Maria Medianeira SERMO CIII

MARIA MEDIANEIRA

Eles não têm mais vinho! (Jo 2,3)

As antigas homilias e catequeses do passado, sinto dizer, tornaram o episódio de Caná um fato corriqueiro demais. A visão popular conta que houve uma festa, faltou vinho, Jesus foi à cozinha, fez um “abracadabra” e transformou a água em vinho. Nós sempre fomos mais ou menos condicionados a uma interpretação bem simples, simplória até, eu diria, de um fato riquíssimo em significados, de densa mariologia, especialmente no que se tange à cristologia e à nova lei, que toma o lugar da antiga.

No Novo Testamento, a alegoria bíblica das bodas é retomada em um sentido mais profundo, quando o próprio Filho de Deus, encarnando-se desposa a humanidade, unindo-a intimamente a si. Esta é a razão pela qual, quando Jesus quer expressar a alegria do Reino, ele estabelece uma comparação com uma festa de casamento. A festa em Caná lembra, de fato, a relação de amor, de intimidade e de comunhão, que Cristo veio estabelecer com seu povo.

1 No terceiro dia houve uma festa de casamento em Caná da

Galiléia, e a mãe de Jesus estava aí. 2 Jesus também tinha sido

convidado para essa festa de casamento, junto com seus

discípulos. 3 Faltou vinho e a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não

têm mais vinho!” 4 Jesus respondeu: “Mulher, o que temos nós

com isto? Minha hora ainda não chegou”. 5 A mãe de Jesus disse

aos que estavam servindo: “Façam o que ele mandar”. 6 Havia aí

seis potes de pedra de uns cem litros cada um, que serviam para

os ritos de purificação dos judeus. 7 Jesus disse aos que

serviam: “Encham de água esses potes”. Eles encheram os potes

até a boca. 8 Depois Jesus disse: “Agora tirem e levem ao

mestre-sala”. Então levaram ao mestre-sala. 9 Este provou a

água transformada em vinho, sem saber de onde vinha. Os que

serviam estavam sabendo, pois foram eles que tiraram a água.

Então o mestre-sala chamou o noivo 10 e disse: “Todos servem

primeiro o vinho bom e, quando os convidados estão bêbados,

servem o pior. Você, porém, guardou o vinho bom até agora”. 11

Foi assim, em Caná da Galiléia, que Jesus começou seus sinais.

Ele manifestou a sua glória, e seus discípulos creram nele

(Jo 2,1-11).

Para começo de conversa

Sempre que se fala no episódio das chamadas “bodas de Caná” a primeira idéia que vem à nossa mente é o milagre de Jesus, onde ele transformou água em vinho para livrar os imprevidentes noivos de um constrangimento sem par. De fato, se trata do fato mais importante, por se tratar de um milagre; e mais que isto: o primeiro milagre de Jesus. Pois este milagre (o evangelista chama de “sinal”) é o que os biblistas e teólogos alemães chamam de sitz im leben, ou seja, a fonte, o núcleo central onde se maturou o texto. Situado no meio da narrativa (vv. 7-9) o milagre funciona como ponto-de-interesse de toda a leitura, sem o que o resto do texto não teria significado, pois tudo faz menção ao gesto milagroso de Jesus. Todos os oito versículos restantes (1-6 e 10-11) giram em torno do fato central, que, por esta razão se torna “chave-de-leitura”.

Mas hoje, como o enfoque da reflexão é mariano, vamos passar por alto pelo milagre e dissecar mais, em quatro itens, a atuação de Maria, mãe de Jesus, como organizadora de todo esse contexto taumatúrgico e pastoral.

1. Convidada

No terceiro dia houve uma festa de casamento em Caná da Galiléia, e a mãe de Jesus estava aí (v. 1).

Acho que aqui cabe um silogismo elementar: o milagre aconteceu porque Jesus e sua mãe estavam presentes à festa. Se eles não tivessem sido convidados, o vinho teria faltado mesmo, os convidados iriam embora, falando mal e aos noivos teria resultado o vexame e a decepção de uma recepção prematuramente terminada. Quando Jesus e Maria são convidados a um determinado lugar, nada falta. Ora, eles foram convidados para aquela festa de casamento em Caná, logo, e por esta razão o vinho que faltou logo foi reposto por outro de melhor qualidade e sabor.

A partir da conclusão das premissas acima, não é difícil observar que quando Maria é convidada para qualquer atividade, seja ela material ou espiritual, de nossa vida, o sucesso está garantido, sem possibilidades de recuo ou fracasso.

Ah, alguém dirá, “mas foi Jesus que fez o milagre, e não Maria!”. Sim, é verdade! No entanto, é prudente que se saiba, conforme as palavras de um místico medieval que “quem planta Maria, colhe Jesus”. Se a Mãe for convidada, o Filho sempre vem junto; e vice-versa. Numa família, por exemplo, em que Maria seja a convidada para o convívio diuturno, o vinho, do amor, da compreensão, do carinho, do perdão, nunca irá faltar.

O segredo é convidar Maria para qualquer empreitada da nossa vida. Além de se fazer presente, como amiga, mestra, protetora, ele sempre trará seu Filho junto. A presença dos dois (e com eles vem o Pai, o Espírito Santo e São José) é sinal e sinônimo de sucesso, fartura e riqueza de dons. Jamais se ouviu dizer – afirma São Bernardo – que quem tivesse recorrido à proteção da Virgem Mãe de Jesus, fosse por ela desamparado. Bernardo de Claraval é aquele que disse que “um devoto de Maria jamais se perde”. Quando convidamos Maria para caminhar conosco, a estrada é mais suave, o caminho mais curto e as pedras não machucam nossos pés...

Convidada para fazer parte de nossa vida, como pessoa e não como imagem ou quadro na parede, a Virgem Maria sempre se revela amorosa, sensível e operante na construção da felicidade dos amigos do seu Filho.

2. Sensível

Faltou vinho e a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm mais vinho!” (v. 3)

O vinho novo é o evangelho, a nova lei do amor e do perdão. Não se pode colocá-lo num coração velho, arranhado pelo pecado e deturpado pelos maus costumes. A combinação não é salutar. O vinho novo deve ser guardado num coração puro, novo, aberto à boa notícia, convertido. Ele não cabe em barris velhos (corações fechados, indiferentes). A alocução de Maria aos serventes, de denso conteúdo cristológico e soteriológico, vai além dos limites daquela casa modesta e daquela vila obscura na pobre Nazaré:

Faltou vinho e a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm mais vinho!” (v. 3)

Com estas palavras, Maria dá a entender que Jesus seria muito mais que um “quebra-galho” eventual, mas alguém cuja intervenção, a partir dali, serviria para arrancar o homem do fracasso, do império da servidão do pecado e da lei pela lei, para conduzi-lo à casa do Pai. Esta recomendação, como um conselho, é talvez, junto com o sinal de transformação da água em vinho, o ponto mais marcante da narrativa. Atenta, Maria sente que o vinho faltou. A antiga Lei já era insuficiente para os anseios humanos, e a mãe tem a sensibilidade de detectar tal caducidade. Convidada para viver conosco, ao primeiro problema ela irá alertar o Filho que alguma coisa está faltando em nossa vida.

Os seguidores de Jesus não permanecem isolados, mas agrupados em uma comunidade chamada Igreja, cujo mistério os reúne em nome de Cristo. Se Maria é, a partir da cruz, mãe do apóstolo João e dos membros da Igreja, por que não sê-lo da própria Igreja? Concretamente, essa maternidade universal se manifesta na solicitude da mãe pelos homens, como outrora em Caná. Ao dizer ao filho que “Eles não têm mais vinho...”, Maria revela a extensão de sua preocupação materna, não só referente a Jesus, mas a toda a humanidade.

Nenhuma pessoa conhece e ama Jesus como ela. Por isso ninguém, como Maria, é capaz de nos levar a Jesus. O seguimento a Jesus nos faz assumir sua mãe como nossa mãe. Não se trata apenas de uma simples devoção à mãe de Deus. Maria, que estava com o grupo apostólico, em constante oração, no início da Igreja, permanece entronizada nessa mesma Igreja, empenhada na salvação dos homens, libertos pelo sangue redentor do filho Jesus.

A mãe de Deus torna-se símbolo da Igreja, por causa de sua fé, seu serviço, sua maternidade, sua disponibilidade e pelas suas características de mestra da verdade. Maria é chamada de “filha de Sião”, como um símbolo personificado de Israel, consolidando uma aliança de fé e de obediência. Na plenitude dos tempos messiânicos, essa “filha de Sião” iria se converter em “mãe do povo de Deus”.

Ela é “Nossa Senhora” porque é mãe de Nosso Senhor. Para ser Mãe de Deus precisou ser “Imaculada Conceição”. Sendo mãe tornou-se “Medianeira” e por isso, “Assunta aos céus” no fim dos dias da sua peregrinação terrena. Deus, em seu poder absoluto, podia simplesmente ter aparecido, mas quis ter uma mãe, igual aos humanos. Em Maria, Deus precisou da mulher no ato em que prescindiu do homem.

3. Operante

A mãe de Jesus disse aos que estavam servindo: “Façam o que ele mandar” (v. 5)

Maria se revela operante na obra da evangelização e no mistério da salvação. Apesar de Jesus haver dito “minha hora” ainda não chegou”, ela teve certeza que o Filho não deixaria sem uma providência seu interesse materno pelo drama dos noivos, cuja falta de vinho poderia acabar prematuramente a festa. Assim ocorre até hoje, quando a preocupação materna de Maria é sempre acolhida por Jesus, que soluciona nossos problemas e mitiga nossas dores, por causa da mediação amorosa de sua Mãe. No texto (v. 4) Jesus se manifesta arredio num primeiro momento, afirmando que “a sua hora” ainda não havia chegado. “... a ora de Jesus...” Qual seria? No grego, ora tem um significado mais profundo e abrangente do que a hora de sessenta minutos que conhecemos. Nesse episódio Jesus claramente disse: “Ainda não é chegada a minha hora.”

Na vida espiritual, há uma coisa chamada: “Tempo de Jesus”. Há também, opondo, algo chamado: “o tempo dos homens”. É dentro dessa perspectiva que precisamos olhar outra vez a grandiosa vitória conquistada no Calvário, a hora da glória de Jesus Cristo, que em primeiro lugar foi a hora de Seu Pai. O alvo primordial de Jesus era resgatar o homem caído, e, ao mesmo tempo, restabelecer a glória de Deus que fora violada. A ora de Jesus é aquela instância em que Deus é glorificado, e pode ser vista no Calvário, na Ressurreição e na Ascensão. O tempo humano é de pressa e angústia; o de Deus é de glória.

Maria, desde a encarnação se associa à ora de Jesus. Sua grandeza reside no serviço que presta aos outros. “A presença de Maria, nos dias de hoje - afirma João Paulo II - como, aliás, ao longo de toda a história da Igreja, encontra múltiplos meios de expressão. Possui também um multiforme raio de ação: mediante a fé e a piedade dos filhos; mediante a tradição das famílias cristãs ou ‘Igrejas Domésticas’, das comunidades paroquiais e missionárias, e mediante o poder de atração e irradiação dos grandes santuários, onde o povo busca um encontro com Aquela que é feliz porque acreditou, e por isso se tornou Mãe do Emanuel”.

Nessa perspectiva materna, Jesus é o primogênito de Maria segundo a carne, enquanto nós, toda a humanidade, assumimos a condição de filhos, segundo o espírito. A solenidade da Festa da Mãe de Deus, comemorada dia primeiro de janeiro, assinala o início do calendário civil, como a derramar as bênçãos maternais de Maria sobre todos, durante os dias do ano que se inicia.

Na verdade, o mistério da maternidade divina de Maria transcende quaisquer missões que Deus tenha conferido ou possa conferir a qualquer pessoa humana. Nela o divino se humaniza para que o humano se divinize. O Concílio de Éfeso, ocorrido em 431 de nossa era, definiu como verdade irrecorrível a maternidade de Maria, não só do Jesus homem, como também do Cristo divino. Assim, a Virgem Maria não é só mãe do homem, mas é reconhecida como a Mãe de Deus. Deste modo, o ano civil dos católicos se inicia pela festa da Mãe de Deus.

4. A fé da Igreja

Foi assim, em Caná da Galiléia, que Jesus começou seus sinais.

Ele manifestou a sua glória, e seus discípulos creram nele (v.11).

A mãe de Jesus é, para o evangelista João, testemunha e protagonista na própria vida de seu filho. Sua presença, no começo (Caná) e no fim (Calvário), no exórdio e no desfecho, é como a irrupção súbita, fugaz, mas consistentemente iluminadora, como um relâmpago, comparável à voz do Pai, no Batismo e na Transfiguração. Por ser mãe carnal de Jesus e espiritual do grupo apostólico, a Igreja, desde cedo, viu em Maria a maternidade universal de todos aqueles que seguem, amam e proclamam o Reino do Ressuscitado.

A narrativa do episódio de Caná nos revela que os discípulos creram no sinal que Jesus realizou e reconheceram a atividade mediadora da Virgem Maria. Começa a se estruturar, a partir daí, com muito vigor e ternura, a fé da Igreja. Maria se tornou a Mãe de Deus e da Igreja na medida em que foi mãe de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Desde o início ela sabia que aquele menino não seria só seu, mas de todos. Cheia de fé e entrega, a mãe fez a partilha do Verbo de Deus conosco. Com isso, Maria trouxe Jesus para o meio do povo, fazendo surgir uma chama de paz e esperança, anelos da humanidade, hoje e sempre...

A maternidade de Maria se insere no projeto do Criador. Sua entrega, e nunca é demais repetir, está a serviço do desígnio libertador de Deus, que em Jesus estabeleceu um projeto de salvação. Assim como Abraão é pai físico e étnico de todo um povo, Maria é mãe, na ordem espiritual, de todos os que se deixam batizar em nome de seu Filho. Em Maria emerge o papel histórico da mulher. Ela é mãe, cidadã e participante de todo um processo social.

Não é demais recordar, que através do sinal do vinho de Caná, Jesus começa a se revelar como Messias e Filho de Deus. Com isso queremos dizer que Caná tem também um sentido pastoral, pois a partir dali nasce a fé dos discípulos. Poderíamos ir até mais longe, dizendo que a partir de Caná, do evento da transformação da água em vinho nasce a fé da Igreja.

Para quem está atento à Palavra de Deus, aos ensinamentos sagrados, aos textos do evangelho, é imprescindível a atualização do fato. O que Jesus quis dizer com o primeiro sinal, ao transformar a água em vinho? Em que seu gesto, ocorrido há dois mil anos atrás, tem hoje algum significado prático, catequético e evangelizador para nossa vida? O aspecto vida, não se restringe somente a anos vividos, a qualidade de vida, ou opulência, mas à vida na graça, na amizade com Deus.

Em nossa vida, seja ela pessoal, familiar ou comunitária, há momentos em que o vinho falta. São as seqüelas oriundas do barro de Adão, como as rotinas, o costume do “sempre se fez assim”, o esquecimento de certos valores, a soberba, as concessões... E com isso nossa vida vai perdendo o sabor, nossa festa despindo-se de alegria, os convidados – que somos nós mesmos – se manifestam entediados, e tudo perde o sentido. Os noivos convidaram Jesus (e sua mãe) para a festa, e a transformação aconteceu. Será que, às vezes, nossa vida deixa de apresentar aquela transformação desejada (ou esperada) por que a gente deixou Jesus de fora de nossa festa? A fé da Igreja não cansa de nos exortar a procurar a Jesus, e a convidar Maria para que seja presença de mãe e medianeira no meio de nós.

Certo dia - diz L. Boff - na plenitude dos tempos, quando o prazo de espera expirou, Deus se aproximou de uma Virgem toda pura. Bateu mansamente à sua porta. Pediu para morar e viver na casa dos homens. E Maria disse que sim. Porque havia lugar para ele na hospedagem daquele coração puro, o Verbo se fez carne no seio da Virgem. E a vida divina começou a viver no mundo.

Tornada mãe do gênero humano na ordem da graça (cf. LG 61) ela deu à luz, não só a Jesus, mas a toda comunidade cristã, fiel seguidora de seu filho. Se Jesus nos entrega sua mãe como nossa mãe, isto significa que ele pretende dá-la a nós como modelo perfeito da existência cristã. Por esta razão, Maria é tipo da Igreja, enquanto mãe, servidora e missionária, e sua figura, virtudes e privilégios têm a dimensão eclesial, fecunda e gloriosa. Sendo mãe de Jesus, aos pés da cruz Maria é declarada mãe dos que são uma só coisa com Jesus, em razão da fé.

Hoje se fala tanto em santidade como algo superlativo. Santo não é aquele que faz muito, mas que faz certo. E faz sempre. Nesse particular, “... a Virgem Maria é a realização mais perfeita da obediência na fé” (CIC 144). Assim, como aliás já vimos em outros momentos, existe uma grande diferença entre Eva e Maria. A destinação de Maria à santidade é claramente revelada no diálogo da anunciação, velho conhecido nosso. A Igreja proclama essa santidade: “Quis, porém, o Pai das misericórdias, que a encarnação fosse precedida da aceitação por parte da mãe predestinada, a fim de que, assim como uma mulher tinha contribuído para a morte, também uma mulher contribuísse para a vida” (LG 56).

A maternidade de Maria perdura - todos os dias - no seio da Igreja, como mediadora e intercessora. Por isso a comunidade cristã invoca-a como advogada, auxiliadora, mãe do perpétuo socorro e medianeira de todas as graças. O amor de Jacó por sua mãe Rebeca é o tipo do amor filial da Igreja pela Virgem Maria. “O sinal mais infalível e indubitável para distinguir um herege, um cismático, um réprobo, de um predestinado – ensina São Luis Grignion de Monfort († 1716) – é que aqueles apresentam indiferença pela Santíssima Virgem. Não foi neles que Deus Pai disse a Maria que fizesse sua morada”.

Concluindo nossa conversa

As Escrituras começam falando, a partir da festa de Caná em sinais, oriundos do verbete grego semêion, que é sinônimo de uma coisa fantástica, maravilhosa, um milagre... Na verdade, o início dos sinais de Jesus não deve estar ligado tão-somente aos milagres, mas à participação de sua mãe no serviço de divulgação e implantação da boa notícia, a partir dali.

A Igreja, como veremos a seguir, confere à Virgem Maria, além do título de “Nossa Senhora das Graças”, o de “Medianeira de todas as Graças. Por causa dessa proclamação católica, escutei há tempos um irmão (um pastor) de outra Igreja afirmando que “ não há nenhum mediador entre Deus e a humanidade que não seja Jesus Cristo” (cf. 1Tm 2,5). De fato, o que a Escritura afirma é verdade e não pode ser contestada: Jesus é o único mediador entre o Pai e nós. Mas, e Maria?

Maria é a medianeira, entre seu filho e a humanidade. Não se trata de jogo de palavras, mas de uma simples exegese do fato ocorrido em Caná. As circunstâncias que se manifestam nas Escrituras não estão ali por nada. O que aconteceu? Faltou vinho! O que levou Jesus a realizar o milagre? A interferência de Maria. Logo, ela agiu como medianeira ou mediadora, entre o poder do Filho e a dificuldade do noivo. E não foi um fato isolado. Depois disto, essa mediação se tornou uma constante na história da Igreja e da humanidade.

Nos Sermo de São Bernardo († 1153), Doutor da Igreja e mestre da espiritualidade lemos que “a vontade de Deus é que recebamos tudo através de Maria”. Esta frase sintetiza a doutrina universal da mediação mariana. A Igreja, séculos depois não cansa de repetir esta frase, pela boca de Papas, teólogos, doutores e santos escritores. Maria intercede sem cessar pelos filhos, mesmo quando não é invocada. Basta lembrar os gentios que se salvam pela maternal intercessão da Virgem, e nem sequer a conhecem. “Esta é a vontade do Pai, renovar minha fé dia-a-dia, receber a graça do amor, através de Maria”.

São Luís Grignion de Montfort († 1716) afirmou: “Deus Pai ajuntou todas as águas e denominou-as mar; reuniu todas as graças e denominou-as Maria. Esse grande Deus tem um tesouro, um depósito riquíssimo, onde encerrou tudo que há de belo, brilhante, raro e precioso, até seu próprio Filho; e este tesouro imenso é Maria, que os anjos chamam tesouro do Senhor, e de cuja plenitude os homens se enriqueceram” (In: Tratado da Verdadeira Devoção à Virgem Santíssima).

Quando oramos na Ave-Maria “...Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nos pecadores, agora e na hora de nossa morte...”, estamos fazendo o que a Igreja nos ensinou: pedindo que Maria, como Mãe e Medianeira, interceda por nossas necessidades diante de Deus. São Boaventura († 1274), bispo e doutor da Igreja ensina que “Deus depositou a plenitude de todo o bem em Maria, para que nisto conhecêssemos que tudo que temos de esperança, graça e salvação, dela deriva até nós”.

Por Maria Jesus se encarnou; pela palavra de Maria foi santificado João Batista, seu precursor, no seio de Isabel. Foi por Maria que Cristo, nas núpcias de Caná (Jo 2), mudou “seiscentos” litros de água em vinho da melhor qualidade, seu primeiro milagre. São Bernardino de Sena ensinou que: “Todos os dons virtudes e graças do Espírito Santo são distribuídos pelas mãos de Maria, a quem ela quer, quando quer, como quer, e quanto quer”.

Talvez esta seja a nossa hora, a de substituirmos os valores velhos por outros mais novos, experimentando a novidade sempre atual do Evangelho de Jesus. Os sinais de Jesus são para nós não uma mera letra morta, literatura, ou história antiga, mas lições, objetivas, atuais e interpeladoras.

Se escutamos as palavras de Maria, se pedimos a ajuda de Jesus, poderemos ver, como os convidados daquela festa, o milagre acontecer. O milagre da renovação de nossa vida. A Nova Lei, promulgada na Cruz e na Ressurreição, não é apenas uma “outra lei”, mas a lei que dimana da nova e eterna aliança.

O vinho novo de Caná é a antecipação da generosidade do sangue da cruz; ele prefigura a mudança, do velho para o novo. Nossa vida é sinal dessa nova ordem que Jesus veio instaurar? Ou ainda estamos presos ao legalismo opressor das coisas passadas? Cristianismo é novidade. Maria, como “mãe de misericórdia” é a agente dessa transformação, geradora dessa nova ordem.

Texto-base da pregação em uma novena realizada em julho de 2010 em uma comunidade da zona sul do estado do RS. O autor é Doutor em Teologia Moral, pregador de retiros de espiritualidade e escritor. Publicou mais de uma centena de livros, entre eles “Magnificat, o evangelho segundo Maria” (Ed. Vozes, 1986), “Maria de todos os dias” (Ed. O Recado, 1997), “O Rosto de Maria” (Ed. Ave-Maria, 1999 e “Ave Maria – A oração do céu e da terra” (Ed. Ave-Maria, 2008).