MELHOR IDADE? PARA QUEM?

Temos presenciado – por praticamente todos os meios de comunicação – uma verdadeira avalanche de campanhas relacionadas com a terceira idade, prova notória de que nosso país está envelhecendo: o país do futuro, deixou de lado o presente para pensar no passado. E não se trata de uma triste e infortunada constatação: é um fato irrefutável e incontestável. As preocupações, agora, são direcionadas aos idosos e não mais aos jovens. Concentremo-nos, pois, naqueles que tem mais de sessenta anos e não mais naqueles que tem menos.

As evidências não deixam dúvidas: a medida que o país envelhece o sonho se desvanece e com ele todas as expectativas que nossos pais e avós haviam conjecturado sobre o país das oportunidades e de um futuro melhor. Estamos no futuro (ou melhor, no presente) e, deste modo, estamos fadados às agruras de um futuro que tem mais cara de passado.

Políticas públicas estão sendo criadas e/ou revestidas com uma orientação para o idoso, que além de estatuto protetivo, possui uma série de benefícios oriundos apenas e tão somente do fato de ter envelhecido. Tal qual um prêmio por tornar-se decrépito, por não ter mais uma boa visão, uma boa audição, um bom olfato, merece ele uma premiação maior: um conjunto de medidas legais que o protegem (de quem?), importando apenas que ele possa usufruir a “melhor fase da sua vida”(!).

Que me perdoem os leitores, mas não consigo esconder o escárnio que tal assimilação publicitária demonstra para quem olha nas entrelinhas, posto que envelhecer é parte de um processo maior chamado viver: nascemos, crescemos, reproduzimos e, depois, envelhecemos e morremos. Um ciclo biológico inevitável e necessário à renovação da própria existência humana. Não que seja um processo tranquilo, porque não o é. É, na verdade, doloroso, problemático e repleto de sofrimentos.

Quando alguém afirma que podemos envelhecer com qualidade eu não tenho qualquer argumento contrário, posto que somos, na velhice aquilo que cultivamos ao longo da vida: os excessos serão punidos e a prudência será premiada.

Porém, mesmo assim não creio que seja possível envelhecer sem um certo (?) grau de sofrimento.

Quando envelhecemos todo o nosso corpo (que é sistêmico), inicia uma marcha em direção à decrepitude, marcha essa (acreditem) que, segundo especialistas, inicia-se lá pelos trinta anos – sendo certo que há alguns mais radicais (eles existem, mesmo!), que afirmam sem hesitar que tal processo inicia-se após completarmos dezoito anos(?).

Nossa visão enfraquece e fica turva, não somos mais capazes de ler bulas de medicamentos, especificações de equipamentos tecnológicos, e, mais além, nada além das manchetes das revistas. São óculos e mais óculos que vão se sucedendo, demonstrando que já não somos mais os mesmos que éramos até então.

Nossa audição perde qualidade. Em alguns momentos precisamos nos esforçar muito para entender o que algumas pessoas à nossa volta estão comentando – principalmente se o assunto for sobre nós e nosso envelhecimento – percorrendo um trajeto em declínio rumo à incapacidade de sermos sensíveis a pequenas observações sagazes e comentários espirituosos.

Nosso sistema (corpo humano), começa a apresentar pequenas falhas de funcionamento – muito parecido com um equipamento em obsolescência – demonstrando que dificuldades virão e serão diversas (algumas esperadas e outra indesejadas). A respiração fica falha ou dificultada, entrecortada por espasmos ou pigarros (excesso de nicotina que, até então, acreditávamos que não era tão maléfica quanto diziam).

A alimentação e a digestão tornam-se um verdadeiro martírio, celebrando expressões como “ter uma manhã espetacular” querendo significar apenas e tão somente que as fibras consumidas anteriormente fizeram o devido efeito. Ou ainda, que “uma noite maravilhosa” representa apenas a constatação de que não precisamos nos levantar de hora em hora para urinar.

Quanto ao nosso cérebro a decepção é maior ainda porque sabemos bem que os neurônios que morrem não são substituídos por novos – aquilo que eu mesmo denominei de “endurecimento do radicalismo” – demonstrando que não somos mais afetos à inovação e rejeitamos pensamentos ou opiniões divergentes. Concordamos com tudo apenas para não nos irritar e olhamos os mais jovens como nossos inimigos mortais, posto que eles podem aquilo que nós jamais poderemos.

Me perdoem mais uma vez, mesmo sabendo que isto não é digno de perdão, mas eu ainda pergunto: “melhor idade? Para quem?”. Para nós, com certeza, não o é, e para os outros a consideração é a mesma. Não podemos mais caminhar livremente de manhã, sem que algum idiota queira nos ajudar. Não podemos sair sozinhos sem que alguém diga que não somos mais capazes de fazê-lo sem ajuda. Não podemos confiar em nossos instintos, pois nem mesmo eles são mais confiáveis.

Enfim, a quem interessa a terceira idade: às seguradoras, às agências de viagens e turismo, aos hospitais e planos de saúde, aos hotéis e “resorts” que se especializam em nos atender cada vez mais e melhor (a um módico preço, é claro). Apenas a eles interessa uma política da terceira idade. Algumas vezes, aos nossos familiares mais próximos, até mesmo porque dependemos deles para a escolha do “melhor asilo”, posto que ficar com idoso é uma coisa extremamente chata e inconveniente.

No campo empresarial a aposta na terceira idade refere-se apenas e tão somente à possibilidade de usufruir de situações preferenciais do idoso para favorecer o negócio. A balela de que aproveitar um profissional idoso pela sua experiência serve apenas de elemento corta luz para a realidade dos fatos: o interesse do capital sobre o trabalho.

À guisa de comentário relevante sobre este tema, destacamos o excerto abaixo transcrito:

“As desigualdades sociais vigentes em nosso país tornam-se mais agudas na velhice, principalmente quando consideramos que as transformações sociais, econômicas e culturais desenvolvidas nos últimos anos com o rápido processo de urbanização, provocam o enfraquecimento das relações na comunidade e na família, tradicionais suportes na integração e cuidados ao idoso.

Pensar a velhice na lógica capitalista, com base em Silva Sobrinho (2007, p. 15), na qual vários sentidos são atribuídos a esta categoria idade, significa indagar-se sobre as designações dadas a este sujeito: velho, idoso, ancião, velhinho, terceira idade, melhor idade. O que se oculta por trás de cada terminologia? Segundo o autor, “tais palavras funcionam como paráfrases do discurso sobre a velhice, carregam conflitos, delimitam fronteiras entre o dito e o não-dito e demarcam posições de sujeitos”.

Quando investigou a velhice, Silva Sobrinho constatou que as valências positivas para pessoas desta faixa etária estavam vinculadas, em sua maioria, aos que conseguiram estabilidade financeira e que por conta disso permaneciam ativos socialmente, a partir de grupos, como o do Serviço Social do Comércio (SESC). Por outro lado, aqueles que tiveram uma história de vida marcada por situações de pobreza ou miserabilidade, apresentam doenças várias e terminam na solidão dos asilos. Ou seja:

Não é demais lembrar que o perfil do “velho” que vive em asilo, [...] é o de um trabalhador com escolaridade baixa: a maioria não concluiu o primário [...] são trabalhadores de baixa renda que exerceram atividades laborativas (entre as atividades, destacamos o corte de cana e o trabalho doméstico). [...] Começaram a trabalhar muito cedo, uma vida de exploração e cansaço [...]”. (SILVA SOBRINHO,2007).1

Ademais, éramos sábios, porque éramos poucos. Porém, a medida que nosso número aumentou ficamos desinteressantes e ocupamos muito espaço físico e intelectual, deixando para trás as novas ideias e as novas possibilidades. O novo não é nosso inimigo, porém não nos sorri como deveria.

Mais uma vez peço desculpas se há exagero em minhas palavras, ou ainda se vozes discordantes reinarão sobre a minha, mas de fato não sinto nada de positivo em tudo isso. Envelhecer dói, e dói muito e quem assim não pensa ou porque está cegado pelo seu próprio umbigo, ou porque acredita que a vida vai lhe dar “uma segunda chance”.

Não há segunda chance para viver, posto que a vida não vem com um manual de instruções que nos mostre onde devemos para e pensar e onde devemos ir sempre em frente. O envelhecimento integra nossa existência, tornando-nos próprios para o momento seguinte: a morte.

Acredito que o processo de envelhecimento seja um caminho em direção à morte, um preparo para o fim. E não vejo nada de funesto ou impróprio. Trata-se apenas de uma evidência do existir humano. A decrepitude, bem como as limitações que a acompanham, são uma demonstração inequívoca que assim como nascemos, crescemos e nos desenvolvemos, tal procedimento funciona da mesma maneira que o processo dialético, com o detalhe de que a síntese é o fim de nossa existência. Como alguns costumam dizer: morremos porque estamos vivos e envelhecemos porque não podemos ser eternamente jovens.

Aliás, vida eterna, caso ela realmente fosse possível, com certeza seria algo entediante. Que graça haveria em viver para sempre? A emoção da vida é a sua incerteza quanto à existir, bem como a certeza do fim: sabendo que apenas levaremos nossas lembranças e experiências. Viver é algo fantástico, mas como tudo na razão humana também deve ter um fim. Quem acreditaria em um orgasmo infinito? Apenas o idiota que também acreditasse em vida eterna.

Quando nosso corpo envelhece, nossa alma enobrece, e embora isso possa soar com certa ironia, é na verdade, pura poesia. O Criador não nos fez frágeis e falíveis por acaso; nem mesmo para parecer racional; Ele nos fez assim para que a poesia da vida tivesse sentido apenas no fim, quando tudo nos parece muito melhor. O sorvete fica mais saboroso, o sexo fica mais gostoso, as paisagens parecem mais coloridas. E tudo isso porque não soubemos aproveitar no tempo certo.

Ah! O tempo, um inimigo que a cada novo dia mais se parece com um velho conhecido. Aprendemos a lidar com ele, manejá-lo em nosso favor. E quando achamos que temos o total controle sobre ele, vem a cansaço do cotidiano, a massificação do “ter” ao invés do “ser”, a derrota do salário e das dívidas, a purgação de nossas almas envelhecidas e cansadas, apenas porque não soubemos dar ao tempo o seu merecido valor.

Apenas pensamos que compreendemos a mágica da vida, mas a bem da verdade e da justiça ela não vem acompanhada de manual de instruções que nos orienta como fazer e como fazer sempre melhor. Tolos nos tornamos por acharmos que o processo de envelhecimento é um castigo quando se trata de um aprimoramento da alma que, transcendendo o corpo estimula nosso espírito a singrar o melhor dos mares e aproveitar o melhor dos ventos.

Envelhecer dói sim, mas dói porque não sabemos como envelhecer. E vem o legislador que, debruçando-se sobre um projeto de lei acha que a instituição de um estatuto do idoso é mais que suficiente para nos apoiar no momento em que o que mais precisamos não é apoio, mas de suporte, de facilitação (sabe, aquela história de ensinar a pescar ao invés de nos dar o peixe, mesmo quando detestamos pescaria!).

Afinal, o que sabemos é que nada sabemos sobre envelhecer, apenas que é um processo doloroso porque não aprendemos a nos desvencilhar das amarras do tempo. E, sobre este aspecto, lembramos do texto contido no Livro do Eclesiastes, capítulo três, versículos de um a vinte e dois, o qual abaixo transcrevemos com alguns destaques.

Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.

Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;

Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;

Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;

Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;

Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;

Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;

Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.

Que proveito tem o trabalhador naquilo em que trabalha?

Tenho visto o trabalho que Deus deu aos filhos dos homens, para com ele os exercitar.

Tudo fez formoso em seu tempo; também pôs o mundo no coração do homem, sem que este possa descobrir a obra que Deus fez desde o princípio até ao fim.

Já tenho entendido que não há coisa melhor para eles do que alegrar-se e fazer bem na sua vida;

E também que todo o homem coma e beba, e goze do bem de todo o seu trabalho; isto é um dom de Deus.

Eu sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe deve acrescentar, e nada se lhe deve tirar; e isto faz Deus para que haja temor diante dele.

O que é, já foi; e o que há de ser, também já foi; e Deus pede conta do que passou.

Vi mais debaixo do sol que no lugar do juízo havia impiedade, e no lugar da justiça havia iniquidade.

Eu disse no meu coração: Deus julgará o justo e o ímpio; porque há um tempo para todo o propósito e para toda a obra.

Disse eu no meu coração, quanto a condição dos filhos dos homens, que Deus os provaria, para que assim pudessem ver que são em si mesmos como os animais.

Porque o que sucede aos filhos dos homens, isso mesmo também sucede aos animais, e lhes sucede a mesma coisa; como morre um, assim morre o outro; e todos têm o mesmo fôlego, e a vantagem dos homens sobre os animais não é nenhuma, porque todos são vaidade.

Todos vão para um lugar; todos foram feitos do pó, e todos voltarão ao pó.

Quem sabe que o fôlego do homem vai para cima, e que o fôlego dos animais vai para baixo da terra?

Assim que tenho visto que não há coisa melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque essa é a sua porção; pois quem o fará voltar para ver o que será depois dele?

Tudo tem o seu tempo de ser e de existir e nada existirá além desse tempo, porque apenas o amor, a fé, a esperança e o sorriso perduram acima dos homens. Pensemos nisso enquanto vivemos e envelhecemos aprendendo que somos apenas uma infinitesimal partícula do amor Divino e que a ele retornaremos apenas com nossas lembranças, nossos sonhos e nossas expectativas de uma existência cada vez melhor.

Abraços Fraternais a todos.