" O cara "
O CARA
Dilan Camargo*
Devo confessar, sinceramente, que se eu fosse presidente de um país importante não gostaria de ser elogiado de “o cara”. Principalmente, se quem assim me chamasse fosse presidente de uma das maiores potências do mundo. Se eu fosse presidente de um país que faz parte do chamado grupo do BRIC, formado pelas quatro potências emergentes no mundo contemporâneo, eu ficaria muito desconfiado se recebesse esse elogio de ser “o cara”. Ficaria mesmo.
Mesmo na minha pouca experiência globalizada eu sei muito bem o que essa expressão “o cara”, aparentemente simpática, significa aqui ou na Conchinchina. Eu não me enganaria com esse tipo de elogio e nem o divulgaria com destaques e comemorações na imprensa nacional. Preferiria não tê-lo recebido e até me constrangeria em aceitá-lo publicamente. Sim. Há alguns elogios em que a elegância, a prudência e, principalmente, a inteligência de quem o recebe, deve deixar bem claro que não os aceita. E esse, de ser “o cara”, certamente é um deles. Procuraria esquecê-lo o mais rápido possível. Afinal, que elogio é esse? Quais as qualidades que caracterizam e exaltam aquele que o recebe? Desconfio que não é coisa boa.
Geralmente, essa designação, “o cara”, é dada para aquele tipo de sujeito fanfarrão, saliente, exibicionista, parlapatão, que sempre tem uma piada fora de hora, que conta uma história em que ele é o personagem principal e em que sempre leva vantagem. Ele sempre conta uma façanha nada extraordinária, mas em que ele é “o cara”. Nas rodas de conversa entre amigos, nos bares, e até nas rodas entre presidentes, em conversações internacionais, ele sempre é o mais esperto, o mais desenvolto, o mais gracioso. Ele precisa ser o centro das atenções, solta alguma frase pitoresca e posa na primeira fila das fotografias. Ele mede a sua importância pelo que pensa que aparenta. É verborrágico, loquaz, mesmo que isso incomode os demais e que espalhe um certo mal estar entre os presentes.
Não, eu não gostaria de ser elogiado como “o cara”, mesmo que o fosse pelo presidente de outro país. Esse é um elogio para cervejeiros de mesa de bar, de beira de praia, para adolescentes vendendo a própria imagem, para mentirosos contumazes sobre suas façanhas sexuais, seus negócios ou suas pescarias. É um elogio com o seu duplo sentido, que raramente é percebido pelo elogiado, porque ele fica eufórico e arrebatado com a sua própria bazófia e parlapatice. Não, ele não se flagra que esse tipo de elogio é um recado, ainda que polido, para fazê-lo silenciar e parar com as suas presunções.
No vocabulário popular, assim como “numa boa”, “o cara” é uma espécie de loa, sabe, um pára-te-quieto, um elogio barato, e, às vezes, o único antídoto contra a chatice. Elogiar alguém de “o cara” é passar-lhe um certificado de uma pessoa sem grandes qualidades. Na ausência de virtudes e talentos a serem elogiados no interlocutor, mas de alguma forma ainda premiá-lo por sua singular cara-de-pau, usa-se uma gíria simpática, descompromissada, desentendida. E diz-se para todo mundo ouvir: “ele é o cara”.
Mas, eu, não gostaria de ser elogiado de “o cara”. Não mesmo.