Vontade de Deus?
VONTADE DE DEUS?
É uma grande petulância algumas pessoas tentarem interpretar a vontade de Deus. Num domingo desses, fui à igreja e um “comentarista” pediu orações pelas vítimas dos desastres ecológicos do Rio, São Paulo e Minas, sugerindo que nos curvássemos à vontade de Deus. Eu fiquei indignado! Na verdade, é salutar orar por todos, especialmente pelos que sofrem as calamidades, mas daí ligar a catástrofe à “vontade de Deus”, é um desconhecimento da essência de Deus.
A “vontade de Deus” não pode ser encontrada na cabeça de cada um, ou na forma como as pessoas julgam os fatos do cotidiano. Ela só pode ser buscada nas Escrituras, na Palavra revelada. A vontade divina nunca desemboca no mal, mas na graça divina colocada a serviço do ser humano. Em minha tese de Doutorado em Teologia Moral, que versou sobre o mal (“Deus é bom. Então por que existe o mal?”), em suas mais de 900 páginas eu repito que a morte, o mal e as desgraças não são vontade de Deus, pois o projeto divino é amor, bem e gratuidade.
Incapazes de descobrir a ação humana na raiz dos males, os escolásticos da Idade Média chegaram a afirmar que Deus permite a ocorrência do mal, para dele tirar um bem maior. O ser humano costuma creditar a si próprio o sucesso, enquanto joga o insucesso nas costas de Deus.
No caso específico do Rio de Janeiro, foi Deus que fez chover? Foi ele que fez as águas subirem? Ou as pessoas encarapitarem suas casas nas encostas, sujeitas a deslizamentos? Foi Deus que fez isto? Será que atrás de todos esses eventos danosos não está a ação predadora, anti-fraterna e egoísta do próprio ser humano? Por que as famílias colocam seus barracos nos morros? Porque aqui em baixo ninguém lhes dá um lugar para morar! Por que as águas sobem, alagando tudo? Por causa do lixo criminosamente depositado nos bueiros, córregos e ruas! Por que os barrancos desmoronam, levando tudo por diante? Porque nas encostas não é lugar de gente morar! As encostas são para as árvores e os animais nativos; não para as pessoas! Elas estão lá por omissão dos governos, das “autoridades” e da Defesa Civil que só aparece depois da tragédia consumada! É Deus que manda as chuvaradas ou as secas? Ou elas são fruto do desmatamento irracional? A sociedade que se mostra solidária após as desgraças, é a mesma que se omite e dorme um sono tranqüilo enquanto a casa não cai. Há um “plano de alerta”, mas só para daqui a quatro anos.
Então, sempre que alguém quiser dizer que a culpa dos percalços climáticos e outros problemas se liga à “vontade Deus”, pergunte antes se não houve a ação humana na geração desses males. Deus é criador da vida; jamais do mal e da destruição.
O autor é Escritor, Filósofo e Doutor em Teologia Moral.