Café com Lenz
Livraria Café de La Barca, San Carlos de Bariloche, inverno de 2006.
Livros, café, tango, jazz e música clássica. Nos últimos vinte anos noticia-se que caiu pela metade o número de leitores entre os jovens no mundo.
“Criem cafés literários”, teria sugerido um célebre escritor.
No menu do café, uma sugestão para o dia: “Busque o lado bom de todas as pessoas”.
A Cordilheira, com sua alva imensidão lembra o mar, tão belo e instrutivo, movimento perpétuo e elementar como a solidão gelada da Patagônia.
Naquela pequena livraria reencontrei Georg Büchner no livro dedicado a Lenz em cujo prólogo vi-me transportado ao passado onde a descrição da curta trajetória do dramaturgo alemão - que morreu precocemente aos 27 anos - ressaltava algumas obras importantes como “A Morte de Danton” que havíamos montado há 40 anos no inicio da faculdade.
“A arma da revolução é o terror”, bradava Robespierre, a personagem de Büchner que eu interpretara em tantos ensaios da magnífica e histórica peça que nunca chegamos a estrear. Havia uma grande angústia, uma enorme carga dramática no texto cujas motivações agora ficavam mais claras: Büchner estava a fugir da polícia e da justiça por ter criado uma sociedade de direitos do homem em 1835, Estrasburgo, e se opor aos poderosos, aos opressores, aos impostores, ansiando por uma Revolução Alemã, à semelhança da Francesa. A polícia o vigiava, e neste dia de grande excitação escreveu “A Morte de Danton”, produto de uma longa pesquisa que fizera e que espelhava o fatalismo da história.
Escrevera numa carta à família que para a classe majoritária existem somente duas molas: a miséria material e o fanatismo religioso. “Todo o partido que saiba manejar estas molas triunfará. O nosso tempo precisa de ferro e pão, e depois de uma cruz, ou qualquer outra coisa.”
Büchner recuperou Lenz – o poeta proscrito que fora amigo de Goethe e admirado por Kafka - , que se transformou num paradigma para a psiquiatria por ter sido a primeira descrição exata de esquizofrenia, para a qual Nietsche lhe colocou um nome : o niilismo, a filosofia do nada.
A pequena livraria na Patagônia era uma miniatura da grande e majestosa Ateneu em Buenos Aires, na Santa Fé, com o grandioso café situado no palco do majestoso teatro que tinha como platéia e galeria estantes e mais estantes de livros.
Não, o povo não precisa de pão e circo, senão de livros, bons livros, e escolas, boas escolas que ensinem as crianças a pensar, ao invés de papagaiar historias antigas e sem sentido ou a decorar os teoremas do preconceito.
Quando se vê as estatísticas sobre produção e consumo de livros no Brasil, número de livrarias e desenvolvimento do mercado livreiro nos últimos dez anos, chega-se à conclusão que o quadro nacional é desalentador.
Como reverter este quadro? O que fazer para que os jovens passem a ler mais e a matar menos o tempo em inutilidades?
Afinal, por que ler é importante?
Não falemos da literatura imprestável, dos enganadores, dos impostores, dos que vendem palavras sem conteúdo, auto-ajudas que pouco valem. Falemos das obras de qualidade que ajudam a pensar, a criar, a se comunicar.
O leitor é também um criador orientado pelo autor; constrói personagens, convive com eles, extasia-se, sofre, transporta-se para outros locais e outras épocas, busca soluções, pensa, sente e vibra com o desenrolar do romance ou do conto, reflete com as reflexões do autor, amplia seus conhecimentos sobre o mundo e sobre os homens, aprende a ouvir, falar e escrever.
Através da leitura e da escrita podemos chegar a muitas partes e a muitos mundos, visitar o passado e arrojarmo-nos para o futuro, reviver ou viver por antecipação.
Cada bom livro é uma aventura particular e única que pode ser muito útil a quem empreende esta viajem ímpar. Os livros são como os seres humanos: nascem, tem um tempo de vida e desaparecem. Podem surgir depois de muitos anos em novas edições, se forem muito bons. Há os que têm conteúdo e os vazios, os bons e os maus; os inteligentes e os ignorantes. Sua leitura pode ajudar a leitura da própria vida, dos próprios dias, do próprio acontecer.
Devemos todos ler muitos livros, bons livros, e dar um exemplo para que os jovens aprendam a gostar de ler.
Há um livro, em especial, ao qual devemos dar a máxima atenção a cada dia de nossa existência: o nosso próprio livro, o livro de nossa vida, aquele que vamos escrevendo e lendo a cada dia, no qual somos autores e personagens, onde ficará consignada a nossa trajetória humana nesta breve passagem pela Terra, o livro dos livros, o livro da vida, a obra pessoal que cada um de nós pode e deve realizar.
Criemos, então, livros, bons livros, e livrarias, e cafés literários, como bem aconselhou um célebre escritor.
Nagib Anderaos Neto
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