GOIANÉSIA NEGA SUA HISTÓRIA E TRATA COM DISCRIMINAÇÃO TRABALHADORES NORDESTINOS DA CAMARGO CORREA

Em 2005, a Anglo American, gigante mundial no ramo de mineração se instalou oficialmente em Barro Alto, com investimento superior a R$ 1 bilhão no aproveitamento de níquel nas jazidas do município.

O primeiro passo para a realização da empreitada foi a contratação da empreiteira Camargo Correa para construção das obras de infraestrutura. Também gigante no ramo, a Camargo Correa contratou aproximadamente 4 mil trabalhadores, a grande maioria oriunda das periferias de grandes centros como Salvador (BA), Recife (PE), São Luiz (MA) e Fortaleza (CE).

Alguns destes trabalhadores alugaram casas em grupos de três, quatro, cinco ou até mais pessoas em Goianésia e em Barro Alto, gerando uma especulação muito grande no valor do aluguel imobiliário. Mas a grande massa proletária foi instalada em uma vila operária fincada na encosta de uma serra, entre Barro Alto e Goianésia. Apelidada de Carandiru pelos próprios trabalhadores, a “cidadela”, composta de barracos improvisados de madeira, sem qualquer infraestrutura, ruiu em dezembro de 2008, quando foi eclodida uma rebelião. Na ocasião, trabalhadores atearam fogo nos alojamentos e entraram em choque com a Polícia Militar.

Os trabalhadores reclamavam de atraso no pagamento, mal remuneração, péssimas condições de trabalho e pressão por parte da empreiteira. Tudo isso, aliado ao álcool, que teria animado os líderes da rebelião, acabou deflagrando uma constatação que sempre se repetiu quando se amontoam pessoas, vendo nelas apenas possibilidades de mão-de-obra.

PRECONCEITO

Um grupo de homens andando pela Avenida Goiás, todos vestidos de uniforme amarelo, bem amarelo. Raramente uma outra cor se mistura a este amarelo. Em Goianésia, se promove a solidão do amarelo, o apartheid do amarelo, o exílio do amarelo.

Os motivos para se justificar o preconceito são os mais variados possíveis. Alguns descartam o termo preconceito e se justificam dizendo ser apenas “reserva de mercado”, “não querer dividir o bolo”, e termos semelhantes. Nesta lógica, os peões da Camargo Correa (pejorativamente apelidados de PCC) estariam “tomando” empregos que seriam destinados aos trabalhadores de Goianésia. Apenas por isso a hostilidade a eles. Esta lógica cai por terra quando aplicada aos engenheiros e técnicos da Jalles Machado e Usina Goianésia, por exemplo. Estes profissionais são tratados com grande esmero e bajulação pelos goianesienses.

Outro argumento largamente usado para justificar a repulsa pelos forasteiros seria que eles estariam diretamente ligados ao aumento da violência em Goianésia. Curiosamente, de acordo com a Polícia Militar não foi registrado nenhum homicídio, estupro, sequestro ou assalto cometido por algum operário da Camargo Correa.

Aproximadamente 90% dos assassinatos na cidade tem ligação com o tráfico de drogas. Os "peões" da Camargo Correa não trouxeram o tráfico de drogas e as bocas de fumo para cá e não são os chefes delas. Esta mazela é uma prerrogativa goianesiense. É fruto da terra. Na esmagadora maioria dos assaltos a pessoa física ou a estabelecimento comercial, são de autoria de meliantes goianesienses. Quando é registrada alguma ocorrência policial é por alguma briga, discussão ou som alto, nada que os goianesienses “nativos” não façam no seu dia a dia. Ironicamente, os alojamentos dos camarguenses são constantemente visitados pelos amigos do alheio, que subtraem roupas, calçados e outros itens.

A HISTÓRIA SE REPETE

Goianésia em sua gênesi foi ocupada por trabalhadores oriundos das Minas Gerais e do Nordeste, em especial a Bahia. Laurentino Martins, Jalles Machado, José Carrilho entre outros nomes vieram, mas acompanhados de "peões" para trabalhar nas lavouras. Pessoas que não diferem dos "peões" de hoje da Camargo Correa. Então, a maior parte da população de Goianésia hoje é formada por filhos e netos destes "peões". Talvez os mesmos que se negam a compartilhar a cidade com esses forasteiros tiveram os pais e avós na mesma situação de trabalho nas décadas de 40, 50 e 60.

De acordo com a sociologia, a cidade é um lugar comum e não pertence a alguém ou a algum grupo em específico. Pertence a todos. Pertence tanto ao José, que nasceu aqui como do João, que veio para cá há seis meses. No caso de Goianésia, esta situação fica até mais plausível de se discutir já que é uma cidade nova, composta em sua maioria por pessoas que nasceram em outras terras e aqui vieram ganhar a vida e criar suas famílias.

Quando se fala que o contingente de trabalhadores forasteiros onera os cofres públicos gerando demanda no atendimento hospitalar esquece-se de mencionar que eles também são clientes das farmácias de Goianésia, gerando lucros. Quando se fala que os camarguenses aumentam as despesas do município com itens como Educação e Saneamento, esquece-se de mencionar que o comércio de alimentos, vestuário, bebidas, combustíveis, entre outros é aquecido pelo dinheiro dos homens de amarelo.

É comum, em época de falecimento de algum pioneiro da cidade, louvar a sua bravura e coragem e reconhecer os feitos realizados por Goianésia. Todos que engrossam este coro se esquecem que estes pioneiros de hoje foram, na sua maioria, os peões forasteiros de ontem. Será que teremos que esperar mais 50 anos para reconhecer que quem vive em Goianésia, quem trabalha em Goianésia, não importa por quanto tempo e de onde vem, é mais um de nós, sem distinção de cor, sem repulsa ao amarelo?

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 08/05/2010
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