Impermanências

Somos um pouco do que éramos ao nascer, um pouco do que adquirimos durante a vida... acredita-se, um pouco do que fazemos e muito do que nos construímos, acrescidos do que lemos. Partindo dessa premissa, entre uma leitura e outra, o essencial fica na, e com a gente. Comigo ao menos é assim. Lembro-me ter lido Leo Buscáglia há um bom tempo e, além de identificar-me com o seu amor pelas palavras, o jeito singular que seu pai adotara para ampliar o vocabulário dos filhos durante a infância, também me chamou a atenção. Em sua obra 'Vivendo, Amando e Aprendendo', o autor relata que diariamente, ao retornar do trabalho o pai exigia que cada filho lhe apresentasse ao menos uma nova palavra. Caso nenhuma palavra nova surgisse espontaneamente, durante o dia, ao entardecer deveriam buscar no dicionário para apresentá-la mais tarde. O que inicialmente, tratava-se de algo impositivo, acabou tornando-se habitual na rotina familiar, ao que o autor atribui uma das razões do seu gosto pelas palavras.

Muito antes de conhecer Buscáglia, penso desde muito criança, sempre gostei do mundo das letras, das palavras. E, como o autor, tão logo tive acesso, passei a buscar seus significados, seja no dicionário, seja em outras fontes de consulta. Ouvidos de cão, sempre atentos... de maneira especial, algumas palavras, não necessariamente desconhecidas, mas fora do uso cotidiano, ao soarem em meus ouvidos, ficam ecoando... ecoando... e ressoam a tal ponto, que não me aquieto enquanto não for em busca de sua etimologia. De posse desses conhecimentos, realizo o confronto: palavra, aprofundamento teórico, concepções e sentidos, para enfim significá-las, sobretudo, atribuindo-lhes um significado que diga respeito à minha subjetividade.

Nem sempre o óbvio é tão óbvio...

Impermanências, uma pérola que ultimamente tem instigado sobremaneira, meus sentidos. ...‘IM-PERMANÊNCIAS’... Permanências sei muito bem do que se tratam. Afinal, convive-se com tantas coisas permanentemente. Percorrendo a mesma trilha, gado marcado, segue mansamente ao matadouro... São tantos hábitos, tantos modos de ser e de agir repetitivos, repetidas vezes, que acabam cristalizando ações, tornando-as permanentes. Atitudes essas, como se inscritas no DNA ou feito tatuagem, se inscrevem de tal forma no agir, que torna-se difícil identificar até onde as coisas são inatas e onde começam a ser adquiridas. Assim, permanências confundem-se em 'ser e estar sendo'. Penso, somente o autoconhecimento nos permite crescer e avançar na compreensão de velhos hábitos, para, ao dar-se conta, romper com amarras e abrir-se à mudança, ao novo e à entrega à impermanência da vida...

Afinal, o que há de fato de permanências na vida?

A morte. Isenta de preconceito, tampouco pretensa de adentrar questões religiosas, ouso afirmar que no plano físico, apenas a morte é permanente, apenas a morte é para sempre. Ademais, tudo são impermanências... Portanto, faz-se necessário, refletir e ressignificar conceitos. Talvez, revê-los e pragmatizá-los, teorizar não basta. O mundo das ideias precisa tocar o chão da vida cotidiana. A vida é tão rara e tão efêmera que transitoriedade, imprevisibilidade, imprecisão e ineditismo são da vida, como a vida é do tempo. O estar aqui é breve passagem, impermanência...

Impermanências... a impermanência da vida no modo de ser, de viver e de sentir dos seres humanos. A impermanência do pensar, do ver, do saber e do dizer. A impermanência do certo e do errado, do lógico e do analógico. E, quando se trata de autoconhecimento, tudo é elaboração, tudo é progresso, tudo é caminho, a impermanência nos aponta a direção do incerto, do inédito, da infinitude das ideais e das infindas possibilidades... Lembro-me de um bordão cristalizado em minhas concepções infantis: 'pedra que muito rola não cria limo...' mamãe afirmava isso como se limo, fosse uma agradável proteção e 'mover-se' algo muito perigoso. Felizmente, as pedras rolaram e hoje é possível avançar. É possível perceber, se permanência é o que é, ou seja, ideias, pensamentos, como são e estão, de modo estático, cristalizado, imutável, então de maneira elementar é possível afirmar, que permanência é sinônimo de morte e finitude, e impermanência posso interpretar como sinônimo de vida em movimento, infinitude...

Assim, ao considerar Pompeu e Pessoa, ‘Navegar é preciso, viver não é preciso’ pretensiosamente, posso afirmar que:

Impermanência é a vida gerando-se no útero da temporalidade,

Impermanência são os passos da bailarina embalados pela música da vida no palco do tempo;

Impermanência é o passo do equilibrista sobre a corda bamba da vida no espetáculo do dia a dia;

Impermanência é a vida no seu aqui e agora... o ser não é, o ser está sendo.

Impermanência portanto, é o it do instante que Lispector nos legou, pois:

Impermanência é a graça do instante estar sendo e a possibilidade do segundo a seguir vir-a-ser...

Sim, temos apenas e tão somente, a plenitude do instante e a impermanência do presente.

Sê feliz agora!

PS: A título de curiosidade, ao assistir o filme 'Cerejeiras em Flor', descobri que a flor de cerejeira é o símbolo da impermanência, vale a pena conferir;

Gelci Agne
Enviado por Gelci Agne em 26/08/2010
Reeditado em 12/08/2011
Código do texto: T2459829
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