Big Brother Brasil

A última compra que o governo brasileiro fez para dar ao povo foi um saco de pão e uma tenda de plástico. O objetivo da aquisição é divertir e embriagar a nação, enquanto a novela do Planalto não chega ao fim. O brasileiro ri, pensando que pão seco e água morna são caviar e vinho.

Apesar das altas taxas tributárias, do medo que cerca os lares, do tráfico incontido, da lavagem de dinheiro dos cofres públicos, da morte à espreita em qualquer esquina e todas as agruras sociais que acuam boa parte da sociedade, o brasileiro parece distante da realidade que o rodeia. Ignorante de seus próprios problemas e honra, prefere dedicar sua vida a rir e chorar com o enlatado holandês Big Brother Brasil .

A Holanda idealista, que um dia trouxe ao mundo Van Gogh, Frans Hals, Nina Foch, Espinoza e Vermeer, agora avessa aos seus princípios, passa a exportar programas televisivos obcenos alicerçados na comercialização da intimidade. Big Brother Brasil é o título dado à decadência cultural do mundo contemporâneo.

O formato reality show do programa procura provocar vínculos entre os participantes e espectador. A proposta de transformar a quimera em realidade cria falsos atuantes. O artista não é celebridade, e o povo não tem dignidade. A televisão passa a ser a fábrica do engano, onde o cliente é convidado a participar da produção de produtos - informação e entretenimento.

Falsos Heróis

O objetivo inicial da série era ser o primeiro programa de televisão com o poder de eleger como mocinhos da história pessoas “normais”. No entanto, os participantes estão ali pelo dinheiro e pela fama, duas características inexistentes no caráter de um herói. A única imagem que o BBB consegue reproduzir é de pessoas que se esquivam de outras pessoas. De indivíduos que acreditam que o melhor amigo do homem pode ser uma boneca de lata, ou que afirmam não possuir sexo, pois não são homens nem são mulheres. E de mulheres lindas e fúteis, que comem tudo e depois quase morrem de vomitar.

No show é o público quem decide o que é moral e o que não é “normal”. As regras do programa são elaboradas pelo espectador, que define se o personagem passou ou não dos limites. O suposto controle da vida alheia é um dos únicos momentos em que a sociedade acredita que manda.

O circo montado pela elite direciona os holofotes nas classes média e baixa brasileira como se a arquibancada fosse o picadeiro. A sociedade enganada pelo brilho da fama se transforma numa massa homogênea de indivíduos acríticos, homens que pensam conforme o pensamento de outros.

O povo autômato e faminto por glória aglomera-se nas grandes cidades na espera que da mesa da burguesia caiam algumas migalhas. E assim os homens traficam suas próprias vidas, enquanto decidem a sorte de outros como eles mesmos.

Invasão do espetáculo

A cultura pós-moderna descarta a palavra intimidade de seu vocabulário para dar lugar a promiscuidade, libertinagem, sacanagem, homossexualidade, leviandade e Big Brohter Brasil . A época da modéstia, simplicidade e prudência faz parte dos romances idealistas de Machado de Assis e Joaquim Manoel Macedo.

Os programas de reality shows apreciam a intimidade como um espetáculo, ou melhor, como mais um alvo da cultura do banal. Na verdade, Big Brother Brasil não desrespeita a privacidade, simplesmente porque esta não existe mais. O exclusivo e individual foram mortos pela busca da audiência, por maiores lucros e pelo aumento nos investimentos dos grandes patrocinadores. A obsessão desenfreada pelo dinheiro transforma Big Brother Brasil num circo de baixarias, em que lascívia, traição e mentiras são assistidas em família.

Enquanto, os donos dos grandes meios de comunicação enchem os bolsos graças à exploração da privacidade, o povo adormece anestesiado pela teoria dos cinco minutos de fama. E sem ao menos perceber que o personagem principal desse imenso espetáculo é ele mesmo. É a ignorância que mata.

Big Brother Brasil é a realização do sonho de ser objeto de desejo de outras pessoas, ou simplesmente do reconhecimento na sociedade. É a fantasia de homens e mulheres que precisam da lente de uma câmera para provarem sua existência e importância. É a futilidade tomando o lugar da identidade.

Mas a televisão não é a única vilã nessa história. Na verdade, ela é só o circo – o instrumento. Atrás dela é que estão os donos do circo, os domadores, as mulheres barbadas e os trapezistas. A rede Globo, como sócia majoritária, poderia parar de oferecer “pão seco” a platéia e optar por um formato educativo de reality show, em que ao invés de ilusão o vencedor ganhasse educação.

O programa Big Brother Brasil é mais um personagem da grande série da política brasileira “pão e circo”, desestimulando a mínima probabilidade de um levante social.

Cabreira
Enviado por Cabreira em 15/10/2006
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