POLÍTICOS E MÁGICOS

No mês de junho, o deputado búlgaro Borislav Velikov surpreendeu o Conselho Europeu, ao transformar água em vinho, com a ajuda de uma cartola e de um lenço. Segundo apurei na imprensa, ele converteu água mineral no legítimo vinho tinto Cabernet Sauvignon. Só para se ter uma idéia, uma garrafa de 750 ml desse produto custa em torno de R$ 60,00. Pelo menos no Pão de Açúcar, da cidade de Curitiba. Na Bulgária, este valor pode chegar a pelo menos três vezes mais. Não sei quanto ganha um deputado na Bulgária, mas garanto que melhor negócio seria para o senhor Borislav Velikov, se ele abandonasse o terno e se tornasse um mágico profissional. Poderia se especializar em transformar água em vinho. Com 15 litros de água diários, o deputado poderia faturar R$ 1.200,00. Em um mês, sua renda poderia chegar a R$ 36.000,00. Sem fazer muito esforço e sem ser chamado de ladrão.

Não sou muito de acompanhar políticos internacionais. Já me encanto demais com os nossos. Acho, inclusive que o tal deputado búlgaro é uma piada. Pouco original. Esse milagre, Jesus Cristo já fez há 2 mil anos, numa festa de casamento. Espero que Borislav Velikov não tente andar sobre as águas. E espero, ainda mais profundamente, que não seja crucificado. De qualquer forma, Borislav é fichinha perto dos políticos brasileiros. Cheguei a conclusão que a Bulgária não entende de mágica e nem de truques. E muito menos da espantosa capacidade dos políticos brasileiros.

Se Borislav se acha o máximo em transformar uma simples água mineral em um vinho de segunda categoria, ele precisa conhecer Paulo Maluf, o talentoso. O maior mágico da política brasileira, Maluf é um caso para a ciência. Talvez, a ciência oculta. Só de transações financeiras na Suíça, o ex-prefeito de São Paulo, movimentou nos últimos anos U$ 200 milhões. Tudo devidamente negado por ele. Ainda não se sabe como Maluf consegue tanto dinheiro. De acordo com a Polícia Federal, Paulo Maluf teria um patrimônio de R$ 380 milhões. Pelas contas de Maluf, são "apenas" R$ 38,98 milhões. A matemática nunca foi o forte de nossos políticos. A maior mágica de Paulo Maluf é nunca ter sido condenado e conseguir fazer a Justiça acreditar em suas inexplicáveis contabilidades. Se Borislav tem o dom de transformar água em vinho, Maluf tem a graça de converter centavos em dólares. E ainda de quebra, reduzir oficialmente seu patrimônio. Segundo o próprio Maluf, que é candidato a prefeito novamente, seus bens têm reduzido sensivelmente nos últimos anos. Nada que ele não possa resolver, acredito.

No Brasil, não me lembro de ter ouvido algum político se declarar rico. Eles são seres excêntricos. Ao contrário da maioria da população que declara que quer enriquecer, não importa se pela Mega Sena, herança ou até vender a alma, os políticos têm pretensões mais franciscanas, como servir à comunidade e se oferecer para o bem da coletividade. Quer ofender um político? Chame-o de rico. No Brasil, os políticos gostam de se parecer com miseráveis, mas não abrem mão do luxo. Em época de campanha, é possível localizar José Serra comendo pastel com caldo de cana, e enquanto enxuga a gordura, dizer que vendia verdura na Moca. Calças jeans surradas, botinas, camisas de feiras são quase uniforme de campanha. Como todo regra há exceção, apresentamos Marta Suplicy, a prefeita paulistana.

Agora, um personagem me chama a atenção em especial. O senador carioca Marcelo Crivella é um fenômeno na política. Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e cantor gospel, Crivella, que foi eleito com consagradora votação, quer agora ser prefeito do Rio de Janeiro. Segundo a Folha de São Paulo, Crivella já vendeu em torno de 4 milhões de CDs, é acionista da TV Record, de Franca, no interior de São Paulo, e além disso, fatura em torno de R$ 13 mil, como senador. Suponho, que como Bispo, ele deve ter algum tipo de abono. Assim como os políticos, também sou péssimo em matemática. Mas, Crivella perde de goleada para mim. Ainda de acordo com a Folha de São Paulo, só em 2003, o senador faturou R$ 540.573,46.

Misteriosamente, o patrimônio total declarado de Marcelo Crivella ao Imposto de Renda é de R$ 21.846,28. Ou seja, é quase um miserável. Todo o patrimônio que ele conseguiu juntar em vida, como pastor, bispo, cantor, compositor e senador é insuficiente para ele adquirir um lote até mesmo na Favela da Rocinha. A reportagem da Folha não especificou como Crivella perdeu tanto dinheiro, mas o fato é que ele merece entrar até para o Livro dos Recordes. Não sei se ele foi assaltado dezenas de vezes ou se distribuiu todo o seu dinheiro aos pobres, como sugere o verdadeiro Evangelho. Vamos crer que Marcelo Crivella esteja correto em sua declaração. Então, ele é um péssimo administrador. Agora, quer ser prefeito do Rio de Janeiro. Como um sujeito que, segundo suas próprias declarações, diminui seu patrimônio em mais de 80% em dois anos, acredita que tem condições de administrar a prefeitura da cidade maravilhosa? No mínimo, administração não é o seu forte. O que agrava mais é que Crivella prega nos púlpitos da Igreja Universal a teologia da prosperidade, segundo a qual se você for correto para com suas obrigações sagradas, devolvendo o dízimo e contribuindo com generosas doações para a Igreja, Deus te dá prosperidade. Ou o Bispo Marcelo Crivella não está seguindo a cartilha corretamente, ou então, Deus está provando a fé do religioso como fez com Jó.

Voltemos ao mágico búlgaro, o deputado Borislav Velikov. Se fosse brasileiro, suas peripécias de fraque lhe renderiam no máximo, um trabalho como assessor do Palácio do Planalto. Só imagino que Lula, ao invés do vinho Cabernet Sauvignon, preferisse que ele transformasse água em uísque. Escocês de preferência. A verba do uísque poderia ser injetada no Fome Zero. Precisamos de Borislav Velikov urgentemente no Brasil. Sem ele, o Fome Zero corre sério risco de não decolar.

Obs. Artigo publicado em 2004.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 12/02/2010
Código do texto: T2083244