A INFLUÊNCIA DA VIOLÊNCIA NA ADESÃO POPULAR A CAUSA DA INDEPEDÊNCIA DO PIAUÍ

A INFLUÊNCIA DA VIOLÊNCIA NA ADESÃO POPULAR A CAUSA DA INDEPEDÊNCIA DO PIAUÍ

David Kooperfield

Graduando em Licenciatura Plena em História

Resumo: O tema do trabalho em questão é a influência da violência na adesão popular consciente a causa da independência do Piauí. A realização deste trabalho de pesquisa se justifica tanto pela ausência significativa de trabalhos historiográficos que abordem a problemática da violência no Piauí durante a Batalha do Jenipapo, como pela influencia que este fenômeno social ao longo do processo de libertação da província favorece a adesão popular consciente de grupos socialmente excluídos a causa da independência, no intuito de desconstruir afirmações já sedimentadas na historiografia piauiense de que se tratam apenas de sertanejos ingênuos que foram utilizados como massa de manobra. O problema a ser trabalhado é o de e verificar e registrar o ambiente de desordem e caos instalado (arrombamentos, estupros, saques, roubos, assassinatos etc.) durante todo o processo de libertação da província do Piauí do julgo português. Tendo como objetivo geral elaborar um quadro descritivo-explicativo do caos social de insegurança e violência extrema, vivido pelos piauienses durante o período de conflito que desemboca na Batalha do Jenipapo corroborado por objetivos específicos como Identificar as primeiras ondas de violência; Registrar a evolução desses atos praticados tanto por soldados fiéis a Portugal como das tropas independentes, ladrões, bandidos e saqueadores; Identificar os centros de povoamento que mais sofreram com essa violência; Descrever as medidas geralmente tomadas pela população para se defender da violência da guerra e compreender até que medida esse fato social interferiu e ou contribuiu para o sucesso da independência da Província do Piauí. A Metodologia adotada para a pesquisa do tema, fora a de revisão bibliográfica para uma abordagem descritiva e analítica, visando à constatação de um ambiente de desordem e caos no Piauí registrado nas entrelinhas da historiografia piauiense de obras que tratam da luta pela independência no Piauí - a Batalha do Jenipapo - para posterior apreciação no sentido de verificar o grau de violência na província neste período e seu grau de contribuição na adesão consciente da população local em aderir à guerra de libertação.

Palavras-chave: Guerra de Independência no Piauí. Violência no Piauí. Adesão popular consciente à Batalha do Jenipapo.

O CONTEXTO GLOBAL DE REVOLUÇÕES E INDEPENDÊNCIAS E SUAS INFLUÊNCIAS NO BRASIL

Vários movimentos nascido no século XIX, implantam um novo momento na história da civilização humana. Entre eles a Revolução Francesa e a independência dos Estados unidos da América. Eram novos ideais que ganhavam o mundo.

Para Brandão (2006, p. 11), A emancipação dos Estados Unidos da América do Norte e a Revolução Francesa, que inauguraram um novo ciclo de civilização, encheram com as suas conseqüências todo o século XIX.

Essa é a nova mentalidade que se configurará na seqüência com a declaração dos direitos individuais. Veja o que afirma Brandão (2006, p. 12):

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, por sua vez estabelece: “1. Os homens nascem e ficam livres e iguais em direitos. As distinções só podem ser fundadas na utilidade comum 2. O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a Liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. 3. O princípio de toda a Soberania reside essencialmente na nação.

Uma grande mudança no cenário político será ocasionada pelas novas idéias. Nova forma de pensar e questionar a Deus e a seus representantes terrestres, o papado.

No primeiro momento se nega a igreja.

Frente à religião, se não negava a Deus, peremptoriamente, desacreditava os seus representantes na terra. E forçaria a grande derrocada: desmentindo o poder divino dos reis. Insurreição contra os papas; abertura do caminho à laicização das instituições sociais. (BRANDÃO, 2006, p. 13)

Conseqüentemente, após se questionar o poder divino do qual se valiam os reis para justificar e legitimar sua autoridade, se nega também o estado absolutista, agora, os dois principais alicerces do antigo regime estão em ruínas:

Frente ao Estado, no âmbito mesmo de sua organização, legitimava as aspirações de autodeterminação, de autogoverno, como se dizia então, convocando o povo, antes alheio a tudo, para as decisões políticas, para o estabelecimento do governo legal. (BRANDÃO, 2006, p. 13)

Percebe-se que aspirações singulares emergem como indispensáveis a uma nova organização imperiosa de sua implementação através do desligamento entre o poder papal e o político para a laicização das instituições públicas. O povo agora estava disposto a participar das decisões políticas e constituir um governo legal e legitimo.

No entanto se fazia necessário, que essas idéias se apresentassem sintetizadas num sentimento de afetividade que arrebanhasse cada vez mais indivíduos e povos adeptos e identificados com a causa. A liberdade era esse sentimento capaz de inspirar os exércitos a irem à guerra com destemor.

Brandão (2006, p.13) sintetiza a generalização desse sentimento.

Não bastariam apenas a inteligência, a reflexão. O sentimento nesses casos é indispensável. Havia uma palavra que brotava de todos os lábios, porque se inscrevera em todos os corações: Liberdade.

Como se vê esse era o sentimento que empolgava e mobilizava a todos: ricos, pobres e marginais, porém, as motivações internas de grupos dominantes por mais que estes quisessem homogeneizá-las, tornando-as pertencentes aos anseios de todas as camadas populares, angariando assim o apoio destas para o levante, não há como negar eram interesses distintos dos demais.

A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO DO SÉCULO XIX NA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

A liberdade revestida de toda aquela mística que impulsionava e inflamava grupos e povos, também chega ao Brasil. D. Pedro I é filho desse período e sobre ele recai o espírito do momento. Para Brandão:

O grito do Ipiranga é um desabafo, um impulso. Nos outros países a Independência se fez preceder de demorados conciliábulos, de memoráveis assembléias. Foi sempre ato coletivo, pensado, solidamente gravado em documento. Entretanto nós a fizemos simbolicamente, romanticamente, quando o arrebatado Príncipe deu o famoso brado. (2006, p. 14)

A partir da nova configuração social e dado a difusão das idéias revolucionárias, surge entre os brasileiros a intenção de requerer das cortes brasileiras o mesmo trato, quando da volta de D. João VI a Portugal. Onde os patrícios lusitanos almejavam rebaixar o Brasil a condição anterior de colônia.

Desejo pretensioso para a época por dois motivos claros: o primeiro aonde após períodos significativos de avanços para a sociedade brasileira com a vinda da família real que elevou o Brasil a condição de Reino unido nas condições descritas abaixo:

Decreta-se a abertura dos portos brasileiros a todas as nações amigas. Volta-se ao regime de liberdade de manufaturas, revogado o iníquo alvará de 1785. Cria-se o Banco do Brasil. Monta-se pioneiramente a siderúrgica com a usina de Ipanema. (BRANDÃO, 2006, P. 15)

Neste momento a consciência nacional brasileira já se formara e o pensamento de libertação se instalara e começa a ganhar forma e consistência, e a demonstrar que estavam convictos da necessidade da igualdade jurídica entre ambos os países. “os brasileiros tem precisos conhecimentos de seus verdadeiros interesses, estão muito adiantados em civilização e cultura para serem tratados como selvagens”. (BRANDÃO, 2006, P. 15)

A evolução desse pensamento se reflete no Brasil com os movimentos de conjuração como: a Inconfidência Mineira (1789), a Inconfidência Carioca (1794), a Inconfidência Baiana (1798). Eram movimentos que bebiam na fonte das enciclopédias, na Constituição Americana, no processo de independência dos Estados unidos, entre outros. Apesar do teor teórico desses movimentos a violência era um dos elementos presente na sua operacionalização.

Com todo esse avanço no pensamento nacional. Um fato vai travar a progressão dessas iniciativas. Com a Revolução do Porto (1820), ficou claro que a República tão proclamada no país, apesar de certa coesão de pensamento a cerca dela própria, não seria suficiente para suportar o impacto avassalador da instalação do modelo republicano. Provocando uma fragmentação generalizada por toda nação. “Todas as insurreições, que pretenderam instalar governo republicano, tiveram sentido regionalista, ou porque assim se nortearam, ou porque se processassem insularmente [...]” (BRANDÃO, 2006, P.23)

Nunes destaca que:

Esses líderes sabiam que era iminente a independência do Brasil, mas temiam a república, tendência da maçonaria de então. Testemunhavam o esfacelamento do Vice-Reinado do Prata e as lutas intestinas que debilitavam as republiquetas provindas dos domínios espanhóis nas Américas. (2007, p. 41)

Conforme Brandão (2006, p. 23) Ao príncipe não lhe resta outra alternativa senão acompanhá-los. Para evitar resultados desastrosos como: o de um Brasil dividido em várias repúblicas de pequeno porte com um trono no meio em decorrência da divisão de forças, ou restabelecimento do pacto-colonial como pretendiam a Corte de Lisboa com pleno domínio português. Para evitar ambas as possibilidades se unem monarquistas e republicanos.

O senso político de José Bonifácio e dos outros que o seguiram perceberam muito bem a complexidade da situação. Aliás, inteligente e perspicaz auxiliado por outros intelectuais perceberam logo a complexidade da situação. E elaboraram um documento que evoluiu do constitucionalismo com Reino Unido para um constitucionalismo separatista.

Para Brandão (2006, p. 24) entre 1820 e 1823 o pensamento político brasileiro toma contorno e se decide no projeto de constituinte em 1823 que se tronará a constituição de 1824.

É importante perceber que a utilização de idéias importadas para a delineação de nosso pensamento político não deva ser visto como uma maneira de submissão intelectual ao pensamento produzido na Europa num contexto totalmente diferenciado do brasileiro.

Infelizmente a independência se reduzira a separação da corte lusitana insistindo em ter a monarquia como modelo político. Garantindo com a monarquia a continuidade da unidade evitando a fragmentação e a sua autonomia política.

É o que nos afirma Fausto (2008, p. 146 – 147):

A elite política promotora da independência não tinha interesse em favorecer rupturas que pudessem por em risco a estabilidade da antiga colônia. É significativo que os esforços pela autonomia, que desembocaram na Independência, concentraram-se na figura do Rei e depois do Príncipe regente. Nos primeiros anos após a Independência, a monarquia se transforma em símbolo de autoridade, mesmo quando D. Pedro era contestado.

Para Caio Prado Junior nada mais que um arranjo social (1947, p. 97-98)

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: O BRASIL NA INDEPENDÊNCIA

Quando da retirada de D. João VI em 25 de março de 1821 juntamente com toda a sua corte. Estes levaram o que podiam. Foi assim que recebeu o Brasil o Príncipe Regente. Como declara Laurentino (2007, p. 321):

O retorno da corte deixou o Brasil à míngua, às vésperas de sua independência. Ao embarcar, D. João VI raspou os cofres do Banco do Brasil e levou embora o que ainda restava do tesouro real que havia trazido para a colônia em 1808.

E paralelo a essa condição financeira e econômica o pais vivia o caos político e social. Nas demais províncias a situação era embaraçosa. Em Pernambuco a situação também não era boa o Governador Luis do Rêgo, não agradava aos pernambucanos que conspiravam contra ele, que fazia de tudo para se manter no cargo. (MONSENHOR, 2005, p. 18)

A Paraíba a três de fevereiro de 1822 aderiu ao Príncipe Regente. No Rio Grande do Norte a adesão ao Príncipe só ocorreu em 22 de maio de 1822. No Ceará foi eleita uma Junta Governativa provisória em três de novembro de 1821. O Rio Grande do Sul e Santa Catarina não puseram empecilhos e logo reconheceram o Príncipe. (p. 20)

O Piauí Até então continuava sob o domínio das Cortes Portuguesas, graças a interferência do governador das armas João José da Cunha Fidié. (p. 20)

No Maranhão não era diferente, a Junta de Governo era composta única e exclusivamente de portugueses fieis a Portugal. O mesmo ocorria no Pará. O Mato Grosso e o Goiás uniram-se ao Pará e Maranhão. (p. 20)

Em São Paulo, José Bonifácio conhecido hoje como o patriarca da independência, não poderia deixar por menos. Convence aos paulistas a receber o Príncipe com pompa.

Monsenhor (2005, p. 20) registra esse episódio: “Em São Paulo por insinuação de José Bonifácio de Andrada e Silva, o povo aclamou Dom Pedro como Regente, porem, simulava um Governo Independente com referência aos negócios da terra”.

Em Minas Gerias ocorria o mesmo, a junta de Vila Rica apesar de ter aderido ao Príncipe, não se subordinava em todas as questões, como alterações no dízimo, pretensões de cunhar moeda própria e formar exercito local.

A Partir da visualização deste panorama de convulsão social podemos recorrer ao que nos diz a professora e pesquisadora Claudete Dias:

[...] Verificamos que a independência do Brasil foi um processo de lutas e não apenas uma data e o feitio de um Príncipe ou dos ricos grupos proprietários de terras e de escravos. A separação de Portugal teve significados e interesses diferentes para os diversos setores, grupos e classes ou camadas sociais, como os populares, com aspirações distintas, como tornar o Brasil uma república livre da escravidão. ( 2001, p. 96).

Quando Claudete Dias faz esta afirmação, não se restringe aos conflitos e discordâncias ocorridas no período, ela faz questão de ampliar o recorte, registrando que bem antes movimentos populares já assinalavam para a separação com Portugal como inevitável para o atingimento de interesses dos mais diferentes setores sociais que desejavam o fim de certos incômodos como: a escravidão, cobrança ilegítima de impostos, a laicização do poder através da República entre outros.

Para complicar de vez a situação o que ninguém esperava aconteceu. A 10 de dezembro chega ao Rio de Janeiro dois decretos diretos das cortes. Um deles, bastante inapropriado para o momento, reduzia o Brasil à condição de Colônia, o outro decreto exigia o retorno do Príncipe imediatamente a Portugal. (MONSENHOR, 2005, p. 21).

De um lado os republicanos, não hesitaram em manifestar sua enorme satisfação com a perspectiva de saída do Príncipe Regente, levando consigo toda a corja de comerciantes portugueses, receosos de ver novamente o Brasil recolonizado para o restabelecimento do monopólio de outrora. Do outro lado, os monarquistas liberais, com suas intenções robustecidas pelos portugueses simpáticos a independência do Brasil e aclamação do Príncipe D. Pedro. (p. 21)

Estes ao perceberem a intenção do Príncipe em atender ao chamado das Cortes portuguesas Imediatamente começaram a enviar cartas a todas as câmaras das províncias conclamando-os a manifestarem-se a favor da permanecia do Príncipe enviando-lhe solicitações.

Que após algumas indecisões declarou: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto; diga ao povo que fico” (MONSENHOR, 2005. P. 22).

D. Pedro agiu rápido e eliminando possíveis obstáculos a sua empreitada. Com apoio dos brasileiros organizou as forças nacionais. Tendo a frente os generais Curados, Oliveira Alves e Nóbrega. Convocou praças de São Paulo sob o comando do Cel. Lázaro José Gonçalves, os Milicianos das províncias do Rio e Minas além de abrir o voluntariado. Em muito pouco tempo as tropas nacionais contavam com cerca de 9.000 homens armados para combater e expulsar qualquer guarnição portuguesa. E assim o fez (p. 24)

A sete de setembro de 1822 em São Paulo, as margens do riacho do Ipiranga, o Príncipe Regente bradou o grito que provocaria ainda nos meses subseqüentes, inúmeras batalhas e conflitos entre elas a do Piauí, trazendo a nossa população meses de pânico e terror, mas que seriam fundamentais para a consolidação do grito do Ipiranga em todo o Brasil.

[...] o sucesso do “grito do Ipiranga”, gesto que se não contasse com o inestimável apoio das elites políticas e econômicas do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, passaria para a História como mais um “berro” inconseqüente do autoritário D. Pedro I. (DEL PRIORE, 2001, p. 203)

Para o historiador e estudioso da independência Brandão (2006, p. 14) todo o processo de libertação se dera de modo à típico das demais colônias. Estas tiveram sua independência discutida em grandes sessões, redigidos documentos e acordos após de inúmeras negociações. No Brasil a grito do Ipiranga um ato simbólico e até romântico da inicio a todo o processo.

PORTUGAL E SEU INTERESSE PELO NORTE DO BRASIL

Ao perceber que a independência era um ato irreversível, as cortes portuguesas decidem em manter sob seu controle pelo menos o norte do país.

De inicio é preciso constatar que o norte do Brasil era para Portugal na prática, outra colônia. É o que nos esclarece o pesquisador do assunto na citação a baixo:

Os dois estados vivam separados, por vezes havendo atrito de jurisdição entre suas autoridades por motivos de fronteiras. Como traço de coesão, a coroa de El-Rei. Quando na independência, o Maranhão ainda estava completamente desarticulado do Brasil, Pará e Maranhão pouco se interessavam pela Bahia, Pernambuco, Rio. Seu comercio era feito diretamente com a metrópole, e com muito mais facilidade e presteza do que com a parte oriental da colônia portuguesa. (ODILON, 2007, p.33)

Esse dualismo implícito, mas palpável será a causa de certas divergências, quando da independência entre brasileiros do norte e brasileiros do sul. P.34

Entre o Brasil e o Maranhão havia uma região intermediária predisposta a estabelecer a aglutinação entre as duas colônias, o Piauí, que ora pertencia ao Maranhão ora ao Brasil. Essa região chegou a ter os mais ricos rebanhos de todo o império colonial português na América detentor de uma bacia hidrográfica que procura o mar perpassando núcleos coloniais lusitanos abastados. (ODILON, 2007, p. 34).

O Maranhão por mais que se encontrasse desarticulado com o Brasil, encontrava-se preso ao Piauí tanto pela proximidade quanto pela dependência de seus rebanhos. Essa comunicação era fator importante em virtude das dificuldades de navegação entre o norte e o sul pela presença de correntes marítimas e aéreas desfavoráveis ao transporte fluvial. Percebe-se que, uma das vantagens de ter o Piauí, sobre seus domínios era a possibilidade de comunicação pelo interior que aproximaria o estado do Maranhão do estado do Brasil. (ODILON, 2007, p. 34).

As dificuldades para comerciar navegando eram grandes, do Pará ao Pernambuco, de maio a dezembro se gastava de três a cinco meses. E até seis para a capital Rio de Janeiro. Assim Oeiras tende a ser o ponto central das comunicações comerciais e o Piauí a de estabelecer a unidade do país. O Piauí distribuía seu rebanho de gado de norte a sul do Brasil mantendo o maior vínculo possível entre o Maranhão e o Piauí. (ODILON, 2007, p. 35).

AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES DE INSURREIÇÃO NA PROVÍNCIA DO PIAUÍ.

Em virtude da indefinição da data marco do inicio do processo de insuflação na província do Piauí, onde os defensores de Parnaíba reclamam ser 19 de outubro de 1822, os representantes de Oeiras afirmam ser 24 de janeiro de 1823, outros que seu inicio só ocorre na batalha do Jenipapo propriamente dita em 13 de março de 1823. É preciso reconhecendo ser este um processo e não uma data estanque. (DIAS, 2005, p. 79)

O mais importante é destacar que em algumas vilas da província já ocorriam grave convulsão social.

Mas nas vilas de Piracuruca, Valença, Marvão e Poty, ocorrem distúrbios

E motins, cenas de saques, arrombamentos e incêndios em residências e fazendas de portugueses, além de assassinatos, praticados por grupos autônomos de sertanejos armados e liderados por indivíduos com idéias próprias, contrárias às das autoridades complacentes com os europeus [...] (Dias, 2005, p. 79-80).

O PIAUÍ AS VÉSPERAS DA INDEPENDÊNCIA

A situação do Piauí em 1821 não era das piores, pelo contrario gozava de razoável condição econômica o que lhe garantia a ambição portuguesa de dominação. A população se concentrava principalmente nas regiões litorâneas do norte e vales do Longá, do Poti, e do Canindé. O comercio exterior com exportação de produtos regionais era realizado pela próspera Vila da Parnaíba pelo Atlântico. Veja o comentário do professore e escritor Francisco Castro:

Ao contrario da situação dos dias atuais, o quadro financeiro do Piauí, em 1821, era considerado bom. A atividade agropecuária crescia vertiginosamente. Quinze mil bois eram abatidos em Parnaíba para abastecer de carnes os mercados do Maranhão, Ceará e Bahia; o comercio de algodão era considerado o melhor do Brasil, além do fumo, cana-de-açúcar e outros produtos. (2002, p. 8.)

As finanças do Piauí eram garantidas pela pecuária. Era esta a fonte principal de riqueza no comercio realizado com o Ceará, Pernambuco, Maranhão e Bahia. O rebanho de gado bovino era a mina de ouro do estado, acompanhado de outras culturas como o algodão, cana-de-açúcar, fumo e cereais. È o que confirma o argumento do estudioso Francisco Castro (2002, p. 8.): “Cerca de 50% da renda bruta das inúmeras fazendas de gado do Piauí ia parar nos cofres das cortes portuguesas. O dinheiro que ficava no Piauí pagava os gastos com atividades militares e preservava a carrancuda máquina administrativa”.

A arrecadação de impostos não era o que poderia ser em virtude da ausência de fiscalização. Mesmo assim a receita líquida de 1821 foi de 101:685$540 réis, suficiente já que as despesas públicas eram pequenas em virtude de quase não haver prédios públicos, funcionários. A despesa maior era com a tropa de 1ª linha. (MONSENHOR, 2005, P. 28)

A situação política diferentemente dos outros setores era delicada e instável. A província era governada por uma Junta eletiva a 7 de abril de 1821, em obediência ao Decreto das Cortes de Lisboa de 29 de setembro de 1820. Mas o clima era de incertezas e insegurança. Os ventos da insurreição já chegará por aqui, vindos da Bahia, Pernambuco, Ceará e do sul.

Outro fator de interesse dos portugueses com relação ao Piauí era sua posição geográfica. Em caso de lutas pela independência era preciso garantir o domínio de parte desse território, e assim recriaria o estado do Maranhão (compreenderia as províncias do Pará, Maranhão e do Piauí). A partir de então seria possível suspender o abastecimento de carne para os rebeldes e avançar sobre eles militarmente, por terra sobre o Ceará, a Bahia e Pernambuco onde se verificava movimentos de independência mais acentuados.

A utilização dos rios como via de acesso através de embarcações diversas era algo bastante comum no Piauí. Ao longo dos rios na fronteira do Piauí com o Maranhão surgiam pequenos vilarejos que já faziam uso desse tipo de transporte e impulsionavam o comercio trabalho feito por escravos.

PARNAÍBA DÁ O PRIMEIRO PASSO RUMO A INDEPENDÊNCIA DO PIAUÍ.

Em outubro chega à capital, Oeiras, um oficio do juiz Dr. João Candido destinada ao Governo Provisório dando conta do que acontecera na Vila da Parnaíba. Nesta, narra dizendo ter recebido ofícios do Rio de Janeiro notificando-os a realizarem eleições para deputados das Cortes do Brasil. (MONSENHOR, 2005, P. 34)

É nas Vilas de: São João da Paranaíba, Campo Maior e União (Estanhado) que se formam os primeiros centros de difusão dessas novas idéias. Parnaíba a que mais se destaca.

Foi levado a Câmara da Parnaíba um requerimento assinado por todos pedindo que fosse imediatamente cumprido a ordem de S. Alteza Real. Como registra Monsenhor:

A 19 de outubro de 1822, no paço da Câmara, os eleitores da paróquia proclamaram a regência de Dom Pedro, a Independência do Brasil e sua União com Portugal e as futuras Cortes Constituintes do Brasil. (p. 35)

Feito que inflamou a população por toda a capitania chegando com maior intensidade a Campo Maior, Oeiras e Piracuruca. Tal movimento fora considerado pela Junta de Oeiras e Pelo Governador das Armas uma ruptura digna de retaliações.

Em 23 de outubro a Câmara de Parnaíba comunica a de Campo Maior o fato ocorrido a 19 do corrente mês e solicita esta a proceder de igual maneira.

Nas demais vilas o movimento de insurreição se acentuava. Em Estanhado (União), os ânimos se exaltaram a favor da independência política.

A Câmara de Campo Maior a 5 de novembro dirigiu-se à Junta Governativa de Oeiras comunicando o recebimento do tal documento dos insurretos da Parnaíba e aguardava orientações da capital. (MONSENHOR, p. 37).

Uma reunião fora marcada em caráter de urgência entre os membros do governo e o comandante Fidié. Havia uma indefinição que confundia, mas não enganava a junta de governo. Era a proposta dos insurretos de que seria feita a proclamação de D. Pedro a Independência do Brasil e sua União com Portugal. Afinal perguntavam entre eles, que tipo de união é essa. Inconformado com a situação as autoridades juntamente com o revoltado major trataram logo de abafar o fato com força máxima. Por concluírem incontestavelmente se tratar de um movimento separatista. (MONSENHOR, p. 37-38).

A MARCHA MILITAR RUMO A CAMPO MAIOR

Fidié toma varias medidas de caráter militar. Adquiriu junto ao governo da província mais 15 arroubas de pólvora, o que significa claramente que estava preparado para o pior, exigiu do Ouvidor da Comarca de Oeiras que redigisse uma proclamação aos parnaibanos, e solicitou o apoio das forças maranhenses de Caxias em munição e reforços. (MONSENHOR, p. 38 - 39).

No dia 24, Fidié entra em Campo Maior e foi recebido com hospitalidade por parte dos portugueses ansiosos de sua chegada e assombrados com as notícias vindas do norte. (p. 41)

Na Vila de Parnaíba o desânimo era geral. Passado as festas do dia 19 o movimento havia esfriado os lideres discordavam entre si, logo verificaram que não possuíam mais armas, munições, soldados e fortificações suficientes. E se fossem atacados. O jeito foi recorrer ao Ceará.1

Parnaíba ao saber que Fidié e suas tropas se aproximavam da cidade demonstrou certo desespero por parte principalmente dos dirigentes da vila. E tomaram logo a iniciativa de escrever uma carta ao comandante português ancorado em Campo Maior. Monsenhor discorre sobre o fato:

Se não conhecêssemos o valor moral dos subscritores daquele oficio, diríamos que todos eles eram cínicos ou imbecis. Não eram nem uma coisa nem outra. Eram apenas homens responsáveis que, vendo desfeitas as esperanças de poderem concretizar, naquela hora, o seu lindo sonho, esqueciam-se de si próprios para pensarem nos outros. Queriam a qualquer preço poupar a Vila das agruras de uma invasão armada. Para tanto serão até capazes de aparentar indignidade. (2005, p.46)

Ao chegar a Piracuruca no dia 12 e no dia 13 sem dar sequer um único tiro, foi recebido pelos funcionários do setor público na praça da matriz repetiu os procedimentos de costume, conduzi-se a Câmara e obrigados os vereadores assustados a assinar os documentos de renovação do juramento de fidelidade a Dom João VI. E por lá permaneceram por volta de dois meses. Onde saques de jóias e moedas de ouro do povo, obrigado a fazendeiros e comerciantes a abastecerem as suas tropas de carne, farinha, rapadura, bebidas, mulheres e o que fosse necessário para mais de um milhar de desocupados a vadiar pelas praias do litoral. (BRASIL, 2006, p. 16).

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1 - os cearenses ainda tinham muitos problemas pra resolver na sua província, mesmo tendo a Câmara de Fortaleza aderido à aclamação de D. Pedro. Em 15 de novembro os eleitores da capital elegeram a nova Junta Governativa, mas somente em 14 de janeiro de 1823 - é que o governo central do Icó toma posse em Fortaleza. Apesar de estarem dispostos a enviar tropas em ajuda aos piauienses, estavam cautelosos, em virtude das noticias de que Fidié chegaria com cerca de 2.000 armados e treinados que posterior a ocupação de Paranaíba invadiria o Ceará por Granja.

Enquanto Fidié vivia as delícias do litoral piauiense, em janeiro de 1823, o comandante portugues é informado dos últimos acontecimentos ocorridos em Piracuruca, 2 da proclamação da independência em Campo Maior e da revolução de Oeiras. Castro comenta o retorno de Fidié à Oeiras:

Quando Fidié soube do ocorrido em Oeiras, ficou enfurecido. Considerou uma grande traição. No dia 28 de fevereiro de 1823, convocou novamente a tropa, desta vez composta por 1.100 homens, apontando os piauienses como inimigos declarados de Portugal. Com muito júbilo partiu de Parnaíba numa viagem de volta para Oeiras, com escala em Campo Maior, em 1º de março de 1823.

Campo Maior entende que é necessário para o sucesso da revolução impedir a retomada da capital da província, se isso acontecesse os portugueses consolidariam uma colônia lusitana no norte do Brasil. Seria necessário a todo custo impedir a entrada de Fidié em Oeiras. (CASTRO, 2002, p. 15).

A BATALHA DO JENIPAPO

Na noite de 12 de março os homens válidos da cidade foram arregimentados fossem eles, vaqueiros, agricultores, mendigos, e desocupados das redondezas.

Nem mesmo as mulheres piauienses se eximiram da luta, vendiam seus pertences pessoais, jóias e objetos de algum valor para financiar a compra de armas e munições por parte de maridos e irmãos. (CASTRO, 2002, p. 15).

E na manhã de 13 de março de 1823, as margens do riacho Jenipapo em Campo Maior, cerca de 1500 piauienses e 500 cearenses com auxílio de mais ou menos 200 maranhenses, sem o menor preparo militar e munidos de armas de baixo poder de fogo, como pistolas, espingardas, foices, espetos e lanças, chocam-se com as tropas de Fidié, muito mais preparadas e armadas para o conflito. (BRASIL, 2006, p. 16).

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2 - Em 22 de janeiro de 1823, Leonardo de Carvalho Castelo Branco domina Piracuruca e proclama sua independência. Com o apoio de tropas do Maranhão. Mas sua empreitada logo se finda, ele é preso no Maranhão e deportado a Portugal ao tentar levar o movimento àquele estado.

Patrocínio (2008, p. 40), descreve as perdas humanas no combate:

A luta iniciou-se às 9 horas da manhã e durou cerca de 5 horas. As forças independentes perderam cerca de 700 homens entre mortos, feridos e prisioneiros. Fidié perdera oitenta homens e a sua bagagem de guerra.

Conforme Patrocínio (2008, p. 40-41) o grupo independente caiu diante da artilharia de Portugal. Um verdadeiro massacre. Os independentes sem armas apropriadas, técnicas de guerra e sem um líder que garantisse unidade do grupo, tornou a batalha do Jenipapo, na mais sangrenta luta armada entre as lutas pela independência do Brasil.

Claudete Dias chama-nos a atenção para a necessidade de desmistificar a persistência da historiografia piauiense em relatar sobre a alienação dos combatentes do jenipapo sobre o aspecto ideológico da independência.

A historiografia clássica piauiense que sedimentou o conhecimento de que não houve participação popular nas lutas pela independência do Piauí porque ela não foi voluntária: o povo serviu apenas de “bucha de canhão” ou aderiu a “reboque” atendendo ao chamado dos ricos fazendeiros para pegar em armas, obedecendo e executando ordens sem tomar nenhuma decisão, porque a população não se encontrava em condições de se manter informada sobre o que acontecia no Brasil. (2005, p. 91).

Para ela havia já há bastante tempo um sentimento de aversão aos portugueses desde a sublevação em Parnaíba. Unem-se as forças cearenses para expulsar a presença portuguesa, livrar-se de Portugal, instaurar seu próprio governo como o restante do país havia feito. (DIAS, 2005, p. 86)

Apesar da vitória na batalha, grande número de soldados do exercito de Fidié desertaram, parte de suas armas foram roubadas por piauienses. Enfraquecido ele desiste de avançar contra Oeiras e desvia o rumo de sua tropa para Caxias. Na chegada recebe todas as honras e poder daquela Câmara local.

Mas aos poucos sua vitória vai se transformando em derrota.

Na ausência de Fidié, Raimundo de Sousa Martins no comando das tropas piauienses organiza um exercito libertador com tropas originárias do Pernambuco, Bahia, Maranhão, Ceará que junto aos piauienses invadem o Maranhão e proclamam a independência.

As forças sob o comando de Raimundo de Sousa Martins cercam Caxias com o auxilio de tropas cearenses fecham o cerco ao general português Fidié. Que com a escassez de alimentos e inúmeras deserções de suas tropas o enfraquece e desestimula seu exercito onde finalmente é obrigado a se entregar.

Patrocínio (2008, p. 41) descreve a rendição do soldado português:

Fidié é preso e conduzido para Oeiras, seguido depois para o Rio de Janeiro, para Portugal onde grandes honras lhe foram prestadas pelo governo Português.

Castro (2002, p. 23) conclui com muito entusiasmo o final da batalha:

Os piauienses perderam a batalha, mas ganharam a guerra. A fuga de Fidié garantiu um Brasil unido do extremo sul ao extremo norte. O domínio lusitano foi afastado do Piauí. A batalha do jenipapo acabou com as esperanças portuguesas de ter uma colônia no Brasil.

Assim, se escreveu um dos maiores capítulos da história da Independência do Brasil em terras piauienses, com intrepidez, amor a pátria e ao solo da província, sentimentos legitimado pelo derramamento do sangue brioso, dessa gente guerreira e trabalhadora que ajudou com sua própria vida, talvez o único e precioso bem, construir um Brasil para os brasileiros.

A VIOLÊNCIA PARA OS PIAUIENSES

No inicio eram somente boatos do que já ocorria em outras províncias do império. Em Parnaíba, Campo Maior e Oeiras já circulavam nos bastidores, esquinas, bares, reuniões noturnas e veladas em residências particulares, clubes e outros as idéias de emancipação como forma de conter os interesses dos patrícios portugueses. Folhetos, panfletos sem assinatura de seus idealizadores percorriam a província conclamando o povo a aderir ao movimento independente. Isso demonstra que o povo tinha conhecimento de causa, ainda que dentro de suas perspectivas.

Pasquins sediciosos apareciam, vez por outra, nas Vilas de Parnaíba e Campo Maior, concitando o povo a rebelar-se contra os portugueses. Espalhavam várias tendências ideológicas. Um deles, por exemplo, distribuído em Campo Maior, atacava rudemente o Juiz de Fora, Dr. João Cândido de Deus e Silva, que Havia feito uma conferência a favor da Constituição Portuguesa e do Reino. (MONSENHOR, 2005, p. 31)

Como se pode verificar o momento era de grande insegurança para elites e grupos urbanos. Temerosos de que alguma coisa acontecesse a seus erários e patrimônios.

Muitos piauienses fossem eles: comerciantes, proprietários de terras, fazendeiros, empreendedores de empresas de transporte fluvial, (muitos destes intelectuais e revolucionários haviam ido estudar na Europa e entrado em contato com as idéias liberais vigentes de liberdade, igualdade e fraternidade) agricultores, vaqueiros e outros profissionais liberais, tivessem ou não as melhores condições de vida, manifestavam-se desejosos em aderir ao movimento.

Mesmo assim, demonstravam-se receosos de ser acusado de traidores da coroa, por não saber quem dentre eles poderia estar vigiando, os prováveis adeptos a causa da independência, já que havia um clima favorável a traições. Caso fossem pegos seriam submetidos a dolorosas punições, humilhações, prisões e execuções além da desonra de suas famílias.

Temia-se andar pelas ruas com pessoas facilmente identificáveis com revoltosos para também não ser acusado de conluio e ter suas propriedades e bens confiscados, alem de sua liberdade cerceada. Este ambiente de violência eminente, ao mesmo tempo em que alimentava o temor gerava no piauiense um sentimento de revolta para com o seu colonizador.

Essas eram punições que não se afirmava nem se confirmava explicitamente por nenhuma das partes, mas que povoava o imaginário popular e o consciente coletivo das elites aristocráticas e políticas da província, como uma nuvem nebulosa quase transparente, mas presente.

Enquanto alguns temiam o que lhes poderia acontecer pela disseminação da violência a que os portugueses e fieis a coroa lusitana estavam dispostos a infligir, sobre quem se rebelasse contra a ordem vigente, outros deixavam transparecer claramente suas idéias revolucionárias e a povoar de medo e terror na mesma proporção àqueles que se colocavam ao lado de Portugal como sendo os únicos capazes de se impor pela força da violência.

O poder não é algo que pode ser exercido por uns em detrimento de outros, mas é exercido por todos aqueles que vivem e interagem no cotidiano

Não existe de um lado os que têm o poder e de outro aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda estrutura social. Não é objeto, uma coisa, mas uma relação. E esse caráter relacional do poder implica que as próprias lutas contra o seu exercício não possam ser de fora, de outro lugar, do exterior, pois nada está isento de poder. (FOUCAULT, 1998, a.14)

Para Foucault, (1998, a.14) o exercício do poder visa o controle da massa no intuito de evitar qualquer tipo de revolta ou insurreição. Porém o poder não é privilégio do estado, mas pode ser desempenhado por outros grupos e instituições.

Os piauienses começam a incomodar os poderosos e a demonstrar que certo poder também o possuem. O terror disseminado no meio da população pelas forças diversas ligadas a Portugal causava grande pânico e temor, mais sua função se restringia ao âmbito psicológico, até então, na pratica nem sempre se efetivava para não contribuir com o afloramento generalizado do sentimento de liberdade, o que tornaria incontrolável pelas forças portuguesas.

Essa postura confirma a tese de Foucault quando diz que o poder não está num lugar específico, mas se dá nas relações de poder. É o que os Portugueses começam a sentir na pele.

O castigo era iminente para qualquer nativo que se rebelasse. Todos na província sabiam que mais cedo ou mais tarde seria ele afligido pela mão onipotente do absolutismo lusitano. Período onde era comum a união do estado absolutista com as forças da igreja romana para no cotidiano punir através da lei do rei em nome do próprio Deus.

Foucault coloca de forma clara essa realidade de conluio:

O suplicio antecipa as penas do além, mostra o que são elas; ele é o teatro do inferno; os gritos do condenado, sua revolta, suas blasfêmias, já significam seu destino irremediável. Mas as dores deste mundo podem valer também como penitência para aliviar os castigos do além; um martírio desses, se é suportado com resignação, Deus não deixará de levar em conta. (FOUCAULT, 1998, P. 40)

Portanto, era mais uma fonte de violência durante o período de independência do Piauí, a presença de tropas portuguesas nas ruas. A assombrosa ocupação militar de vilas na província por tropas lusitanas era sem dúvida algo demasiado assustador para toda a população piauiense.

É o que constata Monsenhor:

Quando se soube em Parnaíba que sobre ela marchavam tropas de Oeiras sob comando do próprio Governador das Armas, houve um princípio de pânico na vila. Mas as autoridades aparentando uma calma que não possuíam, ainda tentaram conjurar o perigo escrevendo diretamente a Fidié estacionado em Campo maior. (2005, p. 46)

Não há dúvida de que todo esse estado de incertezas, insegurança e deflagração intencional do pânico pelos portugueses só aumentava o ódio e o repulsa dos piauienses para com o dominador europeu e a conscientização do povo de que a libertação da província era a única saída para este estado de coisas.

A VIOLÊNCIA PARA OS PORTUGUESES NO PIAUÍ

A violência na Província do Piauí no período da independência não se restringia apenas aos brasileiros piauienses, com o tempo se estende também aos portugueses aqui residentes.

À medida que se noticiava a expansão do movimento separatista em todo o Brasil, da adesão de várias províncias a D. Pedro I e que tais sentimentos aflorava nas principais vilas destas terras, os portugueses se sentiam a partir de então ameaçados em seus interesses individuais, de grupos, passando a temer pela própria vida, o que os deixava mais inseguros quanto a suas decisões. Em quem confiar? A quem recorrer?

O ambiente geral era de enorme ansiedade por parte dos lusitanos aqui residentes em decorrência dos últimos acontecimentos em todo o território nacional e o reflexo de tudo isso começava a incidir sobre esta província.

No dia 8 de novembro os honrados baianos, de armas na mão, haviam feito conhecer aos portugueses o valor indomável dos brasileiros. Mais de 200 lusos haviam sido mortos e cerca de 300 feridos, não contando os prisioneiros feitos naquele dia. (MONSENHOR, 2005, P. 55).

Os lusos, por experiência própria, verificaram que os brasileiros não lhes eram menores em valor e intrepidez a quem eles tantas vezes humilharam e assassinaram.

As notícias não eram boas. Além da aclamação de um novo governo, o que já lhes causavam grande temor. O Piauí estava sobre a observação constante das tropas baianas favoráveis a D. Pedro I, que ameaçavam invadir a província caso fosse necessário.

Labatut esperava a chegada, por terra de 2.000 mineiros, além de três batalhões de 1º linha do Rio de Janeiro. Os caçadores e artilheiros de Pernambuco estavam prestes a desembarcar no Rio Real. Já era hora de os piauienses sacudirem também o julgo lusitano. A queda de Salvador estaria próxima. Quando isso acontecesse, suas tropas marchariam sobre o Piauí para nos ajudarem. (MONSENHOR, 2005, p. 55)

Em Parnaíba o clima não era dos melhores. Os portugueses sentiam-se extremamente ameaçados. Os alicerces da velha oligarquia portuguesa, assentada na riqueza oriunda da posse da maioria das terras, (explorada pelo trabalho escravo), terra esta que lhe conferia privilégio pela força da lei lusitana na pessoa do Rei. Era uma situação geradora de descontentamento e animosidade entre portugueses e brasileiros.

Dentro desse contexto veja o que nos diz Monsenhor:

A pregação revolucionária contestava as leis e a força em que se apoiavam como sendo mero instrumento de pressão do colonizador estrangeiro e desalmado, e apontava os europeus como sendo injustos espoliadores dos filhos da terra, aventureiros e ladrões, cujos bens podiam e deviam ser tomados pelos brasileiros. (2005, p. 73)

Os piauienses discutiam e opinavam sobre sua libertação. O que evidencia estarem motivados a reagir, em virtude da gama de violência a que estavam submetidos e ao mesmo tempo afinados com os ideais revolucionários.

Como se vê nas últimas frases da citação acima os europeus passam a ser vistos como: injustos, aventureiros e ladrões. E que seus bens, terras, propriedades, rebanho, embarcações, moinhos, engenhos etc. poderiam sim legitimamente ser confiscado pelos seus verdadeiros donos os brasileiros. Era constante e inquietante a ameaça de desapropriação.

Imagine então a situação de temor da violência que poderiam ser submetidos os portugueses cada vez mais odiados pela população nativa. Desejosa de sua expulsão e desapropriação. A insegurança, a incerteza e o temor iminente, eram sentimentos angustiantes e aterrorizantes, de a qualquer instante ter sua casa ou propriedade invadida por revoltosos, que no calor do conflito colocaria em risco a própria integridade e a de sua família.

Após a batalha do jenipapo, a notícia da vitória das tropas do Major Fidié sobre os independentes, e do grande número de entes queridos perdidos no campo de batalha, a angustia e o desespero, num primeiro momento deram vazão a uma revolta incontrolável causando grande revolta e violência da parte dos piauienses para com os portugueses locais.

De imediato prevalecendo-se da exaltação popular, Joaquim Bento Pereira, irmão do Alferes Salvador Cardoso de Oliveira, um cabo de nome Eufrásio e seu irmão Félix saíram para o Largo de Santo Antonio gritando, morte aos marinheiros. E assim dirigiram-se a cadeia pública onde se achavam presos nove portugueses de origem nobre chegados de Estanhado, trazidos por Alecrim. Mataram todos eles. (MONSENHOR, 2005, p. 94)

A VIOLÊNCIA NA ESTADA DAS TROPAS EM VIAGEM

Outro aspecto também gerador de violência na província do Piauí durante a independência era a estada das tropas em viagem, fossem elas portuguesas, cearense, piauienses, milícias de ambos os lados e de bandidos. Estes últimos aproveitando o estado de desordem e falta de comando das autoridades locais ocupadas em constantes conflitos políticos.

Quanto às tropas lusitanas, as práticas não eram diferentes, “[...] o perigoso militar português, cujos os soldados por onde passavam cometiam destruição, como “uma legião de terríveis bárbaros” (DIAS, 2005, p. 89-90)

Essa configuração climática dificultava ainda mais o deslocamento de tropas, que no geral apresentam comportamento atípico em decorrência das próprias circunstâncias. Este era um fato que atemorizava a população de vilas, povoações, propriedades rurais situadas ao longo da estrada, quando boatos chegavam, rapidamente se espalhavam por toda a região, generalizando o temor da violência que poderiam sofrer durante a passagem de tropas, independentes de serem oficiais ou de bandos armados, que ora defendiam um lado, ora outro, ora o deles próprios.

É o que constata em seu livro, o pesquisador da batalha do jenipapo, Monsenhor Chaves onde registra ao longo de seu texto o receio da violência comumente exercida principalmente pelas tropas de Fidié:

Corria o mês de novembro e o inverno que já devia ter começado, nem menos se anunciava, naquele ano. Palmilhavam os soldados da coluna, penosamente, quilômetros e quilômetros de várzeas sem fim, nuas e desoladas, sem pastagens para o gado. Vez por outra surgiam, ao longe, a casa e o curral de uma fazenda de gado. Alegrava-se o coração da soldadesca. Apressavam o passo. Quando lá chegavam, não encontravam vivalma. Seus moradores haviam fugido precipitadamente para os matos. Não era boa para aquela gente pacata a companhia de soldados indisciplinados. Matavam reses para saciar a fome daqueles esfaimados. Retirava-se do paiol da fazenda a farinha necessária. Descansavam um pouco após a refeição e depois prosseguiam. A marcha era vagarosa e extenuante. Fidié seguia sobressaltado. Um ataque de forças brasileiras, distribuídas em guerrilhas, naquelas circunstâncias seria uma calamidade. (2005, p. 40).

Durante todo o período de conflitos e lutas pela consolidação da independência do Piauí, a violência praticada por tropas em deslocamento era constante, iminente e real.

Os grupos militares por onde passavam deixavam a sua assinatura, a marca da violência. Devoravam o que encontrassem: a farinha do celeiro, plantações de frutas, verduras. Matavam animais de criação para alimentar toda a tropa, utilizavam toda a água potável encontrada no local, fosse uma residência ou fazenda a margem da estrada.

Praticavam todo tipo de vandalismo, quebrando bens residenciais, ferramentas, utensílios domésticos e de trabalho, matando animais a mais do necessário, entupindo poços artesanais, sentimento aflorado principalmente quando percebiam que os moradores fugitivos haviam escondido quase tudo que possuíam. (MONSENHOR, 2005, p. 74)

Não era apenas o roubo, mas também a outras formas de violência praticadas por estas tropas. Escondiam seus filhos, netos, crianças, jovens que pudessem ser assediados, seqüestrados, violentados, torturados e até mesmo assassinados.

Estas eram práticas desumanas que acirrava ainda mais o descontentamento, o ódio e a repulsa dos piauienses para com os europeus dominadores e violentos.

A VIOLÊNCIA DO BANDITISMO NA PROVÍNCIA DO PIAUÍ

A violência se generaliza em toda a província do Piauí em virtude dos constantes conflitos armados entre portugueses e piauienses no processo de emancipação da província. Atos de violência contra a população civil durante o conflito não eram cometidos apenas pelas tropas oficiais.

Dessa forma, tanto as tropas lusitanas que lutavam para a manutenção da subordinação da província as Cortes Portuguesas, como as piauienses e cearenses que lutavam pela independência do Piauí cometiam atrocidades e ações violentas por onde quer que passassem. Assaltos, roubos, furtos, saques, e outros crimes se ampliaram graças ao surgimento de grupos de bandidos que se aproveitaram do ambiente de caos social gerado pelo aspecto político-administrativo indefinido, que deixava margem para a insegurança, reforçada e propiciada pela impunidade. (MONSENHOR, 2005, p. 76)

Várias cidades e vilas foram saqueadas por bandos, milícias e soldadescos. (MONSENHOR, 2005, p. 84-85)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que fora colocado até então, pode se verificar que o ambiente de caos e desordem na província do Piauí durante o processo de independência do Brasil, favoreceu a generalização de atos de violência muito acima dos níveis considerado comum pelo poder vigente nesta parte do território nacional.

A ausência de um poder administrativo tendo como suporte um aparelho jurídico capaz de se utilizar de instrumentos de coerção social para a punição e execução de medidas moralizantes e ordenadoras, permitiu o surgimento de uma série de práticas até então pouco registradas de violência como: roubos, arrombamentos, saques, seqüestros, incêndios, amedrontamento popular, tiroteios, assassinatos por encomendas, entre outros.

Esse comportamento em proeminência evidencia o momento histórico vivido pelo Piauí, de significativa fragilidade política e administrativa que favorece o aumento do banditismo e da violência tanto de independentes como de legalistas aterrorizando a população nativa e lusitana.

Os portugueses aterrorizados com os revoltosos que cada vez mais se mostravam ousados e aguerridos, tomando e ocupando povoações e vilas por toda a província, acometendo os inimigos da pátria de toda sorte de violência que iam do roubo, passando pelo saque, arrombamentos, seqüestros, a assassinatos, muitas vezes de homens e mulheres de “bem” que nem sempre tinham algum envolvimento com a causa, nem eram simpatizantes das cortes portuguesas.

A população nativa assombrada, tanto com os levantes de independentes por toda parte, como da ira e a reação imediata das forças Reais, pela aplicação dos mais variados instrumentos de coerção, que iam da ameaça verbal, passando pela iminente punição no âmbito jurídico até o do uso das forças militares.

Quanto as tropas fossem de libertadores ou de legalistas promoviam a barbárie nesses tempos de guerra e acabava por obrigar a muitos tomarem uma posição no conflito.

E assim, pessoas que nunca se quer, haviam se envolvido numa briga de vizinho, agora, promoviam atos de agressão e pavor. E o faziam com destemor. Convictos por ideais de liberdade.

Também não se pode desconhecer que alguma parcela se envolvera apenas por não ter algo melhor pra fazer. Estes nem sempre compreendiam os reais motivos, mais foram convidados a participar por intervenção de uma minoria latifundiária desejosa de apoio para promover a liberdade da província do Piauí.

Não há dúvidas de que este ambiente de violência contribuiu muito para a adesão popular sem desconhecer, entretanto, alguns outros motivos de caráter econômico e social para o seu apoio à batalha.

Gradativamente a violência e suas conseqüências, ocasionadores de toda desordem na província, se tornam num dos principais motivos de adesão pela necessidade de colocar, de vez, um fim no ambiente de caos social instalado, que afligia a todos sem distinção, ricos, remediados e pobres.

Os piauienses estavam mais do que conscientes da real situação a que foram reduzidos. Tomaram as medidas e decisões que lhes cabia, não por terem sido seduzidos política ou ideologicamente por determinados grupos, mas por convicção própria.

Não Havia, portanto, outra forma de por um ponto final em todo esse estado de calamidade, desordem e violência na província do Piauí, que não fosse pela expulsão dos arrogantes e impiedosos portugueses opressores, através da maior Batalha da História da independência do Brasil. E assim o fizeram com coragem e brio até então nunca visto em nenhuma das batalhas travadas pelo país no período da independência.

REFERENCIAS:

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Castro, Francisco. A Guerra do jenipapo : a independência do Piauí / Francisco Castro. – São Paulo : FTD, 2002.

Chaves, Monsenhor Joaquim. O Piauí nas lutas da independência do Brasil/Monsenhor Joaquim Chaves. Teresina: Alínea Publicações Editora, 2005.

Dias, Claudete Maria de Miranda. Que história é essa? / Claudete Maria de Miranda Dias. ___ Teresina: EDUFPI, 2005.

Dias, Maria Claudete. O outro lado da história IN: História de Vário Feitio e Circunstância. João Kennedy Eugênio, Org. Instituto dom Barreto, 2001.

Fausto, Boris, História do Brasil / Boris Fausto. – 13. Ed. – São Paulo: Editora da universidade de São Paulo, 2008. – (Didática, 1)

Foucault, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis, Vozes, 1987.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1977. 277p.

JUNIOR, Caio Prado, Formação do Brasil contemporâneo (Colônia), São Paulo, 1945.

Nunes, Odilon, Pesquisa para a história do Piauí: a Independência do Brasil, especialmente no Piauí. Manifestações republicanas. A ordem / Odilon Nunes. – Teresina: FUNDAPI; fund. Mons. Chaves, 2007.

Patrocínio, Raimundo. História do Piauí, da pré-história aos dias atuais com perfil geográfico / Raimundo Patrocínio – Teresina: ; 2008.

David Bandian
Enviado por David Bandian em 31/10/2010
Código do texto: T2589624
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