CATÁSTROFES NATURAIS

Na transição de um ano para o outro, gostaríamos de ouvir apenas as notícias festivas de muitos fogos, férias e esperanças de acontecimentos bons para o novo ano que se inicia. No entanto, surpreendentemente, somos confrontados com desastres e tragédias de toda ordem. Parece até que os acontecimentos negativos aumentam nestes períodos de festas. Penso que a simultaneidade e a intensidade de repararmos em tantas notícias festivas e negativas na passagem de ano é uma questão psicológica. Gostaríamos apenas as alegrias festivas, mas a realidade se sobrepõe ao desejo de alienação, imaginando que a vida se resume em divertimento. Com tanta publicidade de Festa, excluímos como que a possibilidade do sofrimento, da dor, dos desastres de nosso psiquismo. Por isto, qualquer referência a acontecimentos negativos nos afeta de forma mais intensa neste período de festas. Na verdade, estes acontecimentos negativos acontecem durante todo o ano, mais ou menos intensamente. Mas, como em tempos não festivos a nossa sensibilidade positiva e esperançosa não está tão estimulada, convivemos mais tranquilamente com tudo de bem e de mal que nos envolve no dia-a-dia. Catástrofes naturais já aconteciam muito antes de o homem habitar este nosso planeta. Desde que a terra é terra ocorrem abalos sísmicos, terremotos, deslizamentos de terra, maremotos, tsunamis, enchentes, tufões, tornados, tempestades, ciclones, chuvas torrenciais, chuvas de granizo, explosões de vulcões, etc... Diante de tantas tragédias para a vida , causadas por tais fenômenos naturais, muitas vezes na história o ser humano se perguntou, a partir de suas crenças, filosofias e conhecimentos científicos, o porquê destas calamidades. Ainda mais quando se acredita num Deus bondoso, misericordioso, onipotente, e que quer o bem de suas criaturas pela Divina Providência. Por que este Deus permitiria tanta tristeza e desgraça para os homens? Seria castigo?

Na busca de respostas, a literatura religiosa, filosófica e científica, muitas vezes, não passa de conjeturas míticas: o dilúvio, Sodoma e Gomorra, culpa do homem, impossibilidade da razão humana em compreender os desígnios de Deus e a natureza; segundo os teólogos e filósofos otimistas, Deus criou o melhor dos mundos possíveis, mas o homem desconhece as leis que regem este mundo; outros pensadores afirmam a inexistência de Deus , ou se orientam por uma idéia deísta, que não nega a existência de Deus, mas diz que o Criador colocou as leis no universo, e nelas não interfere mais . Desta forma, Deus teria dado ao homem a razão com a qual ele pode pesquisar e conhecer a natureza, e se organizar de acordo com as leis inerentes à natureza.

De acordo com estas compreensões mais otimistas, ou mais pessimistas; mais crentes, ou mais descrentes; mais míticas, ou mais científicas; mais livres, ou mais preconceituosos, já surgiram na história ocidental vigorosas polêmicas entre religiosos, filósofos e cientistas. Uma das mais significativas para os tempos modernos foi a polêmica entre Voltaire e Rousseau, quando do terremoto em Lisboa, em 1755. Este terremoto devastou Lisboa, afetando outras localidades de Portugal e norte da África, matando, segundo algumas informações, cerca de 100.000 pessoas. Em relação a este terremoto, Voltaire escreveu um poema, questionando a Providência Divina, a misericórdia e a bondade do Deus do filósofo otimista Leibniz, que ensinava que nosso mundo era o melhor dos mundos que Deus poderia ter criado. Voltaire se perguntava: que Deus bondoso era este que enviava um maremoto por cima de um povo, na hora (09:30 h) em que a maioria o estava louvando, presente às missas que se celebravam no Feriado Religioso dedicado a Todos os Santos (1º. de novembro)? Deus estaria castigando Lisboa? e as crianças inocentes que pereceram aos milhares? que Deus era este que assim castigava seus fiéis?

Frente a estes questionamentos, o filósofo Rousseau contestou a Voltaire, explicando que Deus nada tinha a ver com estas catástrofes naturais. A catástrofe que se havia abatido sobre o povo de Lisboa era fruto da arquitetura absurda da cidade e da ignorância das leis da natureza. Quem mandara construir casas tão perto do Rio e do mar?

Além desta polêmica entre filósofos, havia também religiosos que atribuíam a tragédia de Lisboa aos pecados dos lisboetas. Portanto, teria sido castigo de Deus. Mas, diante disto, como entender que em Lisboa, justamente, numa das ruas, com maior índice de prostituição, as casas haviam permanecidas intactas? Ou que em Londres e Paris se dançasse mais do que em Lisboa, e nestas cidades “pecaminosas” nada tivesse ocorrido?

Polêmicas semelhantes se multiplicam até nossos dias, e voltam a ser propostas toda a vez que ocorrem catástrofes naturais. Embora existam múltiplas explicações possíveis, o mais adequado seria deixar Deus fora de tais polêmicas, pois muitas destas catástrofes poderiam ser minimizadas se o homem respeitasse a natureza. E se conscientizasse que a natureza é muito mais poderosa do que o ser humano, e tem exigências ecológicas que o homem deve respeitar.