deus, por condenar sem oferecer qualquer chance de redenção. Lembrando que um dos atributos de Jeová é a justiça, seria mais lógico especular, dentro da engenharia cristã de salvação, que todos os pré-colombianos alcançaram a salvação divina, mediante o desconhecimento das leis de Cristo. Ou seja, não precisavam renunciar aos prazeres e aos pecados para herdarem o descanso eterno. Até a chegada dos missionários estavam 100% salvos. Então, conclui-se que os evangelizadores não vieram trazer a salvação e sim a possibilidade de perdição. A partir do momento que os sermões foram apregoados, todos os americanos tinham que abandonar seus hábitos tradicionais, considerados pagãos, sob pena de virar churrasco infinito no inferno. Tinham que lutar com unhas, dentes e flechas por algo que já tinham sem qualquer esforço ou exercício de consciência.

Por essa lógica, tomada emprestada das doutrinas cristãs, o trabalho missionário não teria qualquer sentido. No plano prático não teria nenhum efeito, considerando que se por desconhecimento estão todos salvos, é interessante que assim permaneça, pelo menos levando em conta que o desejo de Deus é que o maior número possível de almas sejam livradas do inferno. No plano da motivação, ou seja, que o missionário faz seu trabalho por amor à alma do incrédulo, também não faz sentido. É lógica e sensata a seguinte ilustração. Você é chamado para o Jogo do Milhão. Duas opções: você simplesmente ganha o milhão sem ter que responder a qualquer pergunta ou é submetido a um quiz com dez questões. Se acertar as dez você ganha o milhão. Se errar qualquer uma das perguntas você perde tudo. Em sã consciência todos escolheriam a primeira opção.

Dentro das diretrizes e crenças do cristianismo, o ato missionário não vai de encontro ao amor à alma do próximo nem ao povoamento do céu. Há outras razões que impelem o missionário a se lançar a essas aventuras, mas à luz da lógica e da razão, certamente não são as duas opções aqui colocadas.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 04/09/2011
Reeditado em 04/09/2011
Código do texto: T3200741