Avaliação de Fotonovela DST/AIDS
FOTONOVELA – AVALIAÇÃO
Pesquisadoras:
Aurea M. da Rocha Pitta - DCS/CICT/FIOCRUZ
Luiza Maria F.Cromack – NESA/UERJ
Estagiário: Renato Stoducto do Rego Julho de 2000
I - INTRODUÇÃO
Dentre as estratégias de ação adotadas pela Assessoria de DST/Aids da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro para o combate à epidemia de Aids, a produção, reprodução e distribuição de materiais educativos tem tido papel de destaque. Os materiais impressos têm sido via de regra produzidos com intuito de veicular informações a diferentes segmentos da população, em especial para as chamadas categorias de maior risco de exposição. Visando a prevenção das DST/Aids tem-se cada vez mais não só pensado-se na produção de materiais mas também na avaliação dos mesmos.
Tendo como objetivo a possível reprodução da FOTONOVELA no segundo semestre de 2000, a Assessoria de DST/Aids da SES/RJ decidiu viabilizar a realização de um estudo para a análise de sua recepção, com vistas a avaliar a pertinência não apenas da produção final e reprodução do material, mas ainda, em caso de validação do mesmo, melhor direcionar sua distribuição.
Com este objetivo foi realizado entre 05 de junho e 15 de julho de 2000, este trabalho de avaliação. A opção metodológica para a realização do presente estudo levou em conta os prazos da Assessoria de DST/Aids da SES-RJ. Sendo assim, não se trata de um estudo que incorpore métodos etnográficos de observação, mas um trabalho mais estruturado que culmina com uma análise baseada em evidências reunidas junto a grupos focais e algumas entrevistas livres.
II- ETAPAS DO ESTUDO
Coleta de dados:
Descrição das principais características do produto comunicativo
Realização de entrevistas com profissionais envolvidos na sua produção
Realização de grupos focais
Realização de entrevistas isoladas
Análise dos dados
Elaboração de relatório com recomendações
III – BREVE HISTÓRICO
A FOTONOVELA foi produzida em 1995 no contexto da implantação de um Projeto de Prevenção de DST/Aids em Comunidades Empobrecidas financiado pelo Ministério da Saúde. Neste contexto, a mulher começava a ser pensada como um segmento de relevância epidemiológica no que diz respeito a epidemia de Aids, necessitando-se, desta forma, de um material educativo mais direcionado para este segmento.
O contexto epidemiológico atual, onde a transmissão heterossexual assume cada vez mais relevância no processo de disseminação da epidemia, vem a corroborar a necessidade de produção e distribuição deste tipo de produto. No entanto, entendeu-se que este processo deveria ser precedido de um “pré-teste” do material em questão.
A equipe de coordenação do Projeto entendeu ser necessário um material que tivesse um apelo visual, textual, e fosse voltado, mais especificamente, para o perfil sócio-econômico “alvo” do projeto – “comunidades empobrecidas”. Esta conclusão veio da observação de alguns materiais já existentes, que não levam em consideração elementos do cotidiano deste segmento da população, a necessidade de uma linguagem mais acessível, ou que leve em consideração o reduzido acesso deste segmento ao ensino formal ou à informações sobre prevenção e promoção e saúde.
IV - SOBRE O ENFOQUE TEÓRICO - METODOLÓGICO UTILIZADO
Partimos do pressuposto de que os materiais de comunicação produzem SENTIDO a partir de um CONJUNTO DE CIRCUNSTÂNCIAS envolvidas na relação texto-leitor ou em situações concretas de leitura a partir das quais, o sentido de seu formato, gênero, temáticas abordadas, formas de abordagem das mesmas, diagramação e qualidade da impressão, seres, situações e conceitos que povoam o universo simbólico do texto ou do “pacote discursivo” é construído pelo leitor.
Entende-se ainda que as possibilidades de apropriação de atitudes propostas pelo produto (pedagógico em sua essência) ou de reforço de atitudes e situações suscitadas pela memória do leitor, ou mesmo de incorporação destes ao espaço da prática social concreta dos sujeitos ao mundo do habitus não são processos lineares. Uma avaliação deste âmbito do processo comunicacional só se resolveria a partir de etnometodologias e análises de situações concretas que fogem dos objetivos deste primeiro estudo.
Estas circunstâncias por sua vez, estão determinadas pelo modo de circulação e acesso ao material, que vai permitir que esteja menos ou mais exposto ou acessível aos segmentos populacionais implícitos ao seu processo de produção.
Deste modo, uma análise da “recepção”, com vistas a averiguar a necessidade de investimento de recursos públicos na reprodução do referido material requer não apenas uma coleta de impressões sobre a compreensão que se tem do material, mas uma análise em profundidade que situe estas impressões em uma “rede social” concreta de uso do material, coerente com os receptores implícitos ao seu processo de produção.
Em outras palavras, é necessário considerar o material em questão como unidade: a relação do leitor com o texto, deve levar em consideração o contexto e as situações concretas de leitura, as mediações e formas cotidianas de utilização, a relação entre gênero, formato, conteúdo e formas de circulação; a incorporação de núcleos discursivos do material ao mundo da prática discursiva e social dos sujeitos, alterações concretas no mundo da prática social destes sujeitos: estas duas últimas dificilmente apreenssíveis por um estudo com o recorte metodológico aqui utilizado.
Se o tempo foi um fator de limitação de uma avaliação com as características acima expostas, procurou-se compensar as limitações com a estruturação de um grupo de entrevistados e participantes de grupos focais minimamente próximos ao perfil dos receptores implícitos ao texto da FOTONOVELA.
Este perfil de “receptor” foi construído, assim, artificialmente, mas com base no perfil de uma rede social “ideal” no sentido weberiano, ou seja, que correspondesse às expectativas de público constituídas pelo texto produzido.
Os participantes do estudo foram então bastante heterogêneos em termos de faixa etária, sexo, escolaridade e inserção social.
Partiu-se ainda da noção geral de que o receptor trabalha sobre o texto não com o que lhe falta, mas com o que dispõe de conhecimento (Araújo, 1995). Portanto, os caminhos da leitura e da interpretação - ou da chamada “recepção” – tem uma íntima relação com os “lugares sócio - discursivos” e relações circunstanciais que se estabeleceram entre eles no momento concreto da leitura.
Levantadas as impressões sobre o produto, partiu-se para a análise dos discursos reunidos. Foram avaliadas as características do emissor e do produto emitido, bem como alguns indicadores sobre a relação entre receptores e materiais.
V - DESCRIÇÃO DO MATERIAL
V.1.Planejamento e pré-produção
O material em análise foi planejado e produzido pela Assessoria de DST/Aids em parceria com a Associação de Moradores do Morro do Pau da Bandeira , uma comunidade do bairro de Vila Isabel e com uma Associação de Moradores da Favela da Rocinha, AMABB (Associação de Moradores do Bairro Barcelos). Ambas já vinham desenvolvendo trabalhos relacionados à área da saúde, não necessariamente relacionados à prevenção de DST/Aids.
Durante as discussões que fizeram parte do planejamento do material sua distribuição e utilização foi pensada como voltada para moradores de “comunidades empobrecidas”, onde já houvesse algum envolvimento com trabalhos de prevenção de DST/Aids, ou seja, o material não teria como objetivo esgotar as informações sobre o tema, mas sim ser um material que pudesse funcionar como disparador de discussões e reflexões.
A produção participativa do material implica em toda uma avaliação de processo, já que este envolve necessariamente uma prática educativa, da qual faz parte o retorno para as comunidades envolvidas deste produto final. Só o compromisso assumido junto às comunidades envolvidas por si só já justifica sua reprodução ainda que num primeiro momento possa ser feito como piloto para uma circulação mais restrita.
Os dados sobre sua produção, distribuição e circulação foram obtidos a partir de entrevistas realizadas com profissionais que participaram de seu processo de planejamento e pré-produção.
V.2. Sobre valores e noções implícitos ao texto
Os valores “centrais” identificados no texto são aqueles considerados por diferentes autores como pilares dos processos de organização das chamadas classes populares, ou seja, a família, o trabalho, a comunidade, a localidade, a solidariedade. Os conflitos e a violência que muitas vezes atravessam o cotidiano da população de qualquer classe social foi descartada de seu conteúdo dramático.
V.3.Impressão e diagramação
O material encontra-se impresso em folha de formato A4, com 12 páginas numeradas, grampeadas e com impressão colorida. A FOTONOVELA foi entregue à equipe de avaliação ainda sem capa e sem título e com baixa qualidade de impressão.
V.4.Gênero
Utiliza o gênero fotonovela, ou seja: um texto estruturado sob a forma de diálogos travados por personagens fotografados, e com um roteiro que se desenrola de forma linear. Não traz o título na 1ª página, motivo pelo qual vem sendo tratada ao longo deste relatório por "FOTONOVELA".
O gênero foi aprovado pelos grupos comunitários que participaram de seu planejamento e os próprios moradores construíram as situações de dramatização que originaram o roteiro apresentado. Os atores participantes também atuaram na produção da fotonovela, tendo tido bastante envolvimento durante todo o processo.
É importante ressaltar ainda que uma das características dos chamados gêneros ficcionais é uma espécie de reencontro com matrizes culturais tradicionais e com uma possibilidade de resgate da memória individual e coletiva – uma espécie de restauração da experiência coletiva, fragilizada pelo turbilhão de meras “vivências” com que se defrontam as sociedades contemporâneas.
Como o referido material não foi reproduzido em formato final, muitos colaboradores buscam até hoje pessoas da coordenação do projeto e cobram a reprodução do mesmo, relatando com orgulho sua participação para parentes e amigos.
V.5. Receptor implícito ao texto produzido
A imagem do receptor construida (implícita) ao discurso (texto e imagem)
Quanto aos destinatários implícitos ao material, destaca-se como núcleo do material, um casal na faixa etária dos 30-40 anos. Numa ordem secundária e decrescente em nível de importância pode-se situar os seguintes segmentos de receptores implícitos:
Mulher casada de família de baixa renda
Casal de família de baixa renda
Adolescente do sexo feminino de família de baixa renda
Profissional mulher de Posto de Saúde
Comunidade de baixa renda
Homens casados e pais de família na faixa etária dos 30-40 anos
Adolescentes homens
Assim, apesar dos personagens centrais estruturados pelo campo da produção se constituírem numa família típica dos subúrbios e morros cariocas das chamadas classes populares - trabalhadores de baixa renda, o receptor implícito central ao roteiro da história, é a mulher casada de família de baixa renda. É importante ainda ressaltar que o gênero escolhido, por si só, traz subentendido receptores do sexo feminino.
V.6. Objetivos do material (o que ele pede ao leitor?)
Objetiva fomentar uma reação produtiva e solidária – na família e nas comunidades - no caso de contaminação pelo vírus HIV.
Pede que o leitor aprenda a lidar com essa situação problema, evitando a discriminação e o desespero.
VI – ANÁLISE DOS DADOS
VI.1.Sobre as condições de leitura e interpretação da avaliação
É necessário ressaltar que um estudo desta natureza apresenta limitações que dizem respeito às condições de produção do próprio ao momento do trabalho de grupo e entrevistas: deve-se assim ressaltar:
Há silêncios e reticências no estudo. Alguns com seu sentido incorporado à análise, outros que continuarão a fazer parte daquilo que não é apreensível num estudo desta natureza.
Existe um “viés” criado pela presença do entrevistador/coordenador de grupo que gera interferências no comportamento dos participantes. Acreditamos, no entanto, que mesmo com estas limitações, os dados reunidos trazem indicadores relevantes para a tomada de decisão acerca da produção, impressão e distribuição do material em questão.
A composição do grupo de entrevistados não contou com nenhum indivíduo do sexo masculino e faixa etária correspondente a do casal.
As cópias do material utilizadas no estudo não se encontram com boa qualidade de impressão/resolução, o que pode interferir em sua recepção e percepção. Houve ainda, dificuldade por parte da Assessoria de DST/Aids da SES/RJ em fornecer cópias do material para realização do estudo, fato que deve ser considerado como dificultador da realização deste trabalho e também no momento de pensar sua reprodução para circulação.
VI.2 - Sobre a relação do leitor com a FOTONOVELA
De modo geral, todos os participantes dos grupos focais e entrevistados consideraram a fotonovela um excelente material informativo. Tiveram curiosidade em manipular e ler o material. No momento de espera para a realização do primeiro grupo focal as pessoas, que passavam e viam o material, fossem profissionais da Unidade fossem clientes, manifestavam interesse em conhecê-lo, seja através de um olhar curioso, mais demorado buscando detalhes para entendimento, seja através da própria solicitação direta para manipulá-lo. No entanto algumas questões específicas devem ser consideradas.
“Gostamos...a gente lê sempre sobre isso. Não tenho nada contra não...Acho que revista é bem melhor, tem mulher que é nojenta, tem homem nojento, na revista eles vai se interessar”
VI.3 - Sobre identidades do leitor com o texto:
O material provocou reações no momento das entrevistas relacionadas com diferentes temas correlatos à história. Em ordem de importância dada ao tema, a fidelidade masculina foi a mais referida pelas entrevistadas.
“É interessante, porque pega a questão dos maridos, porque os homens são uns galinhas", “O homem trai mesmo, na maior cara de pau: toda mulher casada hoje tem que usar camisinha...”; “Achei o marido dela bem ignorante”; ‘Sua esposa não merece, aí você apronta as suas...e dá nisso”
Da mesma forma, mas um pouco menos referida foi a culpabilização da mulher em relação às DSTs e Aids
“A culpa de tudo das doenças sexualmente transmissíveis cai sempre na mulher; “...boa (referindo-se à fotonovela), mas na maioria das vezes o homem nunca admite ser o responsável pelo contágio”.
O terceiro tema mais suscitado foi o preconceito em relação às DSTs e Aids:
“Ainda existe e é muito forte”; “Temos que quebrar (em relação à Aids)”; “Todo mundo tem preconceito mesmo, a filha dela ficou com vergonha preconceito, a filha foi na casa de uma colega e outra que trabalha no posto de saúde...”; “Tem certas pessoas que negam que tem preconceito...se souberem que uma pessoa tem Aids não quer abraçar, beijar....”; não chega perto de mim porque está com essa doença...’; Até pra você desfazer isso a novela (fotonovela) é boa... porque tem preconceito. Se distribuísse na favela...’
“É interessante também porque acaba com o preconceito; viver mais tempo é possível com um bom tratament.o”
Em paralelo a este, surge fortemente em um dos grupos e em uma das entrevistas, o tema da solidariedade:
“achei melhor o final, a comunidade ajudou ele, a fazer uma festa...” ; "... todo mundo tem que apoiar, a família todo mundo tem que dar apoio..."
“A idéia principal....o que eu vi é a comunidade. A comunidade pelo que você tá contando não tem que criticar...tem que apoiar, não brincar. Tem que apoiar (repetidas vezes).”
A partir da crítica à cor de pele da filha do casal, a discussão em um dos grupos passou a girar em torno de herança de cor de pele e também causou espanto no outro grupo:
“Mas o bebê pode nascer mais clarinho em alguns casos...”;
"Ih! A mãe dela é preta!!!..."
Outra questão que surge e perpassa as duas primeiras é a das relações de gênero:
"..o negócio deles é:... Ah!..esta garota tá dando mole ...vamo lá pra trás..." (referindo-se a algum lugar escondido)
"...se uma garota chama o cara para sair e na hora pede sexo isto já não é um bom sinal..."
O uso da camisinha foi referido apenas uma vez apesar de não ser mencionado mais explicitamente no texto . Uma das mulheres de escolaridade de 1o grau, ao se referir ao seu uso, pareceu “não confiar tanto” em sua eficácia como providência isolada.
“Se usa camisinha tá resolvido?...tá nada....tem que saber com quem é (que se transa), da onde que ele é, se é confiável...eu penso assim...”
O tratamento foi pouco referido:
“...é importante começar logo o tratamento..."
A noção de que a Aids pode matar, mas pode também ser controlada (sendo por isso importante divulgar a forma como se “pega”) foi também referida.
VI.4 - Dúvidas suscitadas pelo texto
As principais dúvidas suscitadas pelo texto dizem respeito às formas de transmissão da doença e a relação entre tuberculose e Aids. Em alguns momento, o texto da FOTONOVELA parece ter como pressuposto um leitor medianamente informado sobre o processo de transmissão do HIV - o que na maioria dos casos de entrevistadas de baixa escolaridade não é verdadeiro. Apesar de algumas entrevistadas afirmarem ter “muita informação” apresentam, contraditoriamente dúvidas essenciais sobre a doença e modos de transmissão.
A relação entre tuberculose e Aids trabalhada desde o início do texto, provocou dúvidas, revelando necessidade de conhecimento prévio da relação em duas entrevistadas de escolaridade de primeiro grau.
“É a tuberculose (referindo-se ao tema principal da FOTONOVELA). Nem sei se a tuberculose passa isso. Pela revista aí tá dizendo que passa pela tuberculose....acho que não é a tuberculose que passa isso.”
No que diz respeito a transmissão do vírus HIV, algumas dúvidas persistem e merecem ser mais bem detalhadas no texto da publicação, como por exemplo nas páginas 2 (diálogo entre D. Raimunda e o médico) e página 5 (diálogo D.Raimunda e agente de saúde), onde o “pico” na veia, a gravidez e a amamentação são citadas de forma vaga e deixando margens a leituras distorcidas. Um dos participantes revela leitura da transmissão por transfusão bastante confusa:
”Ele pegou doando sangue"
De outro lado alguns participantes acham interessante as novidades em termos de novas informações ou informações a outros “menos informados” :
“Achei interessante a questão do mosquito como informação, já que o mosquito “morde” mais de uma pessoa”;
“Muita gente não sabe e acha que pega no copo, beijo na boca etc..."
Outros ainda, consideram o texto sem muitas novidades:
“ Tenho um pouco mais de conhecimento...algumas partes eu pulei, eu não ia ler isso (formas de transmissão) porque eu já sabia”
“Eu sei tudo sobre Aids. Quando a pessoa sabe fica meio repetitivo, mas tem muita gente que não sabe...”
VI.5 - Sobre casos conhecidos suscitados pela leitura:
No caso de adolescentes homens, apesar de não se constituírem num primeiro plano de recepção implícita ao texto, a história suscitou a lembrança de casos familiares, como por exemplo nos casos de participantes com escolaridade de 2o grau e de 1o grau respectivamente:
“Minha mãe, do jeito que eu deixar vai ficar. Ela chega do trabalho, vai conversar com as colegas, aí arruma um namorado, sai com o namorado, arruma outro namorado...e aí vai...eu já falei pra ela...quero ver se um dia ela está com um cara e aí encontra o outro.....qual vai ser a reação...”só entro em casa depois dela ou se entro antes vou dormir.”
“Minha ex-sogra e meu ex-cunhado não estão mais aqui nesse mundo, porque tiveram dúvida. Por eles ter dúvida...a gente tava sentindo que eles estavam emagrecendo...ora uma pessoa em 3 dias não pode emagrecer assim. Quando a família da minha ex-sogra foi ver....Da parte da D. Raimunda ela teve dúvida...tem que fazer jogo aberto, não pode ter dúvida...”
VI.6 - Sobre a Linguagem adotada:
De modo geral, os participantes da avaliação consideraram a linguagem adequada ou “...de acordo com a linguagem do povão...”. No entanto, algumas observações devem ser ressaltadas sobre o assunto. Consideraram, de modo geral, o vocabulário simples e o português “legal”. No entanto cabem aqui algumas observações feitas acerca da linguagem adotada - como totalidade discursiva do produto.
Sem dúvida uma das limitações a este tipo de análise encontra-se no que se refere ao viés que a presença do entrevistador/coordenador pode causar - gerando constrangimentos para as respostas e colocações (por mais que o reconhecimento desta possibilidade leve a esforços que tentem minimizá-la).
Ao se perguntar o nível de escolaridade dos participantes, por exemplo, se estabelecem constrangimentos, observados principalmente nos participantes de mais baixa escolaridade que sentiram necessidade de justificá-la:
"...a gente teve que parar de estudar.."
Uma entrevistada afirma ter 1ª série o que depois fica confundido com primeiro grau. O mesmo constrangimento aparece na questão da renda familiar. Chegando em alguns casos a fazer-nos questionar a fidedignidade da informação dada. Assim talvez haja também dificuldade em apontar-se problemas quanto à compreensão da linguagem adotada. Estes mesmo constrangimentos e as dificuldades de assumir um desconhecimento sobre tema tão relevante, levou talvez muitos dos participantes a apontar "o outro", "o povão", "os ignorantes" como os destinatários do material.
VI.6.1 - Atores e personagens
A maioria dos participantes dos grupos e entrevistados acha os traços de Patrícia, a filha do casal e uma das personagens centrais da história, muito diferentes em relação aos do pai e mãe.
“A filha deveria puxar ao pai e à mãe...”; “está desproporcional; a filha é branca e a mãe negra e o pai também...”
"Ih! A mãe dela é preta!!!
“Talvez eu imaginaria dois negros...”(sobre o casal)
VI.6.2 - Sobre impressão e diagramação
A impressão é precária (xerox colorida?). Tende para cores muito escuras.
As letras dos “balões” (das falas) estão todas em caixa alta, apesar das letras maiores ao início de cada oração. Talvez fosse interessante analisar o efeito de letras maiúsculas e minúsculas ou um outro tipo de formato de letra com maior espaçamento entre os “tipos”.
O posicionamento de quadros e diálogos deve ser melhor planejado, colocando-se em lugares da página de maior destaque (canto direito superior ou inferior da página direita por exemplo) as questões mais relevantes ou passíveis de suscitar dúvidas no leitor.
VI.6.3 - Sobre o roteiro da história
Diversos comentários foram reunidos sobre o roteiro da história. Sobre a situação de crise do casal, a situação foi considerada distante da realidade da população:
“Acho que poderia xingar mais ele de cachorro, expulsar de casa como na vida real. Pode acontecer assim, mas “tá devagar” a história. “Hoje em dia as mulheres tá mais liberal, mais revoltada”.
“Achei estranho não bateu nela....não teve violência...que é meio normal esse negócio de violência...”
“É...mas se fosse ali em cima...(aponta para a direção do morro)”
Em relação a postura de D. Raimunda, muitas entrevistadas a acharam indecisa:
“Pelo que eu li achei bacana, mas achei que a D. Raimunda tinha que chegar e comunicar logo ao marido...”olha meu esposo...tou com esse problema, suspeita de que estou com aids...e ir junto com ele ao médico....ela não teve culpa...não tem que esconder...”
“Eu na mesma hora chamaria meus familiares e se não quisessem ajudar eu ia procurar apoio...para durar mais...espero que se consiga cura...”
“Só que eu achei que na história ela teve medo de contar. Tem que ser realista...não esconder...mas a história tá boa...”
"..se fosse comigo eu falaria logo para a minha família não ia ficar escondendo o jogo... tanto que o pai pensou que houvesse algum problema com a filha..."
Sobre o posicionamento da comunidade, apesar de alguns acharem o final “feliz” consideram um pouco distante da realidade que enfrentam:
"O fim é meio estranho: é difícil a comunidade aceitar...”
"Já pensou se fosse com a família inteira? Seria pior...Por sorte eles tinha pessoas na comunidade que são amigas que gostam de conversar...."
“achei melhor o final, a comunidade ajudou ele, a fazer uma festa...”
Sobre o comportamento dos filhos no momento da separação dos pais houve comentários diferenciados:
"...tem uma parte chata (no sentido de triste) – quando eles se separam ela vai para casa da mãe, a filha fica....Ele tinha que chegar pra mulher e conversar já no começo...Tanto que ele pensou que tinha acontecido alguma coisa com a filha deles..."
"...a menina se preocupa com os dois lados, eu adorei a parte dela; ela ficou com o pai dela."
Sobre a veracidade da história, foi considerada por uma das participantes como “coisa que acontece”:
“Parece que é realidade...pode acontecer e acontece “
Sobre a relação com os profissionais de saúde:
“Tem uma parte legal, a que a garota foi procurar a amiga (agente de saúde)...e passou para a mãe...”
"Ao detectar-se que o paciente é “aidético” o próprio médico deveria encaminhá-lo para um grupo de apoio"
Sobre o final da história:
“Achei estranho que no final da história que a filha do casal sumiu”
“Tava quase pulando a página para ver o final...mas a leitura é interessante”
“O texto tenta puxar uma curiosidade do que vai ser no final”
VI.6.4 - Sobre gênero
De maneira geral a FOTONOVELA foi considerada interessante, atraindo a leitura de diferentes perfis de leitores. Foi sugerido um tamanho um pouco menor - uma revista pequena possa facilitar o transporte e manipulação, proporcionando também a fácil utilização em curtos períodos de tempo, como em salas de espera e outros. O gênero “fotonovela colorida”, foi considerado “inovador” para este tipo de objetivo podagógico.
“...legal ser que nem uma revista mas devia ser uma revista pequena que nem gibi”
“Legal...ser foto , não ser quadrinhos (desenhos)...” ( estudante de 2º grau)
É importante no entanto atentar para o próprio gênero como definidor de sentidos, bem como para uma possível desvinculação entre o gênero FOTONOVELA – com sua dimensão tradicionalmente lúdica e sua pretensão eminentemente pedagógica.
O gênero escolhido, foi apontado na primeira avaliação, como classicamente ligado a situações românticas e/ou eróticas, podendo influenciar a recepção, bem como a credibilidade do material. Cabe-nos avaliar em estudo futuro até que ponto tal fato poderia vir a comprometer o objetivo do material. É importante ressaltar que há muito, tal gênero não é veiculado comercialmente, como o foi no passado com objetivo único de veicular histórias de romance. Pelo contrário, talvez pela maior facilidade de produzir-se fotos do que ilustrações, o gênero tem sido recentemente utilizado em materiais educativos na área de saúde com um certo “sucesso” .
A imagem foi considerada importante como recurso de linguagem. O sentido dado a imagem como recurso de linguagem no entanto, diz mais respeito a uma intenção pedagógica do próprio entrevistado (estudante de 2o grau), que assume uma posição de saber diante das situações do texto. É interessante relativizar a “força” sempre atribuída a imagem que pode, muitas vezes, “aprisionar” o sentido ao invés de liberar o leitor para uma interpretação mais livre.
“A figura é importante.. você tem que colocar na imaginação que aquilo está acontecendo....dá mais criatividade...mais noção do que está acontecendo...”
Foi considerada importante também a utilização das imagens , no sentido de permitir maior identificação com a realidade e fatos do cotidiano.
"... você vê que aquilo pode acontecer..."
O fato do gênero escolhido construir o destinatário “mulheres de classes populares” restringiria sua circulação?. Neste estudo este fato não foi apontado pelos participantes (ambos os sexos e de faixas etárias diversas) como um problema a ser pensado. Com exceção do grupo de adolescentes onde em um momento fala-se que as vezes o "...o homem só quer fazer (falando sobre a relação sexual)...levar as meninas para o canto, não querem se informar..."
VII - SOBRE QUEM DEVERIA LER
Foram citados os seguintes tipos de públicos:
família......(tipo de público para o qual foi feita)
todas as pessoas gostariam de ler
amigos do colégio, do trabalho, da igreja
populações grandes, ignorantes...
escolas (várias citações) “Das escolas chegam aos pais e mães”
“comunidades”
colegas meus..
minhas colegas....
VIII - LOCAIS E FORMAS DE DISTRIBUIÇÃO
Foram recomendados pelos entrevistados:
Canteiro de obras,
Escolas,
Biroscas,
Associações de moradores,
Postos de saúde,
Festas de saúde,
Cais do porto,
Feira de S. Cristóvão,
Terminais de rodoviária,
Outros lugares onde o nível de informação é quase inexistente.
Empresas
Postos de Saúde
Central do Brasil em hora de fluxo,
Pontos de ônibus,
Lugares em que se possa ocupar tempo disponível
IX - OUTRAS SUGESTÕES
Junto com a cartilha deveriam ser anexados telefones de grupos de apoio ou associações que pudessem dar apoio ao doente no enfrentamento deste “drama” porque acho que deve ser desesperador você fazer um teste , dar positivo, e não ter ninguém para te orientar naquele momento – como a história relata.
X - RECOMENDAÇÕES
X.1.Sobre noções e conceitos que atravessam o texto:
Enfatizar a questão da responsabilidade, e não apenas o cuidado de “si”, como por exemplo: fazendo sexo sem proteção ou usando seringas de forma compartilhada pode-se prejudicar o “outro”.
Incluir nos diálogos a importância e a responsabilidade social do uso do preservativo.
X.2.Sobre o gênero, formato, diagramação e qualidade de impressão:
Repensar o formato: muitos entrevistados consideraram mais interessante o formato “gibi”: 14cmX19,5cm
Melhorar a resolução gráfica.
Incluir capa e título atraente
Incluir créditos (instituição/instituições produtora)
Incluir nomes de atores e participantes no processo de planejamento e produção
X.3.Sobre conteúdo e roteiro:
Apesar do material não ter como objetivo esgotar as informações sobre o tema, mas funcionar como disparador de discussões e reflexões, é prudente pensar na possibilidade de leituras “solitárias” do material (sem debates ou orientações posteriores), bem como nas possibilidades que contem o material de disponibilizar informações de utilidade para o leitor, como informações sobre diagnóstico, atendimento, transmissão, prevenção e tratamento.
Caso isto venha a prejudicar a linha dramática e o roteiro da história recomenda-se disponibilizar informações, endereços, telefones de utilizade pública e mapas epidemiológicos da Aids num anexo à publicação (a Aids no mundo, no Brasil e no Rio de Janeiro)
Quanto as mudanças necessárias no texto da FOTONOVELA propõe-se:
Esclarecer melhor as formas de transmissão , por exemplo no quadro 1 da página 2, quando o médico dirige-se à cliente e fala sobre "relação sexual e pico na veia" e sobre as formas de prevenção , na página 5 quadro 1 quando a agente de saúde fala e fica confuso a questão parceiro único X uso de preservativo
Destacar a importância do uso do preservativo. É espantoso o fato do médico não incluir em seu diálogo com D. Raimunda a importância da utilização da camisinha como forma de prevenção, para si e para o outro, independente do estado sorológico da pessoa.
Tornar mais claras as informações quanto à relação tuberculose e Aids, bem como as formas de transmissão do HIV, situando a caixa de diálogo sobre a relação entre a síndrome e a doença em local de maior destaque da página direita (canto direito superior ou inferior).
Enfatizar, na página 11 - quando se fala da participação do posto de saúde na campanha – a importância de que esta atividade seja sistemática e não apenas episódica.
X.4. Sobre segmentos de público e distribuição:
Elaborar mapa de distribuição em comunidade piloto para um primeiro acompanhamento de sua utilização. Este plano de distribuição deverá levar em conta 1 ou dois bairros, e locais destes bairros recomendado pelos participantes da avaliação:
Canteiro de obras,
Escolas,
Bares e “biroscas”,
Associações de Moradores,
Terminais de ônibus,
Empresas,
Igrejas
Postos de Saúde,
Pontos de ônibus,
Outros lugares onde o nível de informação é quase inexistente e lugares em que se possa ocupar tempo disponível
Outros pontos centrais da cidade podem servir de ponto de partida para uma distribuição de massa como:
Central do Brasil,
Cais do porto,
Feira de S. Cristóvão,
X.5 - Quanto ao acompanhamento e avaliação :
Após a sua distribuição para os moradores da área em que foi planejada, recomenda-se proceder a uma segunda avaliação. Conforme o resultado poderá ser pensado o desdobramento da FOTONOVELA em uma “série” com capítulos, roteirizando histórias de vida de cada membro da família e comunidade.
XI - BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Inesita Soares e JORDÃO, Eduardo. Velhos Dilemas Novos Enfoques: uma contribuição para o debate dos estudos de recepção IN: PITTA, A . M. R. Saúde e Comunicação. Visibilidades e Silêncios. São Paulo: HUCITEC-ABRASCO, 1995.
BORELLI, Sílvia Helena S. Gêneros Ficcionais: materialidade, cotidiano, imaginário IN: SOUZA, Mauro Wilton(org.) Sujeito: o lado oculto do receptor ECA/USP/Brasiliense, 1995
BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas SP, Editora Brasiliense 1990
FAUSTO NETO, Antônio. A deflagração do sentido: estratégias de produção e de captura da recepção IN: SOUZA, Mauro Wilton(org.) Sujeito: o lado oculto do receptor ECA/USP/Brasiliense, 1995
HEILBORN, M. L. Gravidez na adolescência. Considerações preliminares sobre as dimensões culturais de um problema social. IN: Projeto de Estudos da Mulher- ASF/USAID, 1998
LEAL, Ondina Fachel. Etnografia de audiência: uma discussão metodológica IN: SOUZA, Mauro Wilton(org.) Sujeito: o lado oculto do receptor ECA/USP/Brasiliense, 1995
PINTO, Milton José. As Marcas Linguísticas da Enunciação, 1995
SANCHO, J. M. Para Uma Tecnologia Educacional. Porto Alegre: ARTMED, 1998.
XII – ANEXO: PARTICIPANTES DOS GRUPOS FOCAIS E ENTREVISTADOS
Nome Escolaridade Idade/E.civil Prof./R. fam.
Michele Rodrigues * 2a série/2o grau 19 anos
Solteira Do lar
1 a 3 SM
Kelly Cristina Alves * 1a série/2o grau 21 anos
casada Domést.
4 a 5 SM
Mônica Gonçalves dos Santos 2o grau inc. (parou) 22 anos
companheira Manicure
4 a 5 SM
Maria do Carmo Viana * 1º grau compl 32 anos Do lar
Incerta-biscate
Isiana Souza * 3ª série/ 1º grau 28 anos Doméstica
2 a 3 SM
Vanessa Souza Trindade * 5ª série / 1º grau 14 anos Do lar
3 SM
Wilza Alves da Paixão * 4ª série / 1ºgrau 28 anos Do lar
1 a 3 SM
José Luiz Figueiredo ** 2ª série do 2º grau 18 anos
Solteiro Estudante
Adalberto de Souza ** 8ª série do 1º grau 14 anos
Solteiro Estudante
Gisele Pimentel Gomes ** 8ª série do 1º grau 17 anos
Solteira Estudante
Lucimar Caetano ** 3ª série do 2º grau Solteira Estudante
Alessandra*** Sarmento 3. grau incompl. 26 anos
solteira Trabalhad./estud.
4 a 5 SM
Luisa Oliveira*** 1o grau incompl. 12 anos
solteira Estudante
Mais de 10 SM
Juçara Moreira*** 3 grau completo 48 anos
casada Doméstica
Mais de 10 SM
Lourdes**** 1o grau completo 46 anos
separada Encar. de limpeza
1 a 3 SM
Maria Lúcia Mendes**** 1o grau completo 36 anos
solteira Auxiliar de cozinha
1 a 3 SM
Lindomar da Silva Paula**** 1o grau completo 41 anos
separada Cozinheira
a 3 SM
* Grupo de contracepção do Centro Municipal de Saúde Maria Augusta Estrela- Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
** Grupo de adolescentes da Atenção Primária do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente - NESSA/ UERJ.
***Entrevistas individuais
****Funcionárias da empresa WELL DONE de refeições industriais e comerciais