Dogmas.
Passemos afinal ao ponto capital deste trabalho e que gira em redor do último termo em questão: dogma. Diga-se antes de tudo que ele se origina do verbo grego «dokein» (pensar), significando, na verdadeira acepção etimológica: pensamento, doutrina, convicção. Os antigos queriam significar com essa palavra unia firme resolução e uma decisão de autoridade, quer no campo da Ciência, quer no da vida do Estado. Neste Último sentido encontramo-la no bojo da própria Bíblia, como podemos verificar dos seguintes exemplos:
“Se bem parecer ao rei, decrete-se que sejam mortos, e nas próprias mãos dos que executarem a obra eu pesarei deles dez mil talentos de prata que entrem para os tesouros do rei” (Et. 3-9); “Saiu o decreto, segundo o qual deviam ser mortos os sábios; e buscaram a Daniel e aos seus companheiros, para que fossem mortos.” “Agora, pois, ó rei, sanciona o interdito, e assina a escritura, para que não seja mudada, segundo a lei dos medos e dos persas, que se não pode revogar” (Dn. 2-13 e 6-8); “Naquele dia foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do império para recensear-se” (Lc. 2-1); “Ao passar pelas cidades, entregavam aos irmãos, para que observassem, as decisões tomadas pelos apóstolos e presbíteros de Jerusalém.” “Aos quais Jasom hospedou. Todos estes procedem contra os decretos de César, afirmando ser Jesus outro rei” (At. 10-4 e 17-7); “Aboliu na sua carne a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse em si mesmo novo homem, fazendo a paz” (Ef. 2-15); “Tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz” (Cl. 2-14); “Pela fé, Moisés, apenas nascido, foi ocultado por seus pais, durante três meses, porque viram que a criança era famosa; também não ficaram amedrontados pelo decreto do rei” (Hb. 11-23).
Ora, com o tempo a palavra foi ganhando sentido mais radical e acabou por traduzir o ponto fundamental e indiscutível duma doutrina religiosa e, por extensão, de qualquer doutrina ou sistema. Acabaria por significar, ainda, o conjunto das doutrinas fundamentais do Cristianismo, segundo proposta dos alexandrinos. Desde o quarto século, paulatinamente tem início a restrição do termo às doutrinas de fé. O dogma, assim, não há de ser palavra tão feia, tal como muita gente pensa. Até que é bastante inocente. Começa entretanto a assustar quando é adjetivada. Por exemplo: o dogma católico (“dogma catholicum”). Ganha então um significado Inteiramente novo e muito diferente daquele comum, não tanto pelo que exprima, mas pelas premissas que lhe antecedem a decretação. No caso especifico desse dogma temos então “uma verdade religiosa revelada sobrenaturalmente por Deus e, como tal, proposta a crer pela Igreja” (“Teologia Dogmática”, de Bernardo Bartmann, pág. 15 da 1ª edição brasileira). E enquanto o clero cuidasse apenas de propor realmente dogmas cristãos, extraídos do Evangelho, não seria tanto de se condenar sua atitude, senão apenasmente na parte em que margeia a Razão e interpreta a BoaNova a porta fechadas, a pretexto dum carismo que se arrogou arbitrariamente ou da pretensa assistência privilegiada do Espírito Santo. Por isso, com esse nome a Igreja passou a propor (antes, impor) uma série de tolices e absurdos, subproduto de concílios solenes e abusivos decretos papais. Vejamos um pouco mais o que o erudito Bernardo Bartmann ensina na sua “Teologia Dogmática”, à página 16 da edição citada:
“Visto que o dogma, tomado em sentido estrito exige a Revelação sobrenatural, segue-se daí que as verdades que a Igreja ensina, não hauridas porém naquela fonte, são dogmas impropriamente ditos.” Note-se que é um respeitável membro do clero que, honestamente, faz a afirmativa, contrariando, de certa forma, o normal comportamento da cúpula eclesiástica. Difícil se torna, contudo, convencê-la, a ela, a Igreja, de quanto se afasta, deliberada ou inocentemente, das fontes da Revelação na maioria, na grande maioria dos seus dogmas
Indissolubilidade do Casamento
1 – E chegaram-se a ele os fariseus, tentando-o e dizendo: É porventura lícito a um homem repudiar a sua mulher, por qualquer causa? Ele, respondendo, lhes disse: Não tendes lido que quem criou o homem, desde o princípio os fez macho e fêmea? E disse: Por isso, deixará o homem pai e mãe, e ajuntar-se-á com sua mulher, e serão dois numa só carne. Assim que já não são dois, mas uma só carne. Não separe logo o homem o que Deus ajuntou. Replicaram-lhe eles: Pois por que mandou Moisés dar o homem à sua mulher carta de desquite, e repudiá-la? Respondeu-lhes: Porque Moisés, pela dureza de vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas ao princípio não foi assim. Eu, pois, vos declaro, que todo aquele que repudiar sua mulher, se não for por causa da fornicação, e casar com outra, comete adultério, e o que se casar com a que o outro repudiou, comete adultério. (Mateus, XIX: 3-9)
2 – A não ser o que procede de Deus, nada é imutável no mundo. Tudo o que procede do homem está sujeito a mudanças. As leis da natureza são as mesmas em todos os tempos e em todos os países; as leis humanas, porém, modificam-se segundo os tempos, os lugares, e o desenvolvimento intelectual. No casamento, o que é de ordem divina é a união conjugal, para que se opere a renovação dos seres que morrem. Mas as condições que regulam essa união são de tal maneira humanas, que não há em todo o mundo, e mesmo na cristandade, dois países em que elas sejam absolutamente iguais, e não há mesmo um só em que elas não tenham sofrido modificações através dos tempos. Resulta desse fato que, perante a lei civil, o que é legítimo num país em certa época, torna-se adultério noutro país e noutro tempo. Isso porque a lei civil tem por fim regular os interesses familiais e esses interesses variam segundo os costumes e as necessidades locais. É assim, por exemplo, que em certos países o casamento religioso é o único legítimo, enquanto em outros o casamento civil é suficiente.
3 – Mas, na união conjugal, ao lado da lei divina material, comum a todos os seres vivos, existe outra lei divina, imutável como todas as leis de Deus, e exclusivamente moral, que é a lei do amor. Deus quis que os seres se unissem, não somente pelos laços carnais, mas também pelos da alma, a fim de que a mútua afeição dos esposos se estenda aos filhos, e para que sejam dois, em vez de um, a amá-los, tratá-los e fazê-los progredir. Nas condições ordinárias do casamento, é levada em conta a lei do amor? Absolutamente! Não se consulta o sentimento mútuo de dois seres, que se atraem reciprocamente, pois na maioria das vezes, esse sentimento é rompido. O que se procura não é a satisfação do coração, mas a do orgulho, da vaidade, da cupidez, numa palavra: todos os interesses materiais. Quando tudo corre bem, segundo esses interesses, diz-se que o casamento é conveniente, e quando as bolsas estão bem equilibradas, diz-se que os esposos estão igualmente harmonizados e devem ser muito felizes.
Mas nem a lei civil, nem os compromissos que ela determina, podem suprir a lei do amor, se esta não presidir à união. Disso resulta freqüentemente, que aquilo que se uniu à força, por si mesmo se separa, e que o juramento pronunciado ao pé do altar se torna um prejuízo, se foi dito como simples fórmula. São assim as uniões infelizes, que se tornam criminosas. Dupla desgraça, que se evitaria se, nas condições do matrimônio, não se esquecesse à única lei que o sanciona aos olhos de Deus: a lei do amor. Quando Deus disse: “Serão dois numa só carne”, e quando Jesus advertiu: “Não separe o homem o que Deus juntou”, isso deve ser entendido segundo a lei imutável de Deus, e não segundo a lei instável dos homens.
4 – A lei civil seria então supérflua, e deveríamos retornar aos casamentos segundo a natureza? Não, certamente. Porque a lei civil tem por fim regular as relações sociais e os interesse familiais, segundo as exigências da civilização, e eis porque ela é útil, necessária, mas variável. Deve ela ser previdente, porque o homem civilizado não pode viver como o selvagem. Mas nada, absolutamente, impede que ela seja um corolário da lei de Deus. Os obstáculos ao cumprimento da lei divina decorrem dos preconceitos sociais e não da lei civil. Esses preconceitos, embora ainda vivazes, já perderam o seu domínio sobre os povos esclarecidos, e desaparecerão com o progresso moral, que abrirá finalmente os olhos dos homens para os males incontáveis, as faltas, e até mesmo os crimes que resultam das uniões contraídas com vistas apenas aos interesses materiais. E um dia se perguntará se é mais humano, mais caridoso, mais moral, ligar um ao outro, dois seres que não podem viver juntos, ou restituir-lhes a liberdade; se a perspectiva de uma cadeia indissolúvel não aumenta o número das uniões irregulares.
I – A Lei do Amor
SANSÃO
Membro da Sociedade Espírita de Paris, 1863
10 – Meus queridos condiscípulos, os Espíritos aqui presentes vos dizem pela minha voz: Amai muito, para serdes amados! Tão justo é este pensamento, que nele encontrareis tudo quanto consola e acalma as penas de cada dia. Ou melhor: fazendo isso, de tal maneira vos elevareis acima da matéria que vos espiritualizareis antes mesmo de despirdes o vosso corpo terreno. Os estudos espíritas ampliaram a vossa visão do futuro, e tendes agora uma certeza: a do vosso progresso para Deus, com todas as promessas que correspondem às aspirações da vossa alma. Deveis também vos elevar bem alto, para julgar sem as restrições da matéria, e assim não condenar o vosso próximo, antes de haver dirigido o vosso pensamento a Deus.
Amar, no sentido profundo do termo, é ser leal, probo, consciencioso, para fazer aos outros aquilo que se deseja para si mesmo. É buscar em torno de si a razão íntima de todas as dores que acabrunham o próximo, para dar-lhes alívio. É encarar a grande família humana como a sua própria, porque essa família irá reencontrar um dia em mundos mais adiantados, pois os Espíritos que a constituem são, como vós, filhos de Deus, marcados na fronte para se elevarem ao infinito. É por isso que não podeis recusar aos vossos irmãos aquilo que Deus vos deu com liberalidade, pois, de vossa parte, seríeis muito felizes se vossos irmãos vos dessem aquilo de que tendes necessidade. A todos os sofrimentos, dispensai pois uma palavra de ajuda e de esperança, para vos fazerdes todo amor e todo justiça.
Crede que estas sábias palavras: “Amai muito, para serdes amados”, seguirão os seus cursos. Esta máxima é revolucionária e segue uma rota firme e invariável. Mas vós já haveis progredido, vós que me escutais: sois infinitamente melhores do que há cem anos; de tal maneira vos modificastes para melhor, que aceitais hoje sem repulsa uma infinidade de idéias novas sobre a liberdade e a fraternidade, que antigamente teríeis rejeitado. Pois daqui a cem anos aceitará também, com a mesma facilidade, aquelas que ainda não puderam entrar na vossa cabeça.
Hoje, que o movimento espírita avançou bastante, vede com que rapidez as idéias de justiça e de renovação, contidas nos ditados dos Espíritos, são aceitas pela metade das pessoas inteligentes. É que essas idéias correspondem ao que há de divino em vós. É que estais preparados por uma semeadura fecunda: a do último século, que implantou na sociedade as grandes idéias de progresso. E como tudo se encadeia, sob as ordens do Altíssimo, todas as lições recebidas e assimiladas resultarão nessa mudança universal do amor ao próximo. Graças a ela, os Espíritos encarnados, melhor julgando e melhor sentindo, dar-se-ão as mãos até os confins do vosso planeta. Todos se reunirão, para entender-se e amar-se, destruindo todas as injustiças, todas as causas de desentendimento entre os povos.
Grande pensamento de renovação pelo Espiritismo tão bem exposto em O Livro dos Espíritos, tu produzirás o grande milagre do século futuro, o da reunião de todos os interesses materiais e espirituais dos homens, pela aplicação desta máxima bem compreendida: Amai muito, para serdes amados
trecho acima foi tirado do Evangelho segundo espiritismo