Dúvidas sobre a amizade
Luiz Luna*
“Estou com 54 anos e conheço muita gente. Muitos se dizem amigos, mas na verdade sempre estão interessados em alguma coisa. Lamentavelmente, constatei que praticamente não tenho verdadeiras amizades, pois quando precisei, a maioria dos que com quem convivi se afastaram. Como homem com uma formação cristã, sempre procurei colaborar com o sucesso dos semelhantes, mas nem sempre essa via é de mão-dupla...”
Resguardadas as falhas de memória com relação à precisão das palavras, o depoimento acima escutei de um arquiteto e isso faz dez anos. A idéia, porém, está retratada com fidelidade. A conversa foi longa e ainda hoje tenho contato esporádico com esse poeta-filósofo, que considero amigo e uma pessoa especial, porque consegue superar as adversidades do relacionamento interpessoal, notadamente quando o conflito se estabelece. A vida é assim, recheada de alegrias e decepções, de aprendizado e busca de novas realizações. O ser humano repõe rapidamente seus desejos assim que satisfaz uma necessidade. Como já dizia o imperador romano Augustus (antes de Cristo), a vida é um grande teatro. Entre aquela época e hoje existe uma diferença enorme de cenário, no entanto os sentimentos e atos da humanidade são semelhantes.
Quem gosta costuma proteger, mimar e até mesmo atropelar alguns costumes no sentido de impressionar a quem nutre afeto (geralmente em detrimento da coletividade). Mas esse é o verdadeiro sentido da amizade? O dito popular “ter amigo na praça é melhor do que dinheiro na caixa” se alia ao ensinamento dos estudiosos do mercado de trabalho: devemos adquirir um extenso network (rede de relacionamentos) para facilitar nossa ascensão profissional. Ou seja, há nessas idéias a indução ao materialismo e à aproximação do outro visando atingir algum objetivo específico. Isto destoa do conceito de amizade que pregamos, porque o que na verdade simboliza a verdadeira relação fraternal são sentimentos um pouco fora de moda na atualidade, como solidariedade, simpatia, respeito, amor, sinceridade, entre outros. Para ajudarmos outrem, não devemos necessariamente conhecer, nutrir algum sentimento especial, isso é uma obrigação intrínseca do homem social, que preza pela harmonia do ambiente em que vive, juntamente com sua família.
São distorções na forma de comunicação, no entendimento do que seja realmente um amigo, que causa frustração, desentendimento e decepções entre as pessoas. E a cada dia as relações humanas atingem um novo nível de complexidade. Temos atualmente um termo bastante em voga: amigo virtual. A expansão da internet e de sites de relacionamentos como o Orkut, contribui sobremaneira para a disseminação desse termo, notadamente entre os jovens, ainda imaturos no que tange à arte de bem se relacionar. Se bem que, nesse aspecto, provavelmente a idade não influencie muito, pois entre os da terceira idade também são comuns as dúvidas em torno do real significado da palavra amizade, como aconteceu com meu amigo arquiteto.
Ainda bem que esses desencontros não se constituem em um absolutismo, havendo muitas pessoas felizes com seus relacionamentos interpessoais e convictas de que possuem boas amizades, não sendo necessariamente a distância ou o tempo de comunicação que define essas relações fraternais.
* Jornalista e especialista em gestão de pessoas.