A CARNAVALIZAÇÃO DA POLÍTICA BRASILEIRA

A política brasileira tem exibido um carnaval de escândalos com seus personagens corruptos e cínicos numa folia que tem durado o ano inteiro e não só os três dias dessa festa popular. O Congresso Nacional transformou-se num sambódromo às avessas, onde sambistas de terno, colarinho branco e gravatas, desfilam um samba-enredo com mais enredos do que samba. Governadores, senadores, e deputados, enredados em comissões de frentes, de fraudes, trazem ao asfalto as alas da antiescola Unidos Jamais Seremos Punidos. Desfilam em carros alegóricos que representam castelos medievais, bezerras de ouro, ambulâncias com sanguessugas, anões do orçamento, mansões, mensalões, netos secretos, contas secretas, dinheiro nas cuecas, nas meias. Desfilam no noticiário, políticos passistas que se lixam, que se espreguiçam, e outros tantos, enredados em irregularidades com amantes, parentes, descendentes de incontáveis gerações e graus. Ao povo, nas arquibancadas, sobra apenas a vaia, ou o aplauso manipulado. O povo não entra em cena. Entra somente nos campos de futebol, onde vira a alma do avesso quando a bola ultrapassa a risca fatal. Partidarizadas, as centrais sindicais, a UNE, os movimentos sociais, também dançam nessa folia orgiástica. Talvez, a nossa pior doença seja a “suspensão das consciências”, como escreveu o escritor galego Manuel Rivas em seu livro “O lápis do carpinteiro”.

Esses “fenômenos políticos”, no Brasil, já não podem ser estudados e nem compreendidos pela racionalidade da dita ciência política. Temos que nos valer do conceito de carnavalização, estudado pelo lingüista russo Bakthin. Para ele, carnavalização é o mundo de cabeça para baixo, a transgressão das leis, dos costumes, das hierarquias, quando a exceção torna-se a regra e instaura-se o vale-tudo. Ele o aplicou para a interpretação de obras literárias. Podemos aplicá-lo para tentar entender a ‘nossa’ política. A carnavalização vem do carnaval medieval, império da desordem e do riso, da crítica e da sátira grotesca do Estado, da Igreja, das leis, dos valores, dos costumes. Os de “baixo” ficavam por “cima” durante os três dias de permissividade e desregramento. Aqui, os de “cima” estão liberados para fazer carnaval o ano inteiro.

A festa carnavalesca medieval tinha uma função catártica, liberadora de energias e desejos reprimidos, e até mesmo de indicar transformações sociais e culturais. Manifestava-se pelo “realismo grotesco”, pelo império dos baixios do corpo, do ventre, dos órgãos genitais, do traseiro, sobrepondo-se aos “altios”, à cabeça, ao pensamento, à reflexão. Até essa “festa” foi expropriada pela política carnavalizada, em que alguns políticos, com suas fantasias de originalidade e luxo, desfilam no corruptódromo.

Talvez, por isso, o povo brasileiro seja o que tenha o corpo e a mente mais carnavalizados do planeta e que faz disso a sua maior virtude, para o bem ou para o mal, como se costuma agora dizer. O fato de que o melhor que nós brasileiros sabemos fazer, sambar e jogar futebol, seja praticado com os pés, talvez não represente apenas uma característica antropológica, mas uma desgraça política.

*Dilan Camargo