“Crica em pograma”
Como costumava dizer um velho conhecido aos colegas de trabalho diante de alguma dificuldade que surgia no computador, “crica em pograma”. De tanto ele usar, a expressão atravessada na gramática virou uma espécie de bordão entre amigos para designar uma saída diante qualquer dificuldade.
Assim, é possível sugerir às pessoas que usem o controle remoto da TV para “cricar em pograma”, ou melhor, para rejeitar programas desinteressantes e vazios ou até para manter o aparelho desligado. Há sempre boas opções de lazer e entretenimento longe da telinha ou até mesmo nela, mas através de um cardápio que envolva filmes previamente escolhidos.
É tese comprovada que vivemos numa época em que boa parte das doenças é diagnosticada como de fundo emocional. Também é fato que já existem médicos recomendando aos seus pacientes o uso intensivo do controle remoto. A recomendação, com princípios embasados na medicina oriental, é simples e muito eficaz: diante da TV o controle remoto deve representar a censura individual a todo programa que noticie ou exalte a violência.
Vale ressaltar que essa receita médica se transforma quase em ordem quando o paciente é cardíaco. Há algum tempo uma amiga me contou que seu pai, que se encaixa perfeitamente neste perfil, foi proibido de assistir a qualquer telejornal. O motivo foi um princípio de enfarto que o levou às pressas ao hospital depois de ter visto na TV uma notícia de tiroteio entre traficantes do Rio de Janeiro no mesmo bairro onde residia a filha.
Perceber com tanta nitidez os efeitos nocivos de notícias assim fez o médico do pai dessa amiga ser taxativo: de agora em diante na TV somente os programas da Rede Cultura (sem os telejornais, é claro!) e aqueles de humor nos moldes de “A Grande Família”, “Zorra Total” e “A Praça é Nossa”. Sem entrar no mérito do tipo de humor dos dois últimos, tenho que admitir que antes ficar plantado diante deles sem dar uma risada sequer do que matar a curiosidade e a si próprio com tantas desgraças noticiadas cotidianamente.
Algumas vezes pude sentir, em viagens para lugares sem TV, o que é ficar dias sem notícias do mundo. É uma experiência única e benéfica, para não dizer terapêutica. É como constatar que não precisamos estar antenados com tudo o que acontece ao nosso redor para nos sentir vivos. Ao contrário, morremos um pouco a cada dia em meio à nossa impotência diante da enxurrada de coisas ruins provocadas e sentidas pelo próprio ser humano.
Enquanto nos sentimos impotentes e conseguimos apenas lastimar os rumos escolhidos por grande parte da humanidade, nossas mentes fazem bem mais do que isso: elas criam tumores, gastrites, aneurismas, depressões, síndromes do pânico, anorexias, que são verdadeiras bombas-relógio dentro do nosso corpo.
Ainda que esteja longe de ser o remédio mais recomendável para um paciente já acometido de estresse ou de doenças mais graves, o controle remoto pode, ao menos, simbolizar o poder que ainda temos de acionar em nós mesmos tudo aquilo que queremos ou precisamos mudar. É como o “cricar em pograma” para vencer algum obstáculo na informática...