ENGOLINDO SAPOS...E BARATAS
“Vi ontem um bicho / Na imundície do pátio / Catando comida entre os detritos”.
Manuel Bandeira
Recentemente, li, no site G1, a seguinte notícia:
“Por que esperar na fila quando você pode comer uma barata? “ . Essa é a pergunta que o parque de diversões Six Flags Great America está fazendo a caçadores de desafios durante sua festa baseada no Halloween, a FrightFest. O parque está desafiando clientes a comerem uma barata de Madagascar viva, em troca de ilimitados cortes em filas, ou seja, quem comer não terá que esperar mais para entrar no parque ou nas atrações.
A promoção, que deixou os funcionários do Departamento de Saúde do Condado de Lake arrasados, começou no dia 7 de outubro. Qualquer um que mastigar toda a carnuda barata, que mede de duas a três polegadas, consegue passes-livres para quatro pessoas entrarem na frente das filas de percurso durante o dia 29 de outubro.
Funcionários do parque insistem que é seguro comer as criaturas rastejantes, mas servidores de saúde alertam os participantes de que consumir baratas vivas pode aumentar riscos de doenças gastrintestinais e alergias, segundo Bill Mays, o diretor do Departamento de Saúde do Condado de Lake”.
Em um parque famoso de diversão, aqui no Estado de São Paulo, podemos furar a fila, adquirindo, a preços salgados, um passaporte que dá esse direito ao portador, passando ele à frente daqueles que só ( sic ) pagaram o ingresso — que também não é barato para os padrões da maioria da população brasileira — fazendo engolir esse sapo aqueles que não possuem melhor condição financeira.
Também eu soube de um caso em que um grupo de jovens estudantes desafiou um colega a comer restos de comida do chão, mesmo já tendo sido pisoteado e cuspido o referido alimento: e o desafiado comeu restos para ganhar alguns trocados.
O que espanta é que, em todas essas ocasiões, em todos esses casos, sempre esteve presente uma platéia silenciosa, calada, e, até certo ponto curiosa e conivente.
Que mundo cão esse em que , mais do que nunca , o homem é o lobo do homem, mesmo que tudo ocorra de forma travestida, sob um manto de modernidade, de vale-tudo ?
Não existe mais empatia, não existem valores, não existe mais a salutar prática de se colocar no lugar do outro, não existe mais o respeito, em todos os sentidos, o altruísmo é moeda rara de troca entre os seres humanos, o que vale é poder se divertir, mesmo diante da fraqueza, da miséria e da desigualdade humana: vale a antropofagia.
Mas é preciso se fazer alguma coisa.
Pensando nos versos de Bandeira, eu diria : não somos cães, não somos gatos, não somos ratos, afinal de contas, meu Deus, somos homens !
ANTÕNIO CARLOS TÓRTORO
EX-PRESIDENTE DA ACADEMIA RIBEIRÃOPRETANA DE EDUCAÇÃO