MISSÕES E ACULTURAÇÃO
Quando se sai a missionar, leva-se uma cultura. Essa cultura é feita de padrões, normas, rituais, tradições, critérios, crenças, modelos de comportamento. Ao fazer-se missões, sempre se transmite cultura, por muito que se pretenda ser culturalmente neutro, pregando simplesmente o Evangelho, sem qualquer outra intenção.
Os modelos sociais e religiosos da cultura de origem do missionário manifestam-se, ou insinuam-se, na abordagem que ele faz às pessoas e aos grupos.
Missionar é como construir um edifício. Quem vem de fora e constrói uma casa, constrói-a, geralmente, de acordo com o estilo das casas do país ou da região de sua procedência. Até muitos dos emigrantes retornados à terra donde partiram fazem isso. O missionário é levado quase sempre a construir segundo o modelo dominante na terra e no grupo de onde veio. Isto transparece nas formas litúrgicas do culto; nos materiais transferidos, alguns traduzidos e, na melhor das hipóteses, adaptados; nas ênfases dadas; nos métodos utilizados, etc..
Por vezes, os próprios naturais se acomodam a essa “invasão”, favorecendo, ou incrementando até, essa espécie de “colonização” cultural.
Considerar, a priori, que o que dá bom resultado num determinado ambiente há-de produzir idênticos resultados noutro, ou seja, o simplismo de transplantar cultura como quem faz transplantações de espécies vegetais, de região para região, é uma das causas do insucesso e do descrédito de certas organizações missionárias.
É muito louvável o espírito e a acção missionária, na justa medida em que representem generosidade, partilha, serviço desinteressado. Quando assim é, o missionário começa por se integrar, ele próprio, como Paulo, fazendo-se "... judeu para ganhar os judeus .... fraco para os fracos, para ganhar os fracos ... tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns" (I Coríntios 9,19-27). É ele, o missionário, quem, por força da sua vocação, precisa de se adaptar. E de, estudando as características históricas, sociais e psicológicas do povo a que foi enviado, ajudar a erguer, com os naturais, um edifício novo, trocando ideias e materiais, para obter resultados que tenham um cunho de originalidade, sem intransigência nem assimilação passiva. É preciso cooperação. E cooperar é trabalhar lado a lado. Não para impor esquemas ou sistemas importados, mas para dar um contributo que se adeqúe aos critérios, prioridades e sensibilidade peculiares daquele povo e daquele grupo em particular.
Em missões (como aliás em qualquer outra actividade) seria repugnantemente exploratório e subornante, exercer pressões pela contrapartida financeira, como um negócio de “aceita que eu pago” ! Todavia, não estão isentos desta crítica certos missionários e organizações missionárias que, inflexivelmente, pelo argumento do poder material e duma pretensa superioridade imanente, dominam as instituições com os seus agentes, impondo estruturas e metodologias editadas, testadas (!?) e estabelecidas na e pela organização “materna”, no país de origem.
E quando se trata de organizações missionárias internacionais, de cariz mais ou menos hierárquico e rígido, menos espaço resta para a expressão da identidade dos grupos missionados, na assunção da sua diversidade e da sua especificidade.
Missões implicam um encontro de culturas. Que haja intercâmbio criativo, compartilhado, muito bem. As culturas não são superiores nem inferiores, são diferentes. Das trocas, podem resultar transformações de parte a parte. Mas sem força nem violência (Zacarias 4, 6).
Sem a subtileza do aceno da moeda forte, exigindo subserviência; sem a promessa de recursos humanos, de fora, se ...
Quando a globalização acentua ainda mais esta problemática, é necessário voltar ao Cristo. Ele é o Missionário por excelência. Vindo “doutra Pátria”, Ele se fez Homem, e se identificou plenamente com o seu povo adoptivo (Filipenses 2, 5-8). Vestiu-se como eles, habitou com eles, comeu com eles, e com eles partilhou dos seus problemas e anseios. "... sendo rico se fez pobre ..." (II Coríntios 8, 9), pois "... não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida..." (Mateus 20, 28). E assim transmitiu a Boa Nova, oferecendo-se à Humanidade. Em vez de nos condicionar a novos esquemas e de introduzir novos regulamentos legalistas, Ele chamou-nos à liberdade, ao amor, à sinceridade, à alegria de viver. Em lugar de normas, Jesus propôs valores. E de tal maneira os viveu, no convívio com os desprezados, no atendimento dos carenciados, na denúncia da hipocrisia dos religiosos presumidos e autoritários, de tal maneira o fez que se comprometeu.
É claro que há missionários dignos e honestos. Estes são os que se comprometem. Comprometem-se primeiro com Jesus Cristo, que os chamou, e comprometem-se com aqueles a quem vão levar a Sua mensagem.
Leiria, Portugal - Março/2011