JOÃO CALDAS E A QUESTÃO DA SABREVIVÊNCIA

Em entrevista ao UOL News, o deputado João Caldas, do PL de Alagoas, disse que não dá para sobreviver com o mísero salário de R$ 12.847. Ele alega que além dos gastos pessoais precisa ajudar seus eleitores. Pelo seu próprio relato, Caldas é um cristão na perfeita concepção da palavra. Para a sorte do parlamentar benfeitor, surge Severino Cavalcanti, o novo presidente da Câmara, e a sua generosa proposta de aumento de salário. Subirá para R$ 21.500, retroativo a janeiro. Tem mais: em janeiro de 2006, mais 14%, o que corresponde a quase o triplo da meta da inflação para o ano todo.

Se aprovado o aumento, cada um dos 513 deputados embolsarão R$ 24.500, um aumento de 91%. Além disso, eles dispõem de algumas regalias como o auxílio-moradia, cotas para telefone e correio, verba de gabinete e mais quatro passagens aéreas por mês de Brasília para a capital do Estado de cada um. Pergunta: e se o deputado morar na capital federal? Simples: para não ficar em desvantagem recebe o equivalente a quatro passagens de avião para o Rio de janeiro.

Hoje, só de despesa com deputados federais o país gasta R$ 35.974.509. Com o reajuste, passará para uns R$ 50 milhões por mês. Com toda essa dinheirama, os nobres senhores deputados alegam passar aperto.

Em maio o salário mínimo passará de R$ 260 para R$ 300, um reajuste de 15,38%. Se com quase R$ 13 mil João Caldas fica no vermelho, imagina os usuários do salário mínimo brasileiro, que têm se virar para pagar supermercado, aluguel, transporte coletivo, farmácia e outras despesas mais. Descobri por obra e graça do deputado João Caldas que sou um super-herói. O alagoano me reconciliou com os meus sonhos de garoto. Ganhando menos de 10% do que ganha Caldas consigo sustentar uma família de quatro pessoas, pago prestação de um moto, estou me preparando para casar e ainda me dou ao luxo de freqüentar locadora de vídeo e pizzaria. E ainda recolho o meu dízimo à Igreja, religiosamente.

João Caldas lançou um desafio: dá o seu salário para quem quiser administrar, só para provar que é verdade que não consegue sobreviver com essa ninharia. Também lanço um desafio ao deputado: faça um estágio comigo e aprenderá a sobreviver com 10% desse salário.

Até o fechamento desta coluna, o deputado João Caldas militava no PL. Não estarei surpreendido se ele já estiver em outras fileiras, já que só entre 1999 e 2001, ele passou por oito partidos.

* Escrito em 2005.