É Hora de Deixar o Carro em Casa
O deslocamento está sempre presente na vida das pessoas. A expansão demográfica, com maiores proporções nos centros urbanos, pressupõe o ordenamento da utilização dos meios de transporte, sob pena de se tornar inviável essa atividade crucial na vida das pessoas.
A opção pelo rodoviarismo no Brasil, que tem suas origens na década de 40 (a Lei Joppert e a criação do Fundo Rodoviário Nacional), resultou num sistema de 1,5 milhões de quilômetros, responsável pelo deslocamento de 95% de passageiros e 65% do transporte de cargas.
No caso do Estado do Rio de Janeiro, as ferrovias, que antes serviam à região serrana (Petrópolis, Teresópolis, Mendes, Miguel Pereira, etc.), como também à Região dos Lagos (Maricá, Cabo Frio, Búzios, etc.), foram progressivamente desativadas. Na cidade, o sistema de bondes foi abandonado na década de 60. Ele nos servia com absoluta eficiência e duas grandes vantagens: não ser poluidor e ser compatível com o nosso clima, já que não eram veículos inteiramente fechados como os ônibus de hoje.
Não temos hoje uma política de transportes definida para a nossa cidade. Se há objetivos no setor, não são conhecidas as estratégias para alcançá-los. As alterações de projetos de alinhamento objetivando o alargamento dos logradouros são medidas paliativas. A Avenida das Américas, na Barra, dentro de pouco tempo estará saturada –como ocorreu com o Elevado Paulo de Frontin–, pois a fabricação de veículos e as cartas de habilitação concedidas aos novos motoristas não vão deixar de acontecer. O mesmo raciocínio se aplica à Linha Amarela. As nossas vias de penetração e corredores de tráfego são como um sistema (inoperante) de tubos que deve conduzir, com o mesmo diâmetro, uma massa de líquido cada vez maior.
O cenário é tão preocupante que a sociedade finalmente começa a se posicionar. A questão dos transportes foi tratada em três eventos de considerável importância realizados há pouco tempo no Rio: o seminário “O Metrô, a Cidade e a Sociedade do Rio de Janeiro“, na Seaerj*; o seminário “Não Vemos o Rio sem Metrô”, no Clube de Engenharia; e o seminário “O Brasil não Pode Parar”, realizado no BNDES.
A ineficácia da gestão pública nesses últimos vinte anos tem sido o fator responsável pelo distanciamento que coloca em posição de inferioridade, sob o ponto de vista de desenvolvimento econômico, o Estado do Rio em relação a São Paulo, Minas Gerais, Goiás, quase todo o Sul e até alguns estados do Norte. Apesar do fato de que no Brasil, como um todo, o sistema ferroviário praticamente inexiste. Em nossa cidade não ficamos imunes às conseqüências.
A fragilidade da solução rodoviária já havia sido detectada desde os anos 70, sendo atribuído ao modo ferroviário maior eficiência e adequação no transporte de cargas e passageiros. E, no entanto, a extensão do Metrô até Pavuna ainda não aconteceu. A implantação do corredor transversal Barra-Penha, com o uso do bonde moderno, também é imprescindível, e o seu tratamento prioritário já era recomendado por estudos técnicos realizados igualmente na década de 70. A efetiva racionalização do sistema de ônibus em nossa cidade só vai ocorrer com a concomitante implementação (ou re-implantação) do verdadeiro transporte de massas, que se realiza sobre trilhos.
A imprensa (O Globo, 12/05/94) veiculou recentemente a pretensão do governo municipal de ligar a Barra ao Aeroporto Santos Dumont através do HSST (High Speed Surface Transport). O HSST, ou Transporte de Superfície de Alta Velocidade, conforme a matéria, é um sistema em que os trens deslizam por levitação eletromagnética sem tocar nos trilhos. Ótimo. Por que também não desenvolver o projeto, provavelmente já idealizado, da ligação aquaviária entre o Recreio dos Bandeirantes e a Praça Quinze, através de embarcações apropriadas?
O objetivo precípuo de uma Política de Transportes para a nossa cidade, como para grandes centros urbanos, deve ser o de levar o cidadão a deixar o seu carro em casa. As vias entupidas de veículos nos expõem a situações já familiares: aumento considerável do tempo de deslocamento e a conseqüente redução da produtividade no trabalho; esgotamento psíquico dos motoristas; aumento do número de acidentes de trânsito; necessidade de freqüentes serviços de conservação de logradouros; aumento dos índices de poluição química, sonora e visual; aumento do consumo de combustível e outras.
É preciso também repelir a noção de que a implantação de certos modais de transporte só deve acontecer se for bom o retorno financeiro. Ou ainda, que os altos custos para a implantação do projeto conduzem à sua inviabilização. Um sistema de transportes, assim como os de saúde e educação, pode ser viável economicamente, mesmo não o sendo financeiramente. A eficácia do sistema pode levar ao aumento da produtividade no trabalho, gerando redução nos custos dos bens e benefícios, sem falar na melhoria na qualidade de vida da população. É dessa maneira que os ganhos econômicos superam em muito os custos de implantação do sistema.
Rio, agosto de 1994
*Seaerj é a Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro, da qual o autor faz parte
Notas do autor:
(i)hoje (02/10/2006) se acha concluída e em utilização a extensão do Metrô até ao bairro da Pavuna
(ii) o autor é também engenheiro civil
(iii) artigo encaminhado ao Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio de Janeiro